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EUA estimulam a heróica história dos passageiros de um dos aviões do 11
de setembro, mas as lacunas dessa versão inspiram teorias menos gloriosas
O mistério do vôo 93
JOHN CARLIN
DO "THE INDEPENDENT",
EM SHANKSVILLE, PENSILVÂNIA
O destino do vôo 93 da United
Airlines, o último dos quatro
aviões sequestrados nos EUA a
cair em 11 de setembro, não tem
mistério para Lee Purbaugh. Ele
era o único presente no campo
onde o avião caiu.
"Houve um som incrivelmente
alto, de estrondo ou ronco, e lá estava o avião, logo ali, bem em cima da minha cabeça, uns 16 m
acima de mim, talvez", diz Purbaugh, que trabalha num ferro-velho ao lado do local onde ocorreu a queda. "Foi só uma fração
de segundo, mas a impressão era
de que ele estava andando em rotação lenta, como se levasse uma
eternidade. Eu vi o avião balançar.
Então, de repente, ele se inclinou e
mergulhou de nariz no chão, com
uma explosão enorme."
O avião foi pulverizado. Wally
Miller, magistrado de Shanksville,
um canto da Pensilvânia até então
esquecido, foi o responsável legal
por recolher os restos mortais e
determinar as causas da morte.
"Emiti as certidões de óbito", conta Miller. "Coloquei "homicídio"
nas certidões dos passageiros e
"suicídio" nas dos terroristas."
Mas Miller admite que, em última análise, não pode comprovar
o que aconteceu, só deduzir. Ninguém sabe exatamente o que levou o vôo 93 a cair. Se existem
pessoas que sabem o que aconteceu, elas não estão falando.
Lenda instantânea
A escassez de fatos comprovados não impediu a criação de uma
lenda instantânea que o governo e
a imprensa dos EUA tiveram prazer em propagar e que o público
estava ansioso por aceitar: informados por seus celulares sobre a
notícia dos outros três aviões sequestrados, os passageiros decidiram que, se não podiam salvar a
própria pele, ao menos fariam o
que era patriótico e poupariam as
vidas daqueles que eram os alvos
dos terroristas. Assim, eles invadiram a cabine do piloto, onde
um terrorista estava nos controles, e, na luta que se seguiu, provocaram a queda do avião.
O governo saudou os "heróis do
vôo 93" e tem repetidas vezes proposto essa versão. A mesma coisa
foi feita pelos grandes jornais e
emissoras de TV nacionais.
O "New York Times", normalmente um modelo de precisão,
publicou a seguinte sentença extraordinariamente imprecisa em
22 de setembro, ao descobrir, de
fontes "oficiais" não identificadas, que o gravador de voz da cabine do avião tinha registrado
"uma luta desesperada e selvagem" no avião: "E, embora ele [o
gravador" não tenha fornecido
um quadro claro ou completo,
parece certo que ocorreu um confronto caótico que, aparentemente, levou à queda do jato".
A revista "Vanity Fair", baseando-se em poucas informações a
mais do que as que tivera o "Times", publicou um relato detalhado sobre o que aconteceu no vôo
93, que, segundo a revista, "pode
ser lembrado como uma das
maiores histórias de heroísmo já
contadas". Dois meses mais tarde,
a "Newsweek" teve acesso ao que
seria uma transcrição parcial do
registro do gravador de voz. Com
isso, a revista narrou a história
com detalhes ainda mais vívidos,
hollywoodianos e patrióticos. Os
passageiros eram "soldados da cidadania, que, como seus antepassados, se ergueram para desafiar a
tirania", disse a "Newsweek".
Nada impede que a história heróica seja verídica. Talvez a lenda
realmente corresponda aos fatos.
Com certeza, com base no registro dos telefonemas feitos desde o
avião, é indiscutível que vários
passageiros tiveram a intenção de
realizar atos de coragem. Mas o
que esses atos realmente foram
não é sabido -ou é sabido apenas por muito pouca gente.
Outras versões
A ausência de informações oficiais levou a uma discussão animada e, com frequência, bem
fundamentada no meio extra-oficial da internet (veja o site
www.flight93crash.com). Mas
também há uma série de pessoas
no setor da aviação convencidas
de que existem outras explicações. Uma série de perguntas importantes ficou sem respostas
-perguntas baseadas em evidências e também na manifesta falta
de transparência das autoridades.
