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Argentina admira Brasil, mas não o Mercosul
Pesquisa encomendada pelo governo Lula revela visão positiva de vizinhos a respeito da economia e "organização" do país
Argentinos vêem bloco do Cone Sul com desconfiança; para 62% deles, brasileiros lucrarão mais com aliança; na cultura, música é o elo
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Se o assunto é futebol, argentinos e brasileiros comportam-se como inimigos irreconciliáveis. Mas quando o tema é a relação formal entre os dois países, os vizinhos ao sul do rio da
Prata têm uma visão muito
mais positiva e generosa.
Para 62% dos argentinos, a
relação entre Brasil e Argentina deve ser a de "sócios" (33%),
"amigos" (19%) ou de "irmãos"
(10%). Esses são alguns dos
percentuais da uma pesquisa
realizada pela consultoria Graciela Römer & Associados.
O governo brasileiro contratou o levantamento, que ficou
pronto em maio, mas permanecia inédito para o público até
agora. Foram ouvidas 848 pessoas, e a margem de erro é de
três pontos percentuais para
mais ou para menos.
Para quem se fia apenas nos
estereótipos de antipatia mútua, a pesquisa é uma grande
surpresa. A visão dos argentinos é amplamente favorável ao
Brasil, talvez pelo fato de as
economias dos dois países estarem hoje em situações opostas.
Para 59% dos argentinos, a
economia brasileira está bem
ou muito bem. Há dez anos, só
15% responderam dessa forma.
Hoje os argentinos também
parecem muito mais bem informados sobre o outro lado da
fronteira. Em 1998, quando indagados sobre economia brasileira, 38% não sabiam opinar.
Hoje, são só 14%.
A Espanha aparece como o
país preferencial para o estreitamento de relações (29%),
mas o Brasil vem logo atrás
(24%), bem à frente dos EUA
(12%). O interesse pela cultura
brasileira é preponderante
quando o assunto é música
(37%). Telenovelas vêm em segundo lugar, com 10%. Já a literatura do Brasil interessa só a
6% dos argentinos.
Bagunça
A pesquisa teve grupos de
análise qualitativa, com entrevistas. Os brasileiros são descritos como estando no meio do
caminho entre os chilenos
("que respeitam muito a lei") e
os argentinos ("desorganizados" e "que pensam em si próprios"). Outra conclusão: o Brasil é um país organizado, embora não seja necessariamente
uma sociedade organizada. Os
chilenos o são nos dois sentidos. Os argentinos, em "nenhum deles".
O levantamento captou a histórica percepção de que existem "dois Brasis", um desenvolvido e rico e outro atrasado e
pobre. Não por acaso, os maiores problemas apontados pelos
argentinos são a pobreza (45%)
e a violência (23%).
Há dez anos, as mesmas respostas encabeçavam a lista,
mas a pobreza era apontada por
64% dos entrevistados. A violência ficou no mesmo patamar. E surgiu outro vilão, o narcotráfico, antes ignorado como
problema do Brasil pelos vizinhos e agora citado por 18%.
A pesquisa desmonta um
senso comum no Brasil: a idéia
de que brasileiros na Argentina
entendem mais espanhol do
que os argentinos compreendem português. Segundo o levantamento, a percepção dos
vizinhos é o oposto.
Eis uma frase captada em um
grupo de discussão e usada no
relatório para sintetizar o sentimento argentino: "Eu estava
pensando no nacionalismo dos
brasileiros. Quando eles vêm,
nós nos esforçamos para
aprender sua língua. Quando
vamos lá, eles não fazem isso".
Essa percepção foi interpretada na pesquisa como sendo
uma atitude de certa arrogância por parte dos brasileiros e
"um sinal de que a Argentina é
irrelevante para o Brasil".
No campo lingüístico, 90%
dos argentinos acreditam que o
idioma mais relevante para ser
aprendido é o inglês. Só 5% citam o português.
O levantamento foi concluído antes do fracasso da Rodada
Doha, cujo objetivo era liberalizar o comércio no âmbito da
OMC (Organização Mundial do
Comércio). No final das negociações, a delegação brasileira
abandonou uma posição de solidariedade total com alguns
países, incluindo a Argentina,
para apoiar uma saída negociada com nações ricas.
Mesmo sem captar a má reação argentina ao desfecho da
Rodada Doha -a mídia portenha classificou o Brasil como
traidor-, a pesquisa aponta
uma desconfiança crescente
dos vizinhos em relação aos benefícios do Mercosul.
Há dez anos, 40% dos argentinos acreditavam que o maior
beneficiário do pacto dos países
do Cone Sul seria o Brasil. Hoje,
o percentual subiu ainda mais
para expressivos 62%. Só 4,5%
acreditam que a Argentina será
a que mais vai lucrar com a
aliança.
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