|
Texto Anterior | Índice
Encanto com neoliberalismo fica trincado
COLUNISTA DA FOLHA
Se a América Latina adotou um
modelo único a partir dos anos
90, chamado de neoliberal ou de
Consenso de Washington, a crise
atual leva à inescapável tentação
de concluir que o modelo fracassou.
É assim? Os especialistas divergem, mas coincidem em apontar
problemas estruturais que, antes,
foram minimizados ou até escondidos no auge do namoro com o
modelo.
Gilberto Dupas, presidente do
Instituto de Estudos Econômicos
e Internacionais e professor da
USP, acha que fracassou, sim, e
não apenas na América Latina.
Dupas fez um estudo alentado
sobre nove países, que representam uma economia somada de
US$ 2,9 trilhões, e verificou que,
em todos eles, houve "um aumento significativo da vulnerabilidade
externa, porque importam mais
do que podem exportar".
Entre os nove, estão três latino-americanos, exatamente os mais
importantes (o Brasil, o México e
a Argentina).
O caso do Mercosul é ilustrativo
da tese de Dupas: mesmo no seu
período de ouro, de 1992 a 1998, as
exportações do bloco aumentaram 56%, mas as importações
cresceram quase três vezes mais
(146%). Consequência: "O déficit
estrutural levou a crises em todos
esses países, embora de forma diferente".
Francisco Panizza, da London
School of Economics, matiza o
fracasso: "Seria mais adequado
falar de um crise de certos aspectos do modelo, combinada com
sérias falhas em sua implementação".
Mas ele afirma, igualmente, que
o modelo tem "problemas sistêmicos bastante claros: excessiva
dependência do capital externo,
aumento das desigualdades sociais e falta de políticas que promovam as mudanças tecnológicas e produtivas que tornem os
países menos dependentes de exportações de matérias-primas".
Renato Baumann, diretor do escritório da Cepal em Brasília, vai
um pouco na mesma direção. Primeiro, não concorda em chamar
de neoliberal a política, por exemplo, do Brasil. "Um país em que a
carga tributária chegou a 34% do
PIB não é neoliberal", diz.
Depois, afirma que as economias latino-americanas foram colhidas por uma sucessão de crises,
a partir da mexicana de 1994, justamente quando "estavam no
meio do processo de reformas; foram colhidas no contrapé".
Mas Baumann também levanta
um outro ponto que Panizza com
certeza incluiria nos "problemas
sistêmicos" do modelo: a sua aplicação universal, na Tailândia e na
Argentina, no Uruguai e na Nigéria.
"A Cepal tem insistido sempre
em que não se podem jogar no lixo questões ligadas à história de
cada país e a traços concretos de
cada sociedade", diz Baumann.
O empresário Roberto Teixeira
da Costa, que já foi presidente do
capítulo brasileiro do Ceal (Conselho de Empresários da América
Latina) e acompanha permanentemente o cenário econômico regional e global, também não condena o modelo dito neoliberal.
"O modelo foi mal administrado. Na Argentina, por exemplo,
os recursos obtidos com as privatizações sumiram", diz.
De todo modo, Teixeira da Costa admite que a crise da região põe
na geladeira um dos pontos essenciais do modelo, que são as
privatizações.
"O caso de Furnas é ilustrativo.
Não havia ambiente para privatizá-la e tão cedo não haverá", afirma, citando o caso da empresa de
energia cuja privatização foi suspensa.
O mais recente sinal de crise na
América Latina ocorreu justamente por causa de privatizações
na área de energia: o presidente
do Peru, Alejandro Toledo, teve
de voltar atrás depois de uma rebelião na região de Arequipa, a segunda cidade do país.
Para abalar ainda mais a saúde
do modelo dito neoliberal, os seus
inspiradores, os Estados Unidos,
trocaram de prioridade depois
dos atentados de 11 de setembro
contra o país.
Antes, eram a economia e o comércio. Agora, é a segurança.
"Com isso, agrava-se o potencial de crises, porque o FMI é menos ativo nelas", diz Gilberto Dupas.
A agonia da Argentina, sem que
o FMI fique comovido, demonstra a tese de Dupas.
(CR)
Texto Anterior: Impasse mancha também a democracia Índice
|