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Guerra criará ameaça maior, diz sociólogo
PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
A guerra contra o Iraque ajuda o
terrorismo e, ao alimentar o antiocidentalismo no Oriente Médio, criará uma ameaça imensamente maior do que a representada pelo ditador iraquiano, Saddam Hussein. A avaliação do sociólogo italiano Pino Arlacchi, 52,
é respaldada por informações que
acumulou entre 1997 e 2002,
quando, como subsecretário-geral da Organizações das Nações
Unidas (ONU), comandou o comitê de combate ao terrorismo.
"Os ataques terroristas são só o
começo do problema", declara.
Arlacchi, ex-senador pelo PDS
italiano (Partido Democrático de
Esquerda, antigo partido comunista), acredita que a ONU só será
fortalecida após a segunda Guerra
do Golfo se forem concedidos
meios, como a formação de um
Exército permanente.
Um dos criadores da divisão antimáfia que atuou na Itália e especialista no crime organizado internacional, Arlacchi comparece
na terça-feira ao Congresso Nacional, em Brasília, para relatar
suas experiências. Mas o tema que
mais o preocupa no momento é a
guerra, e o fato de os americanos
tornarem-se a única força mediadora no mundo: "Assim, vou fazer campanha para votar para presidente dos EUA", brinca.
Folha - O sr. concorda com acusação do governo norte-americano
de que há ligações entre grupos
terroristas como Al Qaeda e Saddam Hussein -o argumento principal para o ataque ao Iraque?
Pino Arlacchi - Os especialistas
sabem muito bem que não há relações significativas entre Al Qaeda e o regime de Saddam Hussein.
Al Qaeda é uma rede terrorista
baseada em valores e idéias fundamentalistas. O regime de Saddam não é um Estado religioso. O
terrorismo é um problema muito
mais sério e verdadeiro do que
Saddam. Esta guerra tirará a atenção do mundo do terrorismo, a
verdadeira ameaça e razão de luta
de uma coalizão internacional.
Folha - A guerra ajudaria os terroristas de alguma forma?
Arlacchi- A guerra ajuda o terrorismo, porque leva árabes e muçulmanos à radicalização. Leva
jovens e desempregados para as
redes terroristas. Os ataques terroristas são só o começo do problema. Tenho muito mais medo
de um processo de radicalização
no Oriente Médio, que afetaria
milhares ou mesmo milhões de
pessoas. A ação dos EUA levará
ao aumento do antiamericanismo
na região, com maior fanatismo e
ódio e o crescimento do fundamentalismo. Eles não precisam
do terrorismo, mas vencer eleições democráticas e legítimas. Ou
seja, governos eleitos em processos democráticos, mas com forte
ódio aos Estados Unidos e ao Ocidente. Governos que podem produzir armas nucleares e de destruição em massa. O Paquistão
caminha nessa direção. Todas as
eleições naquele país após a guerra do Afeganistão foram vencidas
pelos fundamentalistas. Hoje eles
controlam quase metade do país.
O Irã deve ser o próximo. Neste
momento, no Irã, há um governo
[do presidente Mohamad Khatami], que, com apoio dos reformistas, teve 70% dos votos. A maioria
da população votou por mudanças democráticas, abertura para o
Ocidente, democracia e paz.
Mas há Ali Khamenei [líder supremo iraniano], que controla a
polícia, o Exército, os serviços de
segurança, os meios de comunicação. Foram convocadas eleições, e os conservadores venceram. É um país com 70 milhões de
habitantes -não apenas 22 milhões como o Iraque- e com tecnologia para construir armas nucleares. Esse olhar falta na análise
desta guerra. A responsabilidade
de [George W.] Bush será imensa.
Folha - O sr. acredita que, em curto e médio prazo, possam se repetir
ataques terroristas em grau próximo aos de 11 de setembro de 2001?
Arlacchi - Podem ocorrer novos
atentados. Esses ataques não precisam de grandes recursos. Quanto custou o 11 de setembro? Meio
milhão de dólares? Para destruir
fábricas, aeroportos e vizinhanças
de uma cidade não é preciso muito dinheiro. Às vezes são coisas
simples, sem alta tecnologia.
Folha - O que acontecerá no futuro próximo com as Nações Unidas,
após o ataque americano sem uma
expressa autorização para tal?
Arlacchi - A ONU será o que os
países mais poderosos quiserem.
Os Estados Unidos ameaçam deixar a ONU e, talvez, construir
uma nova organização. Isso pode
significar o fim das Nações Unidas ou a chance de reconstruí-la
mais forte. Por exemplo, permitindo que tenha um exército profissional e que responda a comandantes da ONU, em ações aprovadas pelo Conselho de Segurança.
Não se trata de tropas humanitárias, como hoje, nas quais cada
país contribui com centenas de
soldados, sem responder a um comando único. Seria um Exército
para cumprir um mandado da
ONU. Poderia, se existisse, ter
atuado no Iraque. Um ano antes
da crise, seriam enviados os inspetores com o respaldo do Exército. Com tecnologia e determinação, desarma-se o Iraque ou qualquer outro país.
No atual momento, só parece
haver duas opções: anarquia ou
todo o poder nas mãos dos EUA.
Caminhando-se para o segundo
caso, vou iniciar uma campanha
para poder votar para presidente
dos EUA [Rindo]... Eu quero votar para presidente dos EUA .
Folha - Como o sr. analisa o apoio
dado à guerra e aos Estados Unidos
pelo Reino Unido, Espanha e Itália?
Arlacchi - No caso de Reino Unido e Espanha, há primeiros-ministros sérios que tomaram decisões sérias contra a maioria de
seus cidadãos. Mas defendem e
explicam suas decisões. Na Itália,
ninguém sabe a posição do primeiro-ministro [Silvio Berlusconi]. Apoiou a guerra inicialmente,
mas se escondeu depois de pesquisas mostrarem que quase 90%
dos italianos, sob a liderança do
papa, são contra a guerra.
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