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CONFLITO
Segundo analistas, Índia e Paquistão, que dispõem de arsenal nuclear, caminham para um confronto limitado
Ameaça de guerra paira sobre o sul da Ásia
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
"Chegou a hora do combate decisivo. E nós ganharemos esta
guerra", declarou o premiê indiano, Atal Behari Vajpayee, há alguns dias. "O povo paquistanês
está determinado a defender seu
país de qualquer agressão da Índia", replicou Islamabad. Como
mostra o tom oficial, a situação
geopolítica do sul da Ásