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PORTUGAL
Em meio à euforia, jovens que derrubaram a ditadura na última potência colonial européia foram comemorar nos bares
"Festa" da Revolução dos Cravos faz 30 anos
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
A "Revolução dos Cravos" foi,
sim, uma revolução, mas foi acima de tudo uma grande festa, de
dar tanta inveja aos brasileiros
que se opunham ao regime militar da época, que estes recuperaram canção em que Chico Buarque de Hollanda sonhava com
um Brasil que fosse "um imenso
Portugal".
Que houve uma revolução, ninguém hoje duvida. Basta um número, talvez o mais importante
indicador social, para prová-lo:
em 1974, quando a canção "Grandola, Vila Morena" deu o sinal para começar o movimento militar,
na madrugada de 25 de abril, 37,9
de cada mil crianças portuguesas
morriam antes de completar cinco anos. Hoje, são apenas cinco
por mil.
Falar da festa é mais difícil. Não
havia, de fato, muito tempo para
festas para a multidão de espiões
que acampou em Lisboa após o 25
de abril. Como é que um pequeno
país, hoje com 10 milhões de habitantes, então isolado do mundo e
sempre periférico, pôde causar
tanto ruído?
Guerra Fria
É só voltar ao contexto da época.
Em meados dos anos 70, pela primeira vez (seria a última) parecia
que o comunismo tinha chances
de ganhar a Guerra Fria contra o
capitalismo.
Os Estados Unidos estavam
perdendo a Guerra do Vietnã, a
primeira derrota militar de toda
sua história. Tinha-se à época como certo que, caindo o Vietnã, logo todo o Sudeste asiático se cobriria de vermelho (de fato, logo
depois o Laos e o Camboja caíram
em mãos de governos comunistas, mas foi só).
Com a revolução em Portugal,
haveria inexoravelmente a descolonização na África e, em conseqüência, o poder iria para movimentos guerrilheiros de orientação marxista-leninista.
E foi, na Guiné-Bissau, em Moçambique, em Cabo Verde, em
São Tomé e Príncipe e em Angola,
para seguir a ordem cronológica
da independência (Timor Leste
também ficou independente na
mesma época, mas foi logo depois
ocupado pela Indonésia).
Na própria Europa Ocidental, a
linha de frente da Guerra Fria, a
ascensão ao poder de militares em
boa parte de esquerda em Portugal, mais a perspectiva de que o
Partido Comunista Italiano ganhasse em breve as eleições introduziria uma espécie de cavalo de
Tróia na Otan (Organização do
Tratado do Atlântico Norte, a
aliança militar anticomunista).
Era natural, nesse cenário, que
os espiões se acotovelassem em
Lisboa para tentar antecipar os
movimentos dos jovens capitães
revolucionários.
Não tinham muito trabalho. A
festa em que se transformou a revolução fazia com que os mais jovens e mais afoitos fossem para as
casas noturnas de Lisboa a bordo
de suas "chaimites", os carros de
combate, que deixavam estacionados bem à porta dos estabelecimentos.
Era fácil saber, portanto, onde
estavam, como era fácil obter
confidências depois da segunda
ou terceira dose de uísque.
Pecado burguês de jovens revolucionários? Talvez. Mas era apenas a conseqüência lógica de o 25
de abril ter "destapado a panela
de pressão", como analisa hoje o
ex-deputado comunista Carlos
Brito.
Portugal era uma rara ditadura
na Europa Ocidental, e uma ditadura já obsoleta, velha de 42 anos.
Portugal era a última potência colonial remanescente na Europa.
No ano da revolução, 150 mil soldados participavam das guerras
na África, 8.803 dos quais voltaram mortos e 15 mil feridos, para
citar os números apenas do ano
de 1974.
Portugal era um país inteiramente vestido de cinza e negro, de
censura à mídia e aos espetáculos,
de divórcio proibido, de polícia
política.
"3D contra 3F"
Não por acaso um dos mil cânticos revolucionários de 1974 era o
"3D contra 3F", "democracia,
descolonização e desenvolvimento" contra "fado, Fátima e futebol", sendo Fátima um dos centros de peregrinação religiosa
mais famosos do mundo.
Era natural, nesse ambiente,
que a festa não raro predominasse
sobre a revolução.
Quando Vasco Gonçalves, o coronel mais próximo dos comunistas, tornou-se primeiro-ministro,
os anarquistas pintaram os muros
do hospício de Lisboa com a frase:
"Vasco, volte para casa" (os inimigos diziam que o premiê era
desequilibrado).
A limpeza pública caiou o muro, mas, no dia seguinte, o "a"
dentro de um círculo dos anarquistas assinava outra frase: "Vasco, ao menos venha para consultas".
Outra vez o muro foi pintado,
outra vez voltaram os anarquistas: "Vasco, pelo amor de Deus tome os remédios".
A fase anárquica da revolução
terminou quando Vasco Gonçalves caiu em 1975, ano e meio depois que os cravos vermelhos,
símbolo da revolução, enfeitaram
o país de ponta a ponta.
Portugal já não tinha mais colônias, o divórcio havia sido legalizado, a polícia política havia sido
dissolvida, e até a primeira eleição
livre em praticamente 50 anos se
realizou (em abril de 75) para escolher os delegados a uma Assembléia Constituinte.
Hoje, 30 anos depois, os 3D convivem com os 3F harmonicamente: Portugal é uma democracia, a
descolonização foi feita, o país se
desenvolveu (os portugueses são
hoje duas vezes mais ricos), mas
Fátima continua sendo assiduamente freqüentada, o fado continua tocando e o futebol continua
tão importante que, em junho,
Portugal será a sede da Eurocopa,
o torneio de seleções européias
-neste abril, os cartazes promovendo a festa esportiva superam
de muito longe as evocações aos
cravos vermelhos do 25 de abril
de 1974.
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