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"GUERRA DAS PELES"
Venda dispara; compradora típica é a mulher de 30 e poucos anos que despreza o discurso da correção política
Sob protestos, roupas de pele voltam à moda
PAUL VALLELY
DO "THE INDEPENDENT"
Foi uma declaração de guerra,
na prática. Polêmico e combativo,
o estilista britânico John Galliano
ergueu uma placa enorme nos
bastidores do desfile da coleção
de moda inverno da Christian
Dior, neste ano. A placa exortava
suas modelos a "deixar as peles
esvoaçando". Em seguida, Galliano as enviou para a passarela de
Paris envoltas em blusões em estilo peruano, de cores pastéis e enfeitados com bolas de visom. Era
o início da "Guerra das Peles".
O ataque pegou o movimento
de defesa dos direitos dos animais
de surpresa. Nos últimos dez
anos, seus militantes já tinham se
acostumado a percorrer os corredores do mundo da moda sem serem desafiados. É verdade que os
estilistas tinham começado a usar
pele novamente. No campo de batalha, porém, os "antipeles" ainda
eram vistos como estando em posição moral superior; pareciam
ser inatingíveis pelos adeptos das
peles. De repente, os militantes se
viram sendo atacados.
Eles se reagruparam para o contra-ataque. A cantora Sophie
Ellis-Bextor, integrante da nova
geração de "antipeles", posou para um anúncio segurando uma
raposa esfolada ao lado do slogan:
"Eis o resto de seu casaco de pele".
Ela foi fotografada por Mary
McCartney, filha do ex-Beatle
Paul, vegetariana militante, em
prol do grupo ativista Peta (Pessoas pela Ética no Tratamento de
Animais).
Em seguida, ativistas do Peta invadiram a passarela de um desfile
da grife de lingerie Victoria's Secret, em Nova York, e cercaram a
modelo brasileira Gisele Bündchen. Gritaram slogans e brandiram cartazes insistindo que a pele
era ostentação vergonhosa. A modelo tem um contrato para estrelar uma campanha publicitária da
empresa americana de roupas de
pele Blackglama, pelo qual, ao que
consta, vai receber US$ 500 mil
mais dois casacos de visom preto.
Apesar da reação, o Peta e seus
partidários ainda se sentiam na
defensiva. As roupas de pele voltaram às passarelas da moda e estão sendo usadas outra vez por celebridades. Cerca de 400 estilistas
usaram pele em suas coleções
neste ano, contra apenas um décimo desse número há 15 anos. Hoje em dia, ser contrário ao uso de
peles é visto como ultrapassado.
Mais alarmante, para os ativistas, é a conversão às peles de estilistas da nova geração, tais como
Tristan Webber. Ele não apenas
mostrou nas passarelas babados
de visom finamente trabalhados
nas golas e mangas de seus casacos de noite, mas também afirmou: "As questões morais foram
resolvidas no final dos anos 80.
Para mim, pele não é diferente de
couro". De repente, estilistas que
se recusam a usar pele, como Stella McCartney, irmã de Mary, começam a ser vistas como hippies
antiquadas devido a sua recusa
em trabalhar com peles ou couro.
Celebridades como as atrizes
Jennifer Lopez e Halle Berry, a
cantora Posh Spice e a modelo Sophie Dahl andam aparecendo em
público cobertas de pele. Mesmo
muitas personalidades que já protestaram contra as peles, como
Madonna, Cindy Crawford e Kate
Moss, andam vestindo roupas de
visom e ostentando a nova incorreção política para quem quiser
ver. A revista ""Vogue" voltou a
dar destaque a roupas de pele, pela primeira vez em anos, e, no mês
passado, a revista de moda francesa "Numéro" publicou uma
edição baseada em pele.
As peles estão de volta também
ao mundo dos comuns mortais.
Cifras da Federação Internacional
do Comércio de Peles mostram
um aumento, no ano passado, de
7% nas vendas mundiais, que
chegaram a US$ 9,9 bilhões. Segundo a Associação Britânica do
Comércio de Peles, porém, as
vendas no Reino Unido aumentaram nada menos que 30% em
2000-2001. É uma retomada que
os militantes jamais imaginaram
que pudesse acontecer.
Batalha histórica
A batalha contra as peles tem sido longa. O símbolo histórico de
riqueza e status adquiriu peso renovado no século passado graças
a Hollywood, cujos fotógrafos
descobriram, nos anos 30, que
roupas de pele branca formam
uma moldura perfeita para o rosto feminino e lhe acrescentam um
ar de opulência. Na década seguinte, estolas, mangas e golas de
pele viraram o uniforme padrão
das candidatas a grandes estrelas.
Nos anos 50, as peles já eram vistas como decadentes.
