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Fórum propõe cidadania global do migrante
Encontro de especialistas na Espanha defende direitos plenos para as 220 milhões de pessoas que vivem fora de seu país
Experts vêem descompasso entre políticas migratórias e globalização e lamentam que 3% da população sejam cidadãos de segunda classe
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTANDER
Kim Campbell, ex-premiê do
Canadá, recorre ao poeta norte-americano Robert Frost
(1874-1963) para falar da situação dos migrantes no mundo:
"O que é o lar? É o lugar ao qual,
quando a ele vou, eles têm que
me deixar entrar".
O mundo decididamente não
é um lar para os 220 milhões de
pessoas que vivem fora de sua
terra, cerca de 3% da população
mundial, todo um Brasil e uma
Argentina somados.
A essa massa, haveria que se
acrescentar 815 milhões de
emigrantes potenciais, apontados em estudo recente do Fundo Monetário Internacional, e
200 milhões de migrantes internos, gente que deixou a cidade mas não o país onde nasceu.
E ainda há 11,5 milhões de refugiados.
Os refugiados têm direitos
específicos, entre eles o veto à
repatriação, o que não acontece
com os migrantes voluntários.
"O refugiado precisa de proteção, mas há muita gente que
não se enquadra na condição de
refugiado e também necessita
de proteção", constata Jeff
Crisp, chefe da Unidade de
Avaliação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). "Há um buraco na legislação internacional."
Do poema de Frost citado
por Campbell e do "buraco"
mencionado por Crisp nasceu a
principal recomendação para o
tratamento dos migrantes feita
ao final do seminário "Globalização, Migração Internacional
e Desenvolvimento", realizado
em Santander (Espanha) na segunda e na terça-feira, sob patrocínio do Clube de Madri,
instituição que reúne 64 ex-chefes de governo, do brasileiro
Fernando Henrique Cardoso
ao cabo-verdiano Antonio
Mascarenhas Monteiro, passando pelo chileno Ricardo Lagos, seu atual presidente.
A recomendação equivale a
criar a cidadania global, na medida em que prega "conceber a
cidadania com base na residência e não na nacionalidade".
Direitos plenos
O brasileiro que vive em Madri, portanto, teria todos os direitos do cidadão espanhol, em
vez de ser um "cidadão de segunda classe", como Kim
Campbell diz ser hoje o imigrante. Ou um "sobrevivente",
como prefere Petre Roman, ex-premiê romeno.
Tão de segunda classe que
"não existe uma organização
global para a governança das
migrações, como existe, por
exemplo, a Organização Mundial do Comércio para o comércio", reclama Dolores Gorostiaga Sáiz, vice-presidente do governo da Cantábria, a região de
que Santander é a capital.
Reforça Jeff Crisp, do Acnur:
"O capital, os bens, as informações e as idéias gozam de livre
movimento, mas não é o que
acontece com as pessoas. Podemos viver em um mundo em
que há esse livre movimento de
tudo, menos das pessoas?".
Os governos do mundo rico
parecem crer que sim, tanto
que estão reforçando os controles sobre a imigração, tanto
na Europa como nos EUA. "Há
muitos acordos sobre proteção
de fronteiras e poucos sobre facilitar a emigração regular", lamenta Manuel Pombo Bravo,
representante espanhol na
OIM (Organização Internacional para as Migrações).
Pombo lembrou que, embora
o complexo ONU inclua a OIM,
esta não cria doutrina nem tem
um orçamento geral, apenas
para projetos específicos.
"O tratamento das migrações
é a parte mais atrasada do processo de globalização", constata Rafael Rodríguez, coordenador acadêmico do seminário e
diretor da cátedra de Cooperação Internacional e Comunidade Iberoamericana da Universidade da Cantábria.
Jaime Atienza, pesquisador
do Departamento de Estudos e
Campanhas da respeitada ONG
Oxfam, também lamenta o que
chama de "obsessão com o controle da imigração", ainda mais
que, pelas pesquisas que menciona, "um aumento de 3% no
número de imigrantes nos países desenvolvidos geraria US$
300 bilhões adicionais para a
economia, mais que os potenciais ganhos com a Rodada Doha de liberalização comercial".
Se há ganhos, se há um discurso politicamente correto a
favor da imigração, onde está o
problema? "Numa dupla hipocrisia", responde Jeff Crisp, do
Acnur. "Os governos dos países
emissores dizem que não querem que eles saiam, mas necessitam que o façam, assim como
os países receptores não querem que venham, mas precisam da mão-de-obra deles."
Os números dão toda a razão
a Crisp. Na ponta dos países
emissores de migrantes, há o
fato de que 25% da economia
de Honduras, por exemplo,
provêm de remessas de hondurenhos que vivem no exterior.
Na ponta dos receptores, "há
12 milhões de irregulares trabalhando nos EUA, o que equivale a 9% da população empregada; se fossem todos expulsos,
o PIB despencaria", calcula
Guillermo de la Dehesa, presidente do Centro para Pesquisa
de Política Econômica, com sede em Londres, e autor de
"Comprender la Inmigración",
lançado durante o seminário.
Esses números indicam que
Crisp está certo também ao
prever que o fenômeno migratório vai crescer: "A menos que
as disparidades [de renda] sejam enfrentadas, as pessoas vão
continuar a fugir dos países
mais pobres e menos estáveis".
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