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ESPECIAL
IMPÉRIO
No dia 2, ocorre uma das disputas presidenciais mais acirradas dos EUA
Eleição põe em jogo poder global de Bush
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
A eleição norte-americana de
2004 será uma das mais polarizadas, caras e importantes da história do país, além de um referendo
sobre um dos mais polêmicos
presidentes dos EUA, o republicano George W. Bush.
No próximo dia 2 de novembro,
os americanos vão julgar principalmente se estão mais seguros e
se pretendem dar seu aval a uma
das fases mais unilaterais da política externa americana.
Em menos de quatro anos, Bush
conseguiu romper alianças históricas e abalar, com a invasão do
Iraque, todo o arranjo internacional do pós-Segunda Guerra, espelhado na ONU, criada em 1945.
Se reeleito, afirmam especialistas, Bush ganhará um sinal verde
para aprofundar o que já é chamado de ""neo-imperialismo"
americano, com fortes motivações econômicas.
Uma vitória de seu adversário, o
democrata John Kerry, é tida como crucial para conter o ímpeto
desse novo unilateralismo.
Do ponto de vista interno, o
pleito vai decidir ainda pela continuidade ou não de uma das maiores guinadas conservadoras da
história recente, cujo produto é a
radical fratura ao meio entre republicanos e democratas.
Mas a clara divisão atual entre
conservadores e esquerdistas ("liberais" no jargão político do país)
nos EUA não tem a mesma intensidade no cerne do que foi a atual
campanha: a escolha do mais apto
para proteger uma nação abalada
e medrosa após o 11 de Setembro.
Com sua guerra internacional
ao terror e com o Iraque, Bush
conseguiu atrair seu adversário
democrata para um terreno em
que levou vantagem ao longo de
quase toda a campanha.
Erros na área econômica, o radicalismo à direita e um profundo
apego à religião, que poderiam
afastar Bush dos eleitores de centro, acabaram compensados, segundo pesquisas, pela ""sensação
de segurança" que os americanos
têm com o seu presidente.
Pela primeira vez em 30 anos, às
vésperas de uma eleição, os americanos estão mais preocupados
com a sua segurança do que com
os índices de desemprego no país.
Desde o 11 de Setembro, três
anos se passaram sem que nenhum atentado ocorresse em solo
americano. Nesse período, a
agenda do país foi dominada pelas guerras no Afeganistão e no
Iraque e por fortes medidas, reais
ou retóricas, que visaram tornar
os EUA um "lugar mais seguro".
Por trás da maior incursão dos
EUA no Oriente Médio e de uma
reorganização histórica de suas
tropas militares no mundo, especialistas vêem também claras intenções econômicas e hegemônicas do "império americano".
A retórica antiterror estaria acelerando o objetivo inicial de assegurar reservas de petróleo no
Oriente Médio e de outras matérias-primas, diante de uma concorrência crescente, principalmente de emergentes como China, Índia e, novamente, Rússia.
""A melhor maneira de entendermos o que ocorre hoje no Iraque e em outras parte do mundo é
olhar pelo prisma geopolítico",
afirma Michael Klare, membro do
Comitê Internacional de Estudos
sobre Segurança e autor de ""Rogue States" (Estados delinqüentes). ""Há uma verdadeira obsessão no governo Bush com a emergência de potenciais rivais."
O novo centro dessa competição, segundo Klare, é a chamada
Eurásia central e do sul, que engloba o Oriente Médio, onde estão dois terços das reservas de petróleo do mundo. A estratégia dos
EUA explicaria em boa medida o
desdém atual em relação a antigos
aliados em uma Europa estável,
como França e Alemanha, e a procura por novos amigos em países
como Polônia, Paquistão, Filipinas e Austrália (via Reino Unido).
Pesquisa de setembro mostrou
que 30 de 35 países consultados
preferem Kerry a Bush.
John Ikenberry, professor de
geopolítica da Universidade de
Georgetown, afirma que, além
das ambições materiais, os motivos ideológicos aprofundaram os
contornos dessa nova doutrina,
resumida na filosofia dos ataques
preventivos. ""Nessa visão neo-imperial, os EUA se arrogam o direito de definir valores, determinar as ameaças, usar a força e perseguir a "justiça'", diz Ikenberry.
O escopo ideológico do programa geopolítico em curso foi criado nos anos 90 pelo ""núcleo duro" que hoje comanda os EUA,
tendo à frente o vice-presidente,
Dick Cheney, e o vice-secretário
da Defesa, Paul Wolfowitz.
Traços desse conteúdo programático aparecem em versão
"amenizada", no site da Casa
Branca, no documento ""Estratégia de Segurança Nacional dos
EUA", de 2002.
Especialistas sustentam que um
aprofundamento da nova geopolítica americana acabará legitimado caso Bush seja reeleito. No caso de uma vitória de Kerry, espera-se uma redução de intensidade, mas dificilmente uma alteração de curso da mesma política.
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