A campanha de combate às peles começou nos anos 70 e 80. Um
grupo de pressão chamado Lynx
(lince) começou a divulgar anúncios como um que mostrava uma
bela modelo loira usando um casaco de pele de raposa branco e
arrastando atrás de si o corpo ensanguentado do animal. Piquetes
começaram a ser formados todo
sábado diante das lojas de peles
do West End londrino.
Cartas ameaçadoras eram enviadas aos endereços de funcionários e clientes das lojas. No início
dos anos 80, a organização Greenpeace encomendou a David Bailey um famoso anúncio veiculado
em cinemas com o slogan: "São
necessários mais de cem animais
burros para se fazer um casaco de
pele, mas apenas um para usá-lo".
Parecia que a campanha estava
funcionando. As vendas britânicas de peles caíram de US$ 125
milhões em 1984 para apenas US$
17 milhões no primeiro semestre
de 1989. Nos anos 80, cerca de
90% das lojas britânicas de roupas
de pele fecharam suas portas.
Grandes lojas como Selfridges,
Harvey Nichols e Harrods fecharam seus departamentos de pele
por causa da queda nas vendas e
dos constantes ataques de sabotagem (geralmente com chicletes).
Em 1994, o Peta lançou seu pôster "Prefiro andar nua do que usar
peles", com cinco supermodelos
-Naomi Campbell, Christy Turlington, Claudia Schiffer, Cindy
Crawford e Elle Macpherson-
fazendo exatamente isso (hoje,
apenas Turlington e Macpherson
continuam firmes na recusa em
usar pele). Mesmo os desastrosos
ataques a granjas de criação de visons por manifestantes em defesa
dos direitos de animais -em que
milhares de animais foram soltos
de suas jaulas e libertos nos campos, onde acabaram por colocar
em risco de extinção as populações de rato-almiscarado, lontra e
furão-bravo- não pareceram
prejudicar a cruzada.
Em 2000, grupos de combate ao
uso de peles conseguiram convencer o governo britânico a declarar ilegal a criação de visons.
Apesar de a rainha, num gesto de
irreverência, ter comparecido à
abertura oficial do Parlamento
para anunciar a nova lei vestindo
um belíssimo casaco de peles, a lei
foi aprovada. A criação de animais para aproveitamento de
suas peles passa a ser ilegal a partir do final do próximo mês. Cerca
de 13 fazendas de criação de visons e raposas foram fechadas, e
tudo o que resta a ser feito por
seus proprietários é brigar para
serem indenizados.
Apesar de tudo isso, alguns observadores começam a dizer que
o piso histórico da produção de
peles, em 1994, não foi consequência da cruzada antipeles, mas
um reflexo da recessão mundial
do fim dos anos 80, e que a produção atual, que já está em mais de
31 milhões de unidades (contra
20,4 milhões em 1993), se aproxima pouco a pouco do pico histórico -42 milhões, em 1988.
Se isso for verdade, muitos envolvidos na questão atribuem a
reviravolta a uma única empresa,
a Saga Furs, maior produtora de
peles da Europa. O continente europeu produz e consome 85% das
roupas de pele compradas em todo o mundo. A Saga, uma enorme
coalizão de produtores de pele escandinavos, produz 65% do visom do mundo e 70% das roupas
de pele de raposa. Em 1988 a empresa abriu um centro perto de
Copenhague onde seus pesquisadores trabalham constantemente
para criar novas maneiras de usar
pele -tingindo-a, aplicando laser
a ela, tecendo os fios para formar
linha, formando misturas com lã,
listras e todas as cores possíveis e
imagináveis.
Geração fashion
Hoje, combater a indústria de
peles não quer dizer lutar contra a
velha guarda de ricos, conservadores, enrugados e ignorantes
usuários de casacos longos de visom. Significa combater uma geração jovem que é fashion, colorida e bem informada. Uma criadora de modas como Katie Grand,
editora da revista de moda "Pop",
usa seu novo casaco de visom para ir ao trabalho sem sentir vergonha. Grand, cujo pai é cientista,
explica: "Desde criança acostumei-me à idéia de que ele [o pai]
faz experiências com animais. Isso nunca me incomodou".
A compradora típica de uma
roupa de pele hoje é uma mulher
de 30 e poucos anos, de renda média, que compra protetores de ouvido de pele de coelho da Chanel
ou um casaco da Zara com gola de
pele de coiote por menos de US$
150. E, em lugar de estar desafiando o velho establishment, ela demonstra que não dá a mínima para o novo establishment marcado
pela correção política liberal, verde e de esquerda. Peso na consciência por estar usando pele é algo tão fora de moda quanto xales
de pashmina (pêlos de cabras do
Tibete). O único consolo que resta
ao lobby dos "antipeles" é a esperança de que, já que a moda é por
definição volátil e mutante, não
demore muito para as roupas de
pele serem mais uma vez vistas
como inaceitáveis.
Tradução de Clara Allain
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