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AMÉRICA LATINA
Líder nas pesquisas, a presidenciável esquerdista Elisa Carrió diz ser perseguida como o candidato petista
Candidata argentina se compara a Lula
"Clarin" - 27.dez.2001
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Elisa Carrió, candidata à Presidência da Argentina que lidera as pesquisas de intenção de voto |
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Há meses na liderança das pesquisas de intenção de voto para a
Presidência da Argentina, a deputada Elisa Carrió, 45, credita o recente avanço do peronista Adolfo
Rodríguez Saá (presidente por
uma semana no fim do ano passado) aos ataques que vem sofrendo
e se compara ao candidato do PT
à Presidência do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
"O atual regime fez comigo algo
muito parecido ao que aconteceu
com Lula no Brasil. Ou seja, o Estado me colocou como inimiga e
me castigou muito duramente",
disse ela na sexta-feira à tarde em
entrevista à Folha, por telefone,
de Buenos Aires.
Apesar disso, ela disse confiar
numa vitória nas eleições de março e afirmou que promoverá uma
devassa para investigar os responsáveis pela atual crise.
Num país no qual os políticos
têm sido alvo de agressões nas
ruas, tal o grau de insatisfação
provocado pela pior crise econômica de sua história, Carrió aparece como exceção, graças ao seu
discurso de combate à corrupção
e à tentativa de se desvincular da
imagem dos políticos tradicionais
-apesar de ter feito carreira na
tradicional UCR (União Cívica
Radical, partido do ex-presidente
Fernando de la Rúa), antes de
criar, no ano passado, o seu próprio partido, ARI (Alternativa por
uma República de Iguais).
Seu principal feito foi presidir a
comissão parlamentar que investigou crimes de lavagem de dinheiro, no ano passado, que disparou acusações contra diversas
figuras de destaque da política do
país -com destaque para o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), classificado por ela como
"o chefe da máfia". Leia a seguir
trechos da entrevista:
Folha - Qual a solução para a crise
política e econômica argentina?
Elisa Carrió - A primeira solução
é resolver a crise institucional. Para enfrentar o problema da fome e
da pobreza e reconstruir as instituições econômicas, é necessário
ter instituições legítimas.
Folha - Então a falta de confiança
dos argentinos nos políticos é um
obstáculo para a solução da crise?
Carrió - Na realidade, o saque da
nação produzido por parte de
seus dirigentes econômicos e políticos é a causa da crise de confiança e institucional que vive o
país. Aqueles que saquearam não
podem ser aqueles que vão reconstruir.
Folha - E essa crise de confiança
também não a atinge? A sra. construiu sua carreia política num partido tradicional como a UCR...
Carrió - Tenho sete anos de exercício da política. Quatro anos
num partido tradicional e três
anos brigando dentro do partido
para mudar as práticas.
Folha - Então a sra. não se considera uma política tradicional?
Carrió - Nunca houve uma votação no Congresso na qual eu votasse contra os interesses da nação. E isso me custou o afastamento do meu partido. Não tive
compromisso com nenhum dos
fatos que levaram o país à ruína.
Ao contrário. Fui eu quem os investigou e os denunciou. Fazendo
oposição ao meu próprio partido,
que era governo.
Folha - Sua candidatura perdeu
apoio, segundo as últimas pesquisas. A que a sra. credita isso?
Carrió - Tem a ver com o avanço
do autoritarismo. O atual regime
fez comigo algo muito parecido
ao que aconteceu com Lula no
Brasil. Ou seja, o Estado me colocou como inimiga e me castigou
muito duramente. Ao mesmo
tempo, houve avanço autoritário,
com repressão e mortes.
Na verdade, eu não caí nas pesquisas, estou estagnada. Minha
candidatura perdeu só dois pontos. Eu estanquei, e a candidatura
de Rodríguez Saá cresceu.
Mas vamos ganhar. Essa é uma
briga, mais do que uma corrida
presidencial. É uma briga contra o
atual regime. E nós estamos à
frente dessa batalha, que tem
avanços e retrocessos. Neste momento, estamos no refluxo do regime, que foi autoritário ao querer estabelecer suas condições.
Mas, ao final de setembro, o quadro vai estar mais claro, vamos estar à frente nas pesquisas.
Folha - Seus opositores dizem
que a sra. construiu uma imagem
de inimiga da corrupção, mas que
não tem propostas concretas para
a recuperação econômica do país.
Quais são suas propostas?
Carrió - Em primeiro lugar, um
sistema de redistribuição de renda muito claro, com subsídios de
cidadania para a infância e combate à fome e à pobreza. São 60
pesos (R$ 52) por criança, dados
às mães, num programa semelhante ao que há no Brasil, com a
Bolsa-Escola, desenvolvido pelo
PT. Em segundo lugar, queremos
um claro desenvolvimento da pequena e da média empresa, uma
reforma agrária na Argentina e
uma reforma tributária.
