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Na continuação de sua entrevista, Arafat invoca o herói da independência dos EUA para justificar a Intifada
"Washington também resistiu à ocupação"
Leia a Continuação da
entrevista com o presidente da
Autoridade Nacional Palestina,
Iasser Arafat.
(OTÁVIO DIAS)
Pergunta - A população palestina
está sofrendo como nunca...
Arafat - Apenas nas últimas 36
horas, 14 palestinos morreram e
dezenas ficaram feridos no norte
da faixa de Gaza, e os campos onde plantávamos nossas flores
mais bonitas foram destruídos.
Os israelenses estão reocupando
Belém. Quando ocorreram os
problemas na Igreja da Natividade, em 2002, a União Européia
mediou um acordo segundo o
qual os palestinos que haviam se
refugiado na igreja foram enviados parte para Gaza e parte para a
Europa, onde estão até hoje. Israel
se comprometeu a sair de Belém.
Desde então, a situação está calma
na cidade, mas há dez dias o Exército israelense a invadiu novamente.
E o muro de separação? Quando
deveríamos construir pontes, Israel levanta muros. O muro confiscou 58% das nossas terras, destruiu nossos campos mais férteis,
e 64% das nossas oliveiras, muitas
do tempo dos romanos, foram arrancadas da terra. O "Muro de
Berlim" em Jerusalém cortou a estrada histórica entre a Igreja da
Natividade, em Belém, e o Santo
Sepulcro, em Jerusalém, apesar
dos protestos de todos os patriarcas cristãos. Eles pediram que ao
menos houvesse uma porta, mas
Israel recusou.
Qual é o significado disso? Na
última Sexta-Feira Santa, os cristãos palestinos foram impedidos
de rezar em Jerusalém. E impedem a nossa população de rezar
na Esplanada das Mesquitas, em
Jerusalém, e na mesquita de
Abraão, em Hebron. E tem mais.
A mais antiga igreja do mundo, situada numa vila aqui perto, em
Aboud, foi completamente destruída para a construção do muro. Por quê? Quem pode aceitar
isso? A paz que queremos na Terra Santa não é apenas para nós,
mas para todos. Esta é a Terra
Santa, que pertence a várias religiões.
Pergunta - Israel, com apoio dos
EUA, afirma que o processo de paz
está paralisado porque o sr. e a Autoridade Nacional Palestina não fazem o que devem fazer para impedir o terrorismo. O que o sr. tem feito diante dessa acusação?
Arafat - Vocês estão esquecendo
a ocupação? O que fez George
Washington [primeiro presidente
dos EUA e herói da independência do país] contra a ocupação
britânica? Os americanos não resistiram ao domínio britânico?
Quem pode aceitar uma ocupação? Nós aceitamos ficar com
apenas 22% da Palestina histórica, o resto fica com Israel. Mesmo
isso eles não aceitam? Acham que
poderão ter paz ocupando tudo?
Definitivamente não.
Pergunta - Israel exige que o sr.
prove, com ações, que não apóia o
terrorismo.
Arafat - Quem criou o Hamas?
Foi Israel. Para competir com a
OLP [Organização para a Libertação da Palestina]. Isso já foi declarado pelo outro lado. Peçam a eles
que apresentem uma prova de
que estou junto com os terroristas. Quantas vezes nós impedimos ataques terroristas? Ontem,
impedimos dois atentados; hoje,
mais um. Israel tem informações
sobre isso. E é exatamente por isso que queremos a presença de
uma força da ONU ou pelo menos
de observadores internacionais.
Pergunta - O argumento dos grupos extremistas palestinos para
realizar atentados contra civis em
Israel é que os israelenses têm de
sentir na pele o sofrimento dos palestinos. É um argumento válido?
Arafat - Nós somos completamente contra atentados e temos
impedido muitos ataques. Mas
não podemos esquecer que, assim
como nós temos grupos fanáticos,
eles também têm grupos fanáticos. Os fanáticos estão por toda
parte. Nos EUA, não há grupos fanáticos? Na Europa, não há grupos fanáticos? Na América Latina,
não há grupos fanáticos? Na Ásia,
não há grupos fanáticos? Nos países árabes, não há grupos fanáticos? A única coisa que pode fazer
com que a população palestina
nos siga é a paz. É importante
lembrar que a melhor celebração
do ano 2000 em todo o mundo
aconteceu em Belém, quando 28
presidentes e chefes de Estado estiveram presentes. Bill Clinton e
Hillary acenderam as luzes da árvore da Igreja da Natividade. Tenho muito orgulho do que consegui obter nessa celebração: a primeira reunião das 13 igrejas, algo
que nunca havia acontecido. Foi
histórico. E por que foi possível
fazer isso? Porque a paz estava
sendo construída nesta terra, e ela
é muito importante para o mundo, historicamente e do ponto de
vista religioso.
