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TURBULÊNCIA CONTINENTAL
Frustração põe em xeque a combinação de democracia e reformas econômicas, base dos anos 90
Crise derruba "otimismo histórico" da AL
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Argentina e Brasil ocupam nesta semana os dois primeiros lugares no triste campeonato mundial
de risco-país, medido pela empresa financeira J. P. Morgan, dos Estados Unidos.
É apenas o mais espetacular indício, embora não necessariamente o mais relevante, de que a
América Latina está de volta aos
velhos maus tempos, tempos de
crise, de instabilidade e de dor.
Avalia, por exemplo, o uruguaio
Francisco Panizza, especialista
em América Latina da prestigiosa
LSE (London School of Economics): "A mudança mais importante dos últimos anos foi a perda
do otimismo histórico sobre as
perspectivas oferecidas pela combinação de democracia política,
reformas econômicas e integração regional que caracterizou a
América Latina na primeira metade da década passada".
As dores da crise são, de algum
modo, proporcionais ao tamanho
da frustração com a não-realização das promessas contidas na
combinação apontada por Panizza.
Ilusão
Em fevereiro, a revista britânica
"The Economist", já antecipando
a crise, apontava como era o ânimo na região no início dos anos
90: "Em meio a um exuberante
otimismo, a região abraçou a democracia, a abertura comercial e
o livre mercado. Capitais externos
choveram, houve um surto de
crescimento econômico e a pobreza começou a cair".
A nova ilusão não durou muito.
Quando os anos 90 terminaram, o
crescimento econômico da região
não havia passado de 3,3% ao
ano, na média, do que resultou
um aumento de magro 1,5% na
renda per capita, igualmente na
média anual.
Enquanto isso, a desigualdade
-a chaga permanentemente
aberta na pele do subcontinente- mantinha-se igual ou até
piorava.
Se foi assim no passado imediato, o presente não é melhor.
Tome-se como exemplo o que
diz o mais recente relatório sobre
a situação econômica da América
Latina/Caribe, preparado pela Cepal (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe, órgão
da ONU).
"A recuperação do ano anterior
[2000] e as esperanças de que ela
abrisse caminho para um novo ciclo de crescimento se truncaram
com a forte desaceleração da economia mundial em 2001."
Consequência: "A economia regional cresceu apenas 0,5% e as
perspectivas de crescimento para
o anos de 2002 não são alentadoras (1,1%)".
Corolário inevitável, sempre segundo a Cepal: "A pobreza tem
afetado mais pessoas do que antes. Esse fenômeno foi reforçado
pela persistente desigualdade na
distribuição da renda, que subsiste na região, e pelas características
do desempenho do mercado laboral, [que" foi relativamente incapaz de incorporar mão-de-obra
à economia formal, razão pela
qual aumentaram a informalidade e o desemprego".
Subdesenvolvimento
Tudo somado, o círculo virtuoso que se imaginava inaugurar
com as reformas ditas liberais dos
anos 90 não passou de ilusão: a
América Latina continua presa ao
mesmo círculo de ferro do subdesenvolvimento.
Contribui para o fim do que Panizza chama de "otimismo histórico" uma das características das
recorrentes crises financeiras que
sacudiram a região (e o mundo),
conforme aponta Maria Antonieta Del Tedesco Lins, doutoranda
em economia pela FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo).
"As crises recentes aconteceram
em momentos de relativo controle da inflação e até de fases de queda da instabilidade de preços", escreveu Maria Antonieta para o livro "Arquitetura Assimétrica"
(do sistema financeiro internacional), que acaba de ser lançado pela Fundação Konrad Adenauer, o
instituto de estudos da democracia cristã alemã.
Ou seja, a inflação, o demônio
principal que assolou a América
Latina nas décadas de 70 e 80, foi
aparentemente domada ou controlada, sem que esse avanço significasse a abertura de um novo
ciclo realmente virtuoso na região.
Pior: além de perder o otimismo, a América Latina "perdeu
também a confiança dos chamados mercados, tanto do capital financeiro como dos que investem
em produção", lamenta Francisco
Panizza.
Tem razão: a Cepal acaba de informar que, de 1999 para o ano
passado, o investimento direto na
América Latina/Caribe diminuiu
de US$ 105 bilhões para US$ 80 bilhões, interrompendo uma década de crescimento sem precedentes.
Não há, portanto, como escapar
da sombria previsão de Panizza:
"Pelo menos no curto e no médio
prazo, vejo um futuro política e
economicamente muito instável
na região".
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