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COLÔMBIA
Presença do governo Uribe, que reforçou combate à guerrilha, é mínima na área em que a Folha encontrou o líder do grupo
Visita às Farc revela ausência do Estado
DOS ENVIADOS ESPECIAIS À COLÔMBIA
Se as Farc quiseram demonstrar que a intensificação dos ataques pelo governo Uribe não têm
surtido efeito, as pouco mais de 24
horas em que a reportagem da
Folha e a de outro jornal brasileiro estiveram no território colombiano controlado pela guerrilha
foram convincentes.
Acompanhada durante todo o
tempo por dois guerrilheiros
-um portando uma pistola-, a
reportagem se deslocou sem incidentes durante cerca de dez horas, entre a ida e a volta, para se
encontrar com Raúl Reyes, do comando militar das Farc, na selva
amazônica colombiana.
No trajeto, que passava por alguns vilarejos, o Estado só se fez
visível por meio de duas placas
enferrujadas de agências do governo e da saída de crianças de
uma escola, que os guerrilheiros
afirmaram ser mantida com dinheiro público. Do Exército ou da
polícia, nem sinal.
A maior parte da viagem foi feita por um labirinto incompreensível de "caños" (igarapés), de onde se avistavam casas de madeira,
que, apesar de simples, pareciam
novas e bem construídas. Na volta, dormiríamos numa delas, de
uma família de cocaleros (cultivadores de folha de coca).
Num dos povoados, uma pausa
para trocar de barco e calçar botas
de borracha, fornecidas pelas
Farc. Mais tarde, quando começou a chover, os guerrilheiros forneceriam capas de chuva. No barco, também estavam à disposição
garrafas de suco e de água.
No trajeto pelos caños cercados
de mata fechada, ainda houve
uma pequena parada para observar macacos que passavam por cima de nossas cabeças. Foi uma
verdadeira excursão turística.
Fora dos povoados, os poucos
habitantes olhavam a comitiva
sem entusiasmo. Alguns cumprimentavam, outros baixavam os
olhos. É impossível saber o que
essas reações significavam.
Depois de uma extenuante viagem caño acima, dificultada pelo
baixo nível da água, finalmente
chegamos ao ponto de desembarque, onde nos esperava o comandante Reyes, acompanhado de
sua guarda pessoal -sete guerrilheiros armados com fuzis russos
AK-47. Entre eles, duas mulheres.
Ficamos apenas cerca de três
horas no acampamento improvisado para nos receber -duas tendas em meio à selva gigantesca.
Tempo suficiente para a entrevista com Reyes, uma conversa rápida com sua guarda pessoal e para
a entrega de duas encomendas:
um livro do sociólogo Emir Sader,
presenteado por um representante das Farc no Brasil, com quem a
reportagem negociou a viagem, e
o livro "Renda de Cidadania", do
senador petista Eduardo Suplicy,
entregue a pedido do vereador de
Guarulhos Edson Albertão (PT),
que esteve com Reyes em julho.
Questionados sobre com que
idade entraram para a luta armada, os guerrilheiros responderam
que entre 14 e 20 anos. Ninguém
disse ter participado de combates
recentes -sinal de que Reyes,
procurado pelo governo, está
bem protegido.
Iniciamos a volta em seguida,
mas, devido ao horário, fomos
obrigados a dormir na casa de um
"amigo" de Reyes, onde chegamos à noite. Amável, a família,
composta por um casal e quatro
filhos, nos recebeu com sorrisos e
curiosidade. Apenas a mulher
permaneceu distante, preparando a janta para a visita-surpresa.
Numa conversa informal na sua
varanda, Carlos (nome fictício)
contou que plantava "coquita" e
que viaja muitas vezes até Letícia,
na fronteira da Colômbia com o
Brasil, para fazer a entrega de
"mercadorias" com seu barco.
A casa dele, de madeira, tinha
gerador movido a gasolina, aparelhos de televisão e de DVD, mas
o banheiro era o caño mesmo.
De manhã, um dos guerrilheiros quis saber quanto devia a Carlos. "Nada amigo. É sempre um
prazer recebê-los", respondeu.
Pouco depois, de volta ao povoado, pausa para devolver as botas e almoçar um delicioso peixe
com arroz e feijão. No restaurante, porém, um ruído de comunicação provocou segundos tensos.
Ao pedir um refrigerante, a reportagem não falou o nome inteiro da marca que desejava, causando aflição na atendente, que voltou a perguntar o que queríamos.
Ao entender o que aconteceu, repetimos a escolha, desta vez com
o nome completo: Coca-cola.
Durante todo o trajeto, não
houve restrições para fotografias,
mas os soldados pediram que os
nomes não fossem divulgados.
Na despedida, a reportagem foi
presenteada com um pingente de
Che Guevara e com um CD de
narcocorridos, gênero de música
que canta a vida dos guerrilheiros
e traficantes colombianos. Em retribuição, deixamos uma lanterna
de acampamento.
(FABIANO MAISONNAVE E JOÃO WAINER)
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