Pergunta - A Intifada foi prejudicial para a causa palestina?
Arafat - Não podemos esquecer:
a Intifada começou após Barak
[na época premiê] ter permitido
que Sharon [então líder da oposição] visitasse a Esplanada das
Mesquitas [em setembro de
2000]. Quando foi anunciado que
a visita aconteceria, fui à casa de
Barak, acompanhado de Saeb
Erekat e Abu Mazen [dois importantes líderes palestinos], e implorei a ele para que não desse a Sharon a chance de visitar a mesquita.
Barak não disse sim nem não.
Após 36 horas, Sharon estava lá.
Os palestinos se rebelaram e, nas
horas que se seguiram, os israelenses mataram 34 pessoas e mais
de 80 ficaram feridas. O que vocês
esperam dos palestinos? Que fiquem em silêncio e suportem a
ocupação calados, dia após dia?
Pergunta - A retirada unilateral
de Israel de Gaza pode ajudar o
processo de paz?
Arafat - Se for parte do plano de
paz, nós aceitamos. Mas se for como Sharon anunciou assim que
voltou dos EUA, há cerca de dez
dias, não podemos aceitar. Ele
disse claramente que Israel controlará as entradas para Gaza nas
fronteiras com o Egito e Israel, o
espaço aéreo e marítimo. Tentamos reconstruir nosso porto, com
a ajuda da União Européia, e o
nosso aeroporto, ambos completamente destruídos por Israel. Temos direito a ter um porto e um
aeroporto. E a controlar nossas
fronteiras. Quem pode aceitar a
retirada nessas condições?
Pergunta - Seu isolamento na
Mukata comprometeu sua saúde?
Arafat - Definitivamente. Não
tomo sol há mais de dois anos, você imagina o que é isso? Mas continuo trabalhando, como sempre
fiz. Em cada cidade palestina importante, há uma Mukata. Elas
serviam de sede do protetorado
inglês e foram destruídas por Israel. A minha casa particular foi
totalmente destruída; minha mulher e minha filha estão no exterior. Mas o que acontece comigo
acontece com todos os palestinos.
Estudantes e professores não conseguem ir à escola, médicos e pacientes não chegam aos hospitais,
camponeses não têm acesso às
suas terras. Sou prisioneiro como
qualquer outro palestino.
Pergunta - Como o sr. avalia a posição do Brasil diante do processo
de paz e da causa palestina?
Arafat - Desde o início, os governantes do Brasil, assim como os
brasileiros, nos têm apoiado. Fiz
uma breve visita ao Brasil há alguns anos [durante o governo
Fernando Henrique Cardoso] e
não posso esquecer como fui recebido. O Brasil atualmente não
representa apenas os brasileiros e
os latino-americanos no Conselho de Segurança da ONU, mas
também os palestinos.
Pergunta - O sr. é acusado de ter
perdido a melhor oportunidade de
paz em Camp David, em 2000. Por
que o sr. não assinou o acordo?
Arafat - Durante os últimos três
dias da cúpula, Barak se isolou em
sua vila e se recusou a encontrar
qualquer pessoa de fora, mesmo
de sua delegação. Nós estávamos
discutindo os pontos mais sérios,
como Jerusalém, o retorno dos refugiados, mas não chegamos a
um acordo final. Mas seguimos
tentando. Por isso, houve Sharm
el Sheikh e Paris. E, em seguida, o
relatório Mitchell e os entendimentos com George Tenet. Por
que nenhum desses acordos posteriores foram implementados?
Mesmo após Camp David, sempre continuamos a buscar a paz.
Pergunta - Os EUA acusam o sr. de
não ser um parceiro para a paz.
Com o apoio oferecido por Bush a
Sharon em questões importantes
como a negação do direito de retorno dos refugiados palestinos e a
permanência de colônias em território palestino, os EUA deixaram
de ser um parceiro para a paz?
Arafat - Não. Onde eu assinei os
acordos de Oslo? Não posso esquecer que o presidente George
Bush, pai do atual presidente, deu
início à Conferência de Madri
[1991] para a paz não apenas entre
palestinos e israelenses, mas para
todo o Oriente Médio. Até hoje, o
presidente Clinton atende meus
telefonemas. Nunca deixou de
conversar comigo. Qual é a diferença entre agora e ontem? Continuamos a buscar apoio internacional à causa palestina. Nos próximos meses, os papéis da Europa
e da Rússia serão muito importantes porque este ano é de eleições nos EUA. Eles precisarão trabalhar com força e rapidamente
para salvar a paz. Nós continuamos comprometidos com a paz
que assinamos na Casa Branca.
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