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INCÓGNITA ECONÔMICA
País pende entre recessão e alívio
Com o dólar como moeda de reserva global, EUA puderam usar heterodoxia para irrigar economia
Fernando Canzian, da Reportagem Local
S
ete entre cada dez
norte-americanos avaliam que
a economia dos Estados Unidos
vai de mal a pior. Mas essa percepção já foi mais azeda.
Há pouco mais de um mês,
80% achavam isso, segundo
pesquisas semanais do instituto Gallup. Já o percentual de
otimistas dobrou em 30 dias, de
4% para 8% dos entrevistados.
No "aniversário" de um ano
do estouro da chamada "bolha
imobiliária subprime", que teve o reflexo direto de apertar o
crédito às famílias norte-americanas, a economia dos EUA
continua em xeque. Longe de
superar o pior, apesar da melhora de humor no país.
Na raiz da crise estão empréstimos desenfreados e de
baixa qualidade no setor imobiliário, que provocaram rombos
gigantescos nos balanços e sistemas de crédito dos bancos.
Como reflexo da inadimplência dos mutuários e do medo de
novos calotes, o principal duto
que abastece o motor da economia dos EUA entupiu, secando
o crédito do sistema financeiro
ao consumo (responsável por
dois terços do PIB do país).
O período à frente é crucial
para definir se os EUA entrarão
em recessão, comprometendo
economias periféricas. Ou se
sairão dessa com a desenvoltura de recuperações anteriores
-a mais recente em 2000.
Para contornar a crise, nos
últimos meses o Fed (o banco
central americano) e o governo
de George W. Bush abusaram
da prerrogativa que só os EUA
têm na atual configuração econômica global -em que o dólar
norte-americano é sinônimo
de reserva de valor para dezenas de economias.
Há um ano, 91% das reservas
do Fed estavam investidas em
títulos do governo dos EUA, negócio considerado como um
dos mais seguros do mundo.
Com a crise, quase a metade
dessas reservas foi direcionada
ao sistema financeiro em troca
de garantias pouco confiáveis
dos bancos (os próprios empréstimos que seus clientes não
estão conseguindo pagar).
Foi uma das formas encontradas para tentar salvar o sistema, que o próprio Fed e o Tesouro dos EUA deixaram correr solto até a atual crise.
O Fed também vem mantendo os juros básicos no país em
2% ao ano. É um percentual
menor do que a inflação corrente. Isso leva os empréstimos
contraídos pelas famílias a ficar
mais baratos, aliviando o endividamento e procurando abrir
mais espaço para o consumo
-e o crescimento do PIB.
A última perna desse "tripé
de estímulos" deu-se com a ampliação de descontos nos impostos das famílias. Nos últimos seis meses, 66% delas receberam algum tipo de incentivo fiscal do governo.
Até aqui, continua sendo
uma grande incógnita se esses
estímulos, que podem ter chegado ao limite, serão suficientes para levantar de novo o país.
A o que parece, os EUA ainda
vêm se mostrando muito mais
resistentes do que outras economias avançadas à atual crise
de crédito, que se alastrou por
todo o mundo.
Enquanto o PIB da zona do
euro e o do Japão já embicaram
para baixo, os EUA cresceram
1,9% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo
período do ano passado.
O crescimento foi sustentado
por um salto de 20% nas exportações nos últimos 12 meses,
impulsionadas por um dólar
em baixa que deixa os produtos
do país mais baratos. Não fossem as exportações em alta, a
economia dos EUA teria se
contraído 0,5% no trimestre
passado.
O
cenário levou o
economista-chefe para os EUA
do Lehman Brothers, Ethan
Harris, a dizer que o país sofre
de "uma recessão em câmera
lenta". "Em uma recessão convencional, há um colapso. Ele
só pode, mais à frente, levar a
uma recuperação. Na conjuntura atual, falamos mais de uma
dor crônica, de longa duração, e
que dificilmente gerará mais
renda e emprego", diz.
Para Andrew Tilton, economista do Goldman Sachs, "há
claramente uma deterioração
no mercado de trabalho. E é
muito provável que ele continue nessa trajetória".
Os principais críticos da política econômica dos anos de
George W. Bush afirmam que
de pouco adiantarão os estímulos atuais, tendo em conta que
foi minada uma das bases fundamentais de qualquer economia: a renda. Sob Bush, argumentam, os EUA sofreram a
maior concentração de renda
na história recente.
O valor fixado pelo governo
federal para a remuneração mínima por hora de trabalho ficou
congelado entre 2000 e 2007,
quando houve um pequeno
reajuste. Em termos reais (descontada a inflação), a hora mínima paga caiu de US$ 4,70 em
2000 para menos de US$ 4,40
-uma queda de 6,5%.
Como resultado, em 2006
(último dado disponível), a renda média das famílias era 2%
menor do que em 2000. Isso
em um período em que o lucro
corporativo subiu 11% além da
inflação, e os ganhos do 1% de
americanos mais ricos, 95%.
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