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Camelôs cruzam Atlântico para comprar em SP
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Há seis anos, Maria de Lurdes
Santos, 36, casada e mãe de dois
filhos, e a amiga Fernanda Évora,
40, vêm a São Paulo duas vezes
por ano. Elas compram roupas,
calçados e produtos para cabelo
em lojas populares do Brás e da
José Paulino para revender em
seu país, Cabo Verde.
O exercício dessa profissão de
camelô internacional, lá chamada
de "rabidantes" (de uma das variantes do dialeto crioulo), também exige que as centenas de patrícios se atualizem para se dar
bem no concorrido negócio.
As telenovelas são o termômetro. São elas que ditam quais produtos a serem comprados. "Tenho de levar roupas de surfista,
bermudas, jeans, camisetas, calcinhas. Se comprar calcinhas noutro país, os consumidores não
compram, eles exigem que sejam
"made in Brazil'", ressalta Lurdes.
Nascida numa família de comerciantes, ela fez da travessia do
Atlântico rumo ao Brasil não uma
aventura, mas sim sua rota em
busca do sustento de sua família e
a garantia de seu posto de trabalho. "Antes comprava de outros
para revender, depois decidi vir
eu mesma buscar produtos aqui
no Brasil", conta.
A concorrência de comerciantes orientais e o crescente aumento de pessoas se dedicando a esse
ramo têm aumentado o tempo
necessário para vender os produtos. Lurdes, que em média vai carregada com cerca de 150 kg, vendia tudo em apenas um mês. Agora ela precisa de três meses para
conseguir comercializar toda a
mercadoria.
Os "rabidantes" são atraídos ao
Brasil pela qualidade dos produtos para os jovens. Também outros fatores determinantes são os
preços baixos, as promoções e a
desvalorização do real, que lhes
permitem comprar mais pagando
menos.
Para Lurdes, o Brasil é um país
muito bom, e ela viveria aqui sem
problema porque se sente totalmente em casa. O país também
para ela é uma escola de vida. "Faço muitas amizades, aprendo a lidar com a moda e a atender meus
clientes." "Aqui o atendimento é
excelente", completa.
Esse setor, que há mais de 15
anos vêm mantendo as relações
comerciais entre os dois países,
reclama que não recebe nenhum
tipo de apoio das autoridades. "É
cada um por si", desabafa Lurdes.
A ausência de uma associação
que os represente também tem
prejudicado muito esses comerciantes. A cada viagem, eles gastam em torno de US$ 20 mil, entre
passagens, estadia, compras, taxas de excesso de bagagem e impostos aduaneiros.
Lurdes afirma que o Brasil é tudo para ela. Não ganha para ficar
rica, mas vai conseguindo o necessário para a subsistência.
"Se não tivesse essa oportunidade, seria mais uma desempregada", afirma.
A afinidade cultural e a língua
comum facilitam a integração,
acrescenta ela. Diz nunca ter sido
discriminada, mas conta que, antes da vir para cá pela primeira
vez, tinha muito medo e achava
São Paulo muito violenta, influenciada pelas imagens que o "Cidade Alerta", noticiário da TV Record, leva diariamente aos lares
cabo-verdianos.
"Chegando aqui, vi que não era
bem assim. Dá para circular tranqüilamente pelas ruas, fazer minhas compras." Ela também fica
espantada pelo fato de as pessoas
colocarem suas bancas de venda
na rua e ninguém mexer. "Em Cabo Verde não arrisco fazer isso",
diz Lurdes.
Outra questão que a impressiona é a disposição dos brasileiros,
que trabalham duro, contrastando com a fama que têm em Cabo
Verde -a de que não gostam de
trabalhar.
(MF)
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