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"As Farc têm todo o tempo do mundo", diz comandante
DO ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA
Leia a seguir entrevista concedida à Folha na última terça-feira
pelo comandante das Farc Raúl Reyes em algum ponto da Amazônia colombiana.
(FM)
Folha - A Fundação Segurança e
Democracia divulgou dados comparativos entre o primeiro semestre do governo Uribe, em 2003, e o
primeiro semestre de 2002, ainda
sob o governo Pastrana, que mostram uma intensificação das ações
militares do governo e um recuo
das Farc. Por que isso ocorreu?
Raúl Reyes - Não sei, não tenho
idéia, mas lhe digo: de onde eles
tiram essa informação? Da inteligência militar, que fala de milhares de guerrilheiros mortos, de
guerrilheiros desertores, feridos,
o que não é verdadeiro. Mas as
Farc não estão competindo para
ver quantas ações fazem, temos
um plano próprio que não pode
ser submetido à avaliação das autoridades colombianas. As Farc
realizam suas ações quando consideram necessárias.
O grave problema para Uribe é
que só faltam três aninhos para
governar, e as Farc têm todo o
tempo do mundo, são 39 anos de
luta. Levaremos todo o tempo necessário para alcançar nossos objetivos. A pressa é do sr. Uribe.
Não é da competência das Farc
ver quem mata mais.
Folha - No mês passado, o sr.
anunciou o envio de uma proposta
de negociação à ONU. Qual foi o
teor dessa proposta?
Raul Reyes - O que temos pedido
é uma negociação de paz com o
Estado colombiano. Com um governo que esteja interessado em
investir na paz, e não em continuar a guerra, não em continuar a
eliminação dos colombianos como está fazendo Uribe. As Farc
propõem iniciar um diálogo, mas
depois que o governo desmilitarizar dois Departamentos [Estados], Caquetá e Putumayo.
O que solicitamos à ONU é que,
assim como tem ouvido várias vezes o governo colombiano e o
próprio Uribe, que também nos
receba como uma nação política,
revolucionária e de oposição ao
governo colombiano para explicarmos o nosso ponto de vista.
Folha - As Farc já receberam alguma resposta da ONU?
Reyes - Sim, recebemos do próprio secretário-geral [Kofi Annan] uma resposta muito positiva, dizendo que tem o maior interesse em estabelecer um diálogo
conosco e insinuou que poderia
ser no Brasil. Gostaria muito que
fosse no Brasil, um país irmão da
Colômbia. Mas não há nenhuma
definição até agora, nem por parte
da ONU nem por parte das Farc.
Folha - Essa proposta de negociação não é um recuo das Farc?
Reyes - Não, de forma alguma,
as Farc não erraram porque foi
Pastrana quem interrompeu o
diálogo. A comunidade internacional sabe que as Farc até a última hora enviaram propostas viáveis para a continuidade do diálogo, mas o governo já tinha decidido liquidar o processo de paz.
Folha - A ruptura ocorreu após as
Farc terem sequestrado o senador
Jorge Gechem Tubay. Uma ação
dessas não é um convite à interrupção das negociações?
Reyes - Não, porque os diálogos
ocorriam em meio à guerra. Não
havíamos assinado nenhum cessar-fogo bilateral.
Folha - Mas o senador não era um
alvo militar.
Reyes - Na Colômbia os senadores legislam contra o povo, pressionam os trabalhadores com
mais impostos, aprovam leis contra a insurgência, aprovam todas
as leis repressivas.
Folha - Como as Farc definem
uma ação militar legítima?
Reyes - O objetivo é a captura
desses senadores e deputados para conseguir a liberação dos guerrilheiros e guerrilheiras que estão
nas prisões colombianas. O governo tem se negado a assinar um
acordo de troca humanitária.
Folha - As Farc são acusadas de
executar atos terroristas em cidades, como o ocorrido em fevereiro,
em Bogotá, com 36 mortos.
Reyes - As Farc não têm nenhuma responsabilidade sobre essa
ação em Bogotá. Mas, logo depois
que os EUA decidiram classificar
como terroristas todas as organizações contrárias à sua política,
na Colômbia, Uribe também chama de terroristas todas as ações
que interessam ao povo.
Folha - Como tem sido o contato
entre as Farc e o governo do Brasil?
Reyes - Agora, nenhum. Estamos muito interessados em um
contato direto, porque as Farc
têm como política estabelecer relações políticas com governos, para explicar a eles que temos uma
política que consiste em não realizar operações militares fora do
território colombiano.
Folha - Qual é a sua avaliação do
governo Lula?
Reyes - Tenho muita esperança
em que o governo Lula se transforme num governo que tire o povo brasileiro da crise. Lula é um
homem que vem do povo, nos
alegramos muito quando ele ganhou. As Farc enviaram uma carta de felicitações. Até agora não
recebemos resposta.
Folha - Vocês têm buscado contato com o governo Lula?
Reyes - Estamos tentando estabelecer -ou restabelecer- as
mesmas relações que tínhamos
antes, quando ele era apenas o
candidato do PT à Presidência.
Folha - O sr. conheceu Lula?
Reyes - Sim, não me recordo
exatamente em que ano, foi em
San Salvador, em um dos Foros
de São Paulo.
Folha - Houve uma conversa?
Reyes - Sim, ficamos encarregados de presidir o encontro. Desde
então, nos encontramos em locais
diferentes e mantivemos contato
até recentemente. Quando ele se
tornou presidente, não pudemos
mais falar com ele.
Folha - Qual foi a última vez que o
sr. falou com ele?
Reyes - Não me lembro exatamente. Faz uns três anos.
Folha - Fora do governo, quais
são os contatos das Farc no Brasil?
Reyes - As Farc têm contatos não
apenas no Brasil com distintas
forças políticas e governos, partidos e movimentos sociais. Na
época do presidente [Fernando
Henrique] Cardoso, tínhamos
uma delegação no Brasil.
Folha - O sr. pode nomear as mais
importantes?
Reyes - Bem, o PT, e, claro, dentro do PT há uma quantidade de
forças; os sem-terra, os sem-teto,
os estudantes, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, historiadores, jornalistas...
Folha - Quais intelectuais?
Reyes - [O sociólogo] Emir Sader, frei Betto [assessor especial
de Lula] e muitos outros.
Folha - No Brasil, as Farc têm a
imagem associada ao narcotráfico,
em especial com o traficante Fernandinho Beira-Mar. A Polícia Federal concluiu que ele esteve na
área das Farc junto com Leonardo
Dias Mendonça. O sr. confirma?
Reyes - Não sou um policial, sou
um revolucionário. A Colômbia
não é tão grande como o Brasil,
mas tem 1.142.000 kmē, e as Farc
estão presentes em todo o país.
Qualquer um que chegue do Brasil, da Europa ou dos EUA a qualquer um dos Departamentos da
Colômbia, pode vir a ter contato
com a guerrilha.
Folha - A PF afirma que as Farc
forneceram cocaína a Fernandinho
em troca de armas.
Reyes - A polícia diz qualquer
coisa, porque recebe ordens para
dizer e inventar coisas.
Folha - As Farc mantêm relação
com traficantes brasileiros?
Reyes - Que eu saiba, nenhuma.
Isso faz parte da campanha para
justificar o que os EUA estão fazendo na Colômbia, intervindo
nos assuntos internos do país.
Mas os EUA não combatem o
narcotráfico em seu próprio território. Os camponeses colombianos produzem coca e papoula,
são trabalhadores da terra. Quem
compra? Os narcotraficantes do
mundo. E quem consome? Os
gringos.
Folha - Qual é a relação entre as
Farc e os traficantes que compram
droga dos camponeses?
Reyes - As Farc cobram imposto
desses comerciantes, que compram dos camponeses. Não apenas dos que vendem coca, mas
também dos que produzem grandes quantidades de soja, arroz,
milho. Não se cobra dos camponeses, mas dos comerciantes.
Folha - As Farc têm sido acusadas
de produzir sua própria coca.
Reyes - Absolutamente falso, as
Farc são uma organização revolucionária, que luta pelo poder. Produzimos alimentos para nossos
guerrilheiros. A cocaína é um veneno.
Folha - Recentemente, houve um
grande problema diplomático entre Brasil e França por causa de
uma suposta negociação daquele
país com as Farc para libertar a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt. As Farc negociaram com
o governo francês?
Reyes - Nenhuma negociação.
Tudo o que nós sabemos foi o que
saiu na imprensa. A notícia nos
surpreendeu. Ela está muito bem
de saúde e de ânimo, mas está
triste, como estão todos os que
não recuperaram sua liberdade,
alguns nos presídios do Estado
colombiano, tristes porque não
podem sair de lá. Os que estão na
selva também estão tristes. Por isso, estão muito interessados na
troca de prisioneiros para que todos recuperem sua liberdade.
Folha - Que relação as Farc mantêm com o governo venezuelano?
Reyes - Estamos propondo ao
governo de Hugo Chávez uma explicação sobre a política das Farc
em relação aos países vizinhos.
Folha - Existe contato ou não?
Reyes - Temos informações
muito positivas sobre Chávez, um
bolivariano patriota que luta pela
dignidade do seu povo. Nós o admiramos muitíssimo.
Folha - O sr. acredita numa intensificação da ajuda militar americana à Colômbia?
Reyes - É possível que aumente,
é o que tem feito o sr. Bush e é o
que Uribe está pedindo aos gritos.
Ele está desesperado porque não
pode alcançar nenhum resultado
contra a guerrilha. Uribe é um
fantoche norte-americano. Funcionários americanos vêm à Colômbia em romaria para ver se
Uribe está realizando as tarefas
direito.
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