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Peta defende os animais com campanhas inusitadas
DAVID USBORNE
DO "THE INDEPENDENT"
Quando três pessoas não-convidadas invadiram a passarela de
um desfile da Victoria's Secret,
em Nova York, dez dias atrás,
atraíram todos os olhares de uma
platéia repleta de celebridades
que incluía o empresário Donald
Trump e a editora Tina Brown.
Dava para imaginar o que elas estavam pensando: "Meu Deus, são
aquelas pestes da Peta outra vez.
Será que não desistem nunca?".
Peta é uma sigla para Pessoas
pela Ética no Tratamento de Animais. Com façanhas como essa,
ela já se transformou num dos
movimentos de protesto mais eficazes no mundo. E também já fez
muitos inimigos que o acusam de
tudo, desde incentivo ao terrorismo até agir como seita.
Dirigida pela inglesa Ingrid
Newkirk e com sede em Norfolk,
Virginia (EUA), a organização
conseguiu praticamente sozinha,
com o trabalho que faz há vários
anos, transformar o ato de usar
uma roupa de pele num gesto de
bravura. Qualquer pessoa do
mundo da moda que tenha a menor ligação com o setor de pele vive sob a sombra do medo das bravatas da Peta. Quem duvida só
precisa perguntar a Anna Wintour, editora da "Vogue" americana, que teve um guaxinim morto jogado em sua sopa num elegante restaurante de Nova York.
O toque original da Peta, fundada há 22 anos, sempre consistiu
em chamar a atenção para sua
causa com um misto de travessuras, atos que provocam tumulto e
campanhas publicitárias que misturam humor e imagens chocantes. Não faz muito tempo, alguns
de seus membros tiraram a roupa
diante da Casa Branca e gritaram
"prefiro andar nu a usar peles". O
slogan virou um mantra da brigada que combate o uso de peles.
Newkirk, 52, calcula que já tenha sido presa quase 50 vezes por
suas atividades. Uma vez ela mesma subiu numa passarela em Nova York e atirou cédulas de dinheiro ensanguentadas sobre a
platéia. O gesto foi desagradável e
provocou muitas reações contrárias. Mas foi precisamente essa a
intenção.
A Peta, porém, não é um simples bando de agitadores que
agem de improviso. Com cerca de
700 mil integrantes e orçamento
anual superior a US$ 30 milhões
-gerado com arrecadações de
fundos, pagamento de taxas pelos
integrantes e vendas de camisetas
e produtos-, o escritório da organização em Norfolk ocupa quatro andares e emprega mais de
cem funcionários (nenhum dos
quais consome ou usa qualquer
espécie de produto animal; nada
de cintos de couro, nenhuma gota
de leite no chá e nada de hambúrguer de carne no almoço).
A organização já é atuante no
mundo inteiro. Tem escritórios
em Londres, Roma e Bombaim.
No mês passado, dois de seus integrantes tiraram a roupa num
shopping de Pequim e cobriram
sua genitália com faixas que diziam "compaixão é moda; peles
estão mortas". Os casacos de pele
que a Peta consegue tirar de seus
donos são distribuídos entre pobres e sem-teto pelo mundo afora.
Um carregamento de casacos de
visom e arminho foi enviado recentemente ao Afeganistão.
A organização diz que está engajada na causa de proteger animais de todos os atos de exploração humana desnecessária. Ela
aplica pressão implacável sobre as
grandes cadeias de lanchonetes e
conduz uma operação clandestina de espionagem na comunidade científica que realiza pesquisas
com animais, visando a expor
suas práticas de laboratório.
Célebre por cunhar frases de
efeito, Newkirk, que nasceu no
Reino Unido e passou sua infância na Índia, tendo se mudado para os Estados Unidos aos 18 anos,
certa vez chegou ao ponto de
comparar a criação comercial de
frangos ao Holocausto. "Seis milhões de pessoas morreram em
campos de concentração", ela disse numa entrevista. "Mas 6 bilhões de frangos morrem todos os
anos abatidos em matadouros."
Com as cadeias de fast food, a
Peta contabiliza alguns êxitos notáveis. Há dois anos, o grupo começou a entregar ""McLanches Infelizes" a transeuntes diante dos
restaurantes McDonald's nos
EUA. A versão criada pela Peta
para o lanche incluía brinquedos
de plástico recobertos de "sangue" e reproduções em cartolina
do "filho de Ron", que, num contraste marcante com o personagem Ronald McDonald, um palhaço alegre, era mostrado usando camisa ensanguentada e brandindo uma faca idem.
O McDonald's cedeu à pressão e
orientou seus fornecedores de
frango a pôr fim à prática de decepar os bicos das aves ainda vivas e
a dobrar o tamanho das gaiolas
em que os frangos são criados.
Pressionados pela Peta, tanto o
McDonald's quanto o Burger
King -ou "Murder King" (rei do
assassinato), como diz o grupo-
concordaram em fazer visitas aos
matadouros dos quais saem as
aves que utilizam em seus restaurantes, para garantir que sejam
respeitados padrões mínimos de
bem-estar dos animais.
Uma ameaça séria à Peta é um
movimento que visa a tirar do
grupo sua descrição de organização beneficente, que lhe garante
isenção de impostos. A iniciativa é
de adversários que afirmam que a
Peta favorece o terrorismo doméstico. A alegação se deve em
especial a um donativo de US$
1.500 feito pelo grupo à extremista
Frente de Libertação da Terra,
acusada por uma série de atos de
vandalismo que causaram prejuízos de milhões de dólares. A Peta
está longe de ser uma Al Qaeda.
Mas sua postura em relação a desobedecer a lei é menos definida.
Hoje em dia, porém, ninguém nos
EUA pode dar-se ao luxo de ter
seu nome associado a terrorismo.
Tradução de Clara Allain
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