E a mídia nacional americana
vem mostrando uma curiosa relutância em formulá-las.
As teorias alternativas, ambas
negadas pelas Forças Armadas e
pelo FBI, são: a) o vôo 93 foi derrubado por um avião do governo;
e b) uma bomba explodiu a bordo
dele (nos telefonemas que deram,
os passageiros disseram que um
dos sequestradores levava algo
que parecia ser uma bomba). Se
dúvidas permanecem e se as teorias conspiratórias correm soltas,
isso se dá em grande medida porque as autoridades não ofereceram respostas diretas às perguntas sobre quatro mistérios:
1) o fato de os destroços do
avião terem se espalhado por uma
área extensa -talvez por causa
de uma explosão ocorrida antes
da queda. Cartas -o vôo 93
transportava 3.400 kg de correspondência até a Califórnia- e
outros papéis do avião foram encontrados a até 13 km de distância. Uma parte de um motor pesando 1 t foi encontrada a 2.100 m
do avião. Foi o mais pesado pedaço isolado recuperado do desastre. O resto do avião se desintegrou em pedaços não maiores do
que 5 cm, fato que condiz com um
impacto de 800 km/h, conforme
se calcula. Outros destroços do
avião foram encontrados a 3 km;
2) a localização de jatos da Força
Aérea, que podem ou não ter estado suficientemente próximos para disparar um míssil. O que o governo admite é que os primeiros
caças com a missão de interceptar
aviões decolaram às 8h52; que outro grupo de caças decolou da base de Andrews, perto de Washington, às 9h35 -exatamente o horário em que o vôo 93 descreveu
um desvio de quase 180 graus,
voltando-se para Washington, e
que um sequestrador foi ouvido
por controladores do tráfego aéreo dizendo que havia "uma
bomba a bordo". O vôo 93, cuja
trajetória ameaçadora foi divulgada quase imediatamente pela mídia, levou mais 31 minutos para
cair. Deixando de lado a conclusão lógica de que pelo menos um
F-16 -que, às 9h40, estava em
Washington, a 201 km de distância do vôo 93, o que significava
dez minutos de distância (ou menos, se voasse em velocidade supersônica)- deveria tê-lo alcançado antes das 10h06, existe a seguinte evidência de um controlador de vôo, divulgada alguns dias
mais tarde num jornal de New
Hampshire: que um F-16 perseguiu o jato da United e "deve ter
assistido a tudo".
Cinco dias depois, o vice-presidente Dick Cheney admitiu que o
presidente Bush tinha autorizado
os pilotos da Força Aérea a abater
aviões comerciais sequestrados;
3) um telefonema saído do
avião, cujo teor não corresponde
inteiramente à lenda heróica. A
Associated Press informou em 11
de setembro que, oito minutos
antes da queda, um passageiro
apavorado tinha ligado para 911.
Ele disse ao operador Glen Cramer que se trancara num dos banheiros do avião. Cramer disse
que o passageiro falou com ele
por um minuto: "Ele estava muito
apavorado. Disse que achava que
o avião estava caindo. Ele ouviu
alguma espécie de explosão e viu
fumaça branca saindo do avião. E
então perdemos o contato";
4) relatos de testemunhas oculares mencionam um "avião misterioso" que sobrevoou o local da
queda a baixa altitude, logo após o
impacto. Lee Purbaugh é um entre pelo menos meia dúzia de pessoas que relataram ter visto um
segundo avião voando baixo e numa trajetória irregular, a uma altitude pouco superior à das copas
das árvores, sobre o local da queda, minutos após a queda do
avião da United. Elas descrevem o
avião como um jato branco e pequeno, com motores traseiros e
sem marcas perceptíveis. Purbaugh, que esteve na Marinha,
disse não acreditar que fosse um
avião militar. Seja como for, a presença do avião é um enigma.
Explicações do governo
Como o governo americano respondeu às dúvidas acima? Das seguintes maneiras:
1) os papéis encontrados a 13
km de distância foram carregados
por um vento de 16 km/h; a parte
do motor do jato voou mais de
2.000 m devido à força do impacto do avião com o solo. A conclusão do FBI: "Não foi encontrado
nada inconsistente com a hipótese de que o avião tenha se chocado com o solo ainda intacto". Especialistas em aviação vêem essa
hipótese como extremamente duvidosa. Um deles expressa espanto ante a idéia de que cartas e outros papéis pudessem ter permanecido no ar por quase uma hora;
2) os jatos da Força Aérea estavam a caminho, mas não chegaram a tempo, segundo o general
Richard Myers. Ele reconhece que
os caças aproximaram-se do vôo
93 "momentos" antes de sua queda, mas diz que não o abateram.
