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Impasse mancha também a democracia
COLUNISTA DA FOLHA
O desencanto com o modelo dito neoliberal tem uma face política. Como diz Gilberto Dupas, do
Instituto de Estudos Econômicos
e Internacionais, o discurso liberal "foi assumido em plena maré
democrática na América Latina".
De fato, todos os países da região, a partir dos anos 90 ou pouco antes, tornaram-se democráticos, com exceção de Cuba, ainda
que haja déficits na democracia
de muitos deles. Tornaram-se simultaneamente adeptos entusiastas do neoliberalismo, como antes
haviam aderido ao populismo.
Essa coincidência faz com que,
na hora da crise, "a democracia
perca ainda mais legitimidade,
abrindo espaço para o populismo", supõe Dupas.
Francisco Panizza, da London
School of Economics, tem temores mais sérios: "Há muito pouco
tempo, acreditava que fosse impensável a volta dos golpes militares. Hoje, na Venezuela visivelmente e de modo menos visível
na Argentina, há gente batendo às
portas dos quartéis".
Se os golpes militares podem ou
não voltar, o tempo dirá. O que é
possível dizer já é que, no processo de reformas, o sistema partidário foi se esfacelando, substituído
em geral por líderes personalistas,
como Fujimori ou Chávez.
Claro que não se trata de um fenômeno generalizado. No Uruguai, por exemplo, os partidos
"blanco" e "colorado", que se revezam no poder desde a independência, continuam os mais fortes.
No Brasil, os partidos estão se
fortalecendo, "talvez porque nunca houve nada parecido com uma
estrutura partidária forte", lembra Renato Baumann, da Cepal. A
fragilização dos partidos, diz Dupas, é também, ao menos em parte, culpa do processo de globalização. "A maior inserção dos países
na economia mundial acaba relativizando a capacidade dos aparatos locais de gerir crises."
Por isso, "os Estados nacionais
parecem cada vez menos aptos
para lidar com as demandas dos
povos". Seria natural, portanto,
que o público se afastasse ou desconfiasse das lideranças políticas.
Baumann dá outro elemento da
crise dos partidos: "Um fenômeno nítido dos anos 90 foi a crescente percepção de cidadania, que
se revela, por exemplo, no fortalecimento dos direitos do consumidor. Mas há um desencanto com
os mecanismos que formalizam
essa participação cidadã".
Os panelaços que derrubaram
dois presidentes argentinos tornam concreto o paradoxo traçado
por Baumann. O público participa batendo panelas, mas não consegue fazê-lo pela via institucional: a urna. "Aonde isso vai nos levar, não sei", diz Baumann.
(CR)
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