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Conflitos internos desafiam a unidade israelense
HELOISA PAIT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os últimos filmes de Amos Gitai
mostram uma faceta da sociedade
israelense que é encoberta pelas
tensões com os palestinos: seus
próprios conflitos internos.
"O Dia do Perdão" narra o desgosto dos soldados com um governo que não os preparou para a
Guerra do Iom Kipur (1973). "Kadosh" mostra o beco sem saída
em que estão as judias ortodoxas
no interior de uma sociedade moderna. E "Kedma" conta a iniciação dos refugiados europeus na
realidade israelense. Nele os combatentes locais enganam os britânicos, estabelecem um diálogo
precário com os árabes e lutam
quando necessário. Mas os refugiados que pegam em armas pela
primeira vez estão sempre deslocados, sem saber que língua falar
ou aonde ir. Morrem às dezenas.
Gitai toca nesses filmes em conflitos sobre os valores mais básicos de uma nação. Os judeus que
seguem à risca as leis religiosas somam 4% da população judaica do
país e impõem algumas delas aos
demais, como as referentes ao casamento e ao respeito ao sábado.
Mas a grande maioria laica acompanha as mudanças de costumes
das sociedades mais liberais e
aceita a contragosto as regras religiosas, ou expressa seu desconforto votando no novo partido
anti-religioso, Shinui.
Não é só a religião que divide Israel: uma em cada três pessoas
nasceu fora do país, proporção
grande até mesmo comparada
com a de países de forte imigração, como o Canadá. As sucessivas ondas de imigração vindas da
Europa, do mundo árabe, da
América Latina, da África e, recentemente, da Rússia levaram ao
país uma rara diversidade social.
No início, a ideologia sionista
dava coesão a esse grupo diverso:
era preciso construir um Estado
com um território e uma língua
comuns, e não havia problema se
algumas idiossincrasias culturais
fossem perdidas.
É possível também que costumes políticos oriundos ainda das
antigas comunidades judaicas da
Europa, que privilegiavam a busca informal do consenso, tenham
evitado o confronto entre grupos
com profundas diferenças étnicas
e religiosas: algo como o nosso
"jeitinho", que passa por cima das
diferenças sem nunca resolvê-las.
Mas, para muitos analistas, essa
coesão começa a se desfazer. O
sentimento de inutilidade quanto
à ocupação em Gaza e na Cisjordânia faz muitos israelenses evitarem aberta ou silenciosamente o
Exército, que sempre foi um grande fator aglutinador nessa sociedade. A globalização, com sua
oferta de bens de consumo e de
bens culturais diversos, acaba
criando subculturas que nada têm
a ver com o sionismo socialista
original: "Está todo mundo vendo
"O Clone'!", diz, entusiasmada, a
curadora Sara Harel, 45.
Para Maha Sawbah, 32, estudante de pós-graduação da Universidade de Haifa, no momento
em que o conflito com os palestinos for resolvido, as tensões sociais internas vão se expressar:
"Agora eles não têm tempo e
energia para isso". Em entrevista
à Folha, ela chama a atenção para
a atual busca de espaço político
pelos judeus de origem árabe.
Para o empresário israelense
Uri Sade, 41, atualmente vivendo
no Brasil, as discussões políticas
sobre o conflito com os palestinos
são frequentes entre amigos e familiares. "A verdade é que ninguém sabe qual o melhor caminho. Mas um tenta convencer o
outro de seu ponto de vista: construir o muro, usar a força, negociar? Não sei." Mas, para ele, essas
discussões não chegam a afetar as
relações pessoais.
A professora Eva Etzioni-Halevy, da Universidade Bar-Ilan,
preocupa-se com essa fragmentação social e ideológica, que pode
levar, em última instância, a uma
crise das instituições democráticas do Estado. Em seu livro "The
Divided People" (o povo dividido), ela propõe uma volta aos valores comunitários e aos símbolos
do sionismo original. Mas, com as
fortes críticas à história oficial israelense feitas por jovens historiadores, essa volta às origens parece
bem difícil. Além disso, esses valores foram apropriados de maneira tão sectária pelos colonos israelenses que vivem nos territórios ocupados que, provavelmente, não servem mais como ideologia comum a um povo.
Para o professor Alan Dowty, da
Universidade de Notre Dame, nos
EUA, para evitar essa fragmentação sem impor nenhuma ideologia em particular, seria fundamental construir uma sociedade
multicultural, baseada nas raízes
judaicas de respeito à diversidade
e à diferença de opiniões. Uri
Ram, professor da Universidade
de Bersheva (Israel), vai mais
além, defendendo um Estado
pós-sionista sem nenhuma identidade religiosa ou étnica.
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