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GUINADA À DIREITA
Ações que minam liberdades, como o Patriot Act, e distribuição de dinheiro público via igrejas são alguns dos saldos dos anos Bush
Neoconservadores atacam os direitos civis
DE NOVA YORK
AS MUDANÇAS OPERADAS na Casa Branca durante
quatro anos de influência da ideologia neoconservadora
não deixarão marcas apenas na política externa mas
também no front doméstico. O governo de George W.
Bush -no qual os chamados "neocons" ocupam postos
de conselheiros- afrontou os direitos civis e os relegou
a segundo plano, além de restringir a assistência social,
conforme apontam estudos independentes e analistas.
No campo dos direitos civis, o
ideário "neocon" produziu o seu
pior saldo, graças ao balizamento
das suas políticas pelos valores ultraconservadores e à adoção da
segurança nacional como prioridade inquestionável.
Em relatório preliminar divulgado neste mês, a Comissão sobre
Direitos Civis dos EUA concluiu
que "o atual governo fracassou
em exibir liderança ou definir um
foco claro" e "relegou os direitos
civis a um nível baixo de prioridade". Além disso, diz o texto, "as
declarações do governo freqüentemente diferem de suas ações".
Entre os pontos críticos ressaltados no documento estão o atraso de dois anos em uma reforma
do sistema eleitoral, a desigualdade na educação, a falta de incentivo às ações afirmativas, a falta de
políticas efetivas que beneficiem
os imigrantes e, principalmente, a
discriminação racial. "O governo
respondeu aos ataques terroristas
de 11 de setembro de 2001 instituindo regras que facilitam a discriminação, em vez de reduzi-la.
Imigrantes e visitantes de países
árabes ou do Oriente Médio são
objeto de revistas redobradas."
Sobre educação, o relatório faz
uma dura crítica ao programa-vitrine de Bush, o No Child Left Behind (nenhuma criança deixada
para trás), o qual "não fez o suficiente para cobrir a lacuna de
oportunidades entre as minorias
e os estudantes brancos".
Outra questão crucial no ataque
aos direitos civis nos EUA foi o
Patriot Act, uma lei aprovada
após o 11 de Setembro com o propalado objetivo de melhorar a segurança do país, mas que infringe
uma série de direitos civis. Segundo a Aclu (União Americana pelas Liberdades Civis), a lei suspende a fiscalização de ações policiais
e ameaça "os direitos e liberdades
que tentamos proteger".
Além disso, uma agenda baseada em valores morais ultraconservadores tem ditado as decisões
em questões como casamento gay
e aborto. Nesses casos, a palavra
final cabe aos Estados, mas o governo apóia emendas constitucionais, raríssimas nos EUA, que inviabilizariam as duas práticas.
No caso do casamento gay,
Bush quer que a Constituição inclua a definição de casamento como a "união entre um homem e
uma mulher". Segundo pesquisa
do Instituto Gallup, de julho, 48%
dos americanos são a favor da
emenda, e 46% são contra.
No caso do aborto, ativistas afirmam que o projeto de lei, que define a morte de gestantes como
duplo homicídio, abre caminho
para que mulheres que interrompem a gravidez sejam julgadas como assassinas. De acordo com
pesquisa do instituto Opinion
Dynamics, de abril, 44% dos americanos são a favor do direito ao
aborto, e 47% são contra.
Mais religião no Estado
Seguindo a cartilha "neocon",
dentro das fronteiras Bush se concentrou em uma política de corte
de impostos -que ajudou a alimentar um déficit fiscal recorde- e de enxugamento de gastos
no setor social, onde buscou repassar responsabilidades.
"Os "neocons" não gostam da
concentração de serviços sociais
nas mãos do Estado e ficam felizes
em estudar alternativas para
cumprir esses serviços", escreveu
Irving Kristol, que cunhou o termo "neoconservadorismo", em
artigo recente para o American
Enterprise Institute for Public Policy Research.
Sob Bush, neoconservadores se
aliaram à direita cristã. O resultado dessa confluência de ideários,
em termos de assistência social, é
a criação do Escritório de Iniciativas Comunitárias e Baseadas na
Fé tão logo ele assumiu a Presidência. "Quando observar uma
necessidade social, o governo federal vai buscar iniciativas baseados na fé e grupos comunitários
como parceiros", diz o programa
de governo do presidente, propondo estender o projeto.
Em 2003, o governo federal repassou US$ 1,1 bilhão do orçamento social para esses grupos, e
a idéia é aumentar o valor.
Entretanto, dizem os críticos, os
critérios usados por muitas instituições religiosas para escolher os
participantes de seus programas
podem excluir do sistema pessoas
cujo comportamento seja considerado inadequado pela instituição -como homossexuais, usuários de drogas e mães solteiras.
Também há o temor de que a assistência seja condicionada à conversão religiosa.
Outro princípio "neocon" aplicado pelo governo é o de que assistência social deve ser, em todos
os casos, compensada com trabalho. Essa visão aparece na reforma do sistema promovida em
1996, no governo do democrata
Bill Clinton, mas foi Bush quem
estendeu a exigência de serviço
comunitário de 30 para 40 horas.
Segundo Margy Waller, especialista do Instituto Brookings
que estuda as reformas no sistema
social, o movimento obrigou os
Estados a direcionarem parte da
verba antes usada em subsídios
ao transporte e creches para famílias de baixa renda.
"Se você tem de ter mais gente
participando de serviços comunitários por semana, há um custo
envolvido nisso. Você tem de
criar as atividades", disse Waller à
Folha. "Com isso, os Estados retiraram dinheiro de assistência -e
não há provas de que isso produza melhores resultados. Por outro
lado, há estudos mostrando que
investir em transporte e creches
ajuda as pessoas não só a conseguir empregos mas também a
manter esses empregos."
Bush, em seu programa de governo, diz que as mudanças implementadas desde 1996 fizeram o
número de pessoas inscritas em
programas de assistência cair
60% até 2003, algo descrito como
positivo. Também afirma que a
pobreza infantil é a mais baixa em
duas décadas.
Waller contesta a segunda informação e diz que a primeira não
representa necessariamente um
avanço. "Em alguns lugares, há
critérios muito arbitrários para
decidir quem é elegível para os
programas", afirma. Segundo a
especialista, hoje há duas vezes
mais gente elegível para os programas do que pessoas se beneficiando deles. No meio dos anos
90, a porcentagem de beneficiados era de 85% do total.
Waller cita mais dois problemas
na política social de Bush. O primeiro é não ajudar as pessoas na
busca de um emprego real. O outro é que a população de baixa
renda que está empregada fica excluída do sistema de benefícios.
Há duas semanas, um relatório
divulgado pelas fundações Annie
E. Casey, Ford e Rockefeller mostrou que 25% das famílias que trabalham nos EUA passam por dificuldades financeiras graves.
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