Isso leva à pergunta de por que razão eles não puderam chegar mais
cedo para interceptar um avião
que claramente tinha terroristas a
bordo e que estava voando em direção a Washington, mais de uma
hora depois que outro avião da
United Airlines se chocara com o
a segunda torre do World Trade
Center. O relato que saiu no jornal
de New Hampshire e o da CBS
não foram explicados, e os controladores de tráfego aéreo de
Cleveland que acompanharam no
radar os últimos minutos do vôo
93 foram proibidos de falar;
3) o FBI confiscou a fita da conversa, e o operador Glen Cramer
recebeu ordens de se calar;
4) a explicação dada pelo FBI
para o avião misterioso, depois
de, num primeiro momento, negar sua existência, não tranquiliza
muito -pelo contrário, reforça
as desconfianças de que alguma
coisa estaria sendo acobertada.
O avião em questão era um jatinho comercial civil, um Falcon,
que estava voando a 32 km de distância do vôo 93 e que as autoridades solicitaram que fosse observar e transmitir as coordenadas do local da queda "às equipes
de emergência".
A razão pela qual isso soa tão
implausível é que, em primeiro
lugar, às 10h06 do dia 11 de setembro, todas as aeronaves não militares voando tinham recebido ordens claras e inequívocas, mais de
meia hora antes, para aterrissar
no aeroporto mais próximo; segundo, que, tantos eram os telefonemas para o 911 de pessoas da região de Shanksville, que teria sido
desnecessário alguém fornecer
coordenadas aéreas; e, em terceiro lugar, com os jatos F-16 supostamente na área, parece improvável que, num momento de incerteza, quando ninguém sabia ao
certo se ainda havia aviões sequestrados no céu, as Forças Armadas fossem pedir ajuda a um
avião civil na área.
O que desperta mais suspeitas é
o fato de ninguém mais ter identificado o piloto ou os passageiros
do suposto jatinho Falcon. Havia
um outro avião no ar naquele momento -um monomotor Piper.
Seu piloto, Bill Wright, disse que
estava a pouco menos de 5 km de
distância, tão perto que conseguiu
enxergar o emblema da United no
avião. De repente, recebeu ordens
de se afastar e aterrissar.
Míssil
Alguns teóricos da conspiração
dirão que o vôo 93 foi abatido por
um míssil, possivelmente um
míssil que busca o calor e que poderia ter alvejado um dos motores
do avião -teoria consubstanciada pelo deslocamento por 2.100 m
da peça do motor, mas refutada
por diversos relatos oculares.
Outros podem dizer que o avião
foi vítima de interferência eletromagnética. Numa série de artigos
para o "New York Review of
Books", Elayne Scarry, acadêmica
de Harvard, diz que a Força Aérea
e o Pentágono já conduziram pesquisas extensas sobre "aplicativos
de guerra eletrônica" dotados,
possivelmente, da capacidade de
perturbar intencionalmente os
mecanismos de um avião de modo a provocar, por exemplo, um
mergulho incontrolável.
Scarry também relata que alguns aviões de carga C-130 já vêm
equipados com essas armas. O
FBI afirmou que, além do enigmático Falcon, havia um C-130
num raio de 40 km do vôo 93
quando ele caiu. Segundo Scarry,
a Força Aérea já instalou "conjuntos eletrônicos" em ao menos 28
de seus C-130. Esses equipamentos são capazes de emitir sinais
que impedem o funcionamento
de outros aparelhos.
Mas nada disso nos autoriza a
questionar a bravura de passageiros como Tom Burnett, que tinha
três filhas e disse à sua mulher,
Deena, pelo telefone, que ele e os
outros passageiros iam "fazer alguma coisa", senão os terroristas
iriam "atirar este avião no chão".
Se existem realmente outras
provas que fundamentem a narrativa heróica, surpreende que as
autoridades ainda não as tenham
divulgado. Bravura, em todo caso,
existiu. Sabemos disso.
Tradução de Clara Allain
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