Na realidade, o único programa
apresentado até agora foi o nosso,
A verdade é que nossos adversários não podem reconhecer que
nós temos um programa econômico. Porque, se reconhecerem
que eu, adversária do regime financeiro que saqueou a Argentina, tenho um programa, eles me
entregarão a Presidência.
Folha - No ano passado, a sra. declarou ser contra o pagamento da
dívida externa e sugeriu o rompimento com o FMI. A sra. segue com
essas propostas?
Carrió - Eu nunca defendi isso. O
que denunciamos foi a grande
fraude financeira que significou a
megatroca [de títulos da dívida
pública, promovido pelo então
ministro da Economia, Domingo
Cavallo, no ano passado".
Nós nos retiramos do Parlamento quando Adolfo Rodríguez
Saá foi eleito presidente, por falta
de idoneidade moral do candidato. Então não estávamos lá naquele momento, quando se declarou
a moratória.
Acreditamos que a Argentina
tenha de ter uma saída econômica
independente, com uma relação
difícil com o FMI, mas que temos
de manter.
Nossa idéia não é festejar nenhuma moratória. Propomos
uma negociação direta, com redução da dívida. Não estamos dizendo que não vamos pagar nada.
Vamos para uma negociação justa e questionamos a parte da dívida que foi resultado de fraude financeira.
Folha - Seu eventual governo
promoverá algum tipo de "operação mãos limpas"?
Carrió - Se nós ganharmos, o
processo de investigação que começamos neste país vai continuar. A impunidade vai acabar e
muitos vão terminar em Devoto
[unidade penitenciária em Buenos Aires".
Folha - Na comissão parlamentar
de investigação de lavagem de dinheiro que a sra. presidiu, houve
muitas acusações contra personagens importantes, mas a sra. foi
acusada de utilizar documentos
falsos, como numa denúncia de
uma suposta conta de Domingo Cavallo no exterior.
Carrió - Nós dissemos que tínhamos documentos que poderiam
ser parte de uma operação de
contra-inteligência e apresentamos à Justiça para que investigassem. Dissemos que os documentos sugeriam que Menem e Ramón Hernández [seu ex-secretário particular" teriam contas na
Suíça, o que finalmente ficou
comprovado. E a Justiça segue investigando os bens de Cavallo. Eu
acho que isso fez parte de uma dupla operação de inteligência. Entregamos à Justiça para que investigasse sua veracidade.
Hoje, já há provas de que alguns
fatos, talvez não exatamente como estão nos documentos, estão
certos. A conta de Menem é certa,
a conta de Ramón Hernández é
certa. Com outros números, mas
no mesmo lugar.
Folha - As denúncias feitas pela
comissão não tiveram muitas consequências em termos de processos ou prisões. Por quê?
Carrió - O que conseguimos com
a comissão, depois de um ano, foi
que houvesse dez banqueiros
processados, três presos e dois
com captura internacional. Ainda
falta, mas, para um ano de investigação, é muito.
Folha - E os políticos mais graduados que foram acusados?
Carrió - Estão todos sendo investigados. Ainda não há presos, mas
estão sendo investigados. Menem
já foi convocado à Justiça por causa das contas na Suíça. Tudo vai
ser revelado num prazo de 60 dias
a um ano.
Folha - A sra. acredita no fim da
impunidade?
Carrió - Se eu for presidente, a
impunidade vai acabar.
Folha - E se não for?
Carrió - Vamos seguir lutando.
De todas as maneiras, estamos
construindo a vitória.
Folha - A sra. se identifica com algum político ou algum partido no
Brasil?
Carrió - Há muita gente no meu
partido que tem vínculos de muito tempo com o Partido dos Trabalhadores. Temos muitos deputados que pertencem a centrais de
trabalhadores argentinas e que
têm vínculos com o PT.
Folha - E a sra. tem alguma preferência em relação aos candidatos
presidenciais brasileiros? A eleição
de um ou de outro influenciaria na
relação entre os dois países no caso
de a sra. ser eleita?
Carrió - Reconhecerei a política
externa do Brasil seja quem for o
presidente. Admiro a política do
Itamaraty para defender a dignidade e a soberania do Brasil. É um
país que mantém as bandeiras do
continente com dignidade.
Folha - Quais os seus planos em
relação ao Mercosul e à Alca?
Carrió - Apostamos no Mercosul
para uma nova democracia e uma
nova prosperidade para a América Latina. Acredito que todas as
relações tenham de ser baseadas a
partir de uma relação estratégica
no Cone Sul. Se eu for presidente,
a Argentina não vai seguir sendo
usada pelos EUA na América Latina para romper com o Mercosul
ou para formar a Alca.
Folha - A sra. vê alguma semelhança entre a crise pela qual passa
o Brasil e a crise que levou a Argentina à atual situação?
Carrió - Há diferenças importantes. O Brasil é um país com indústrias, com desenvolvimento econômico importante. A Argentina
foi uma bolha financeira. O Brasil
tem uma política industrial, a Argentina carece de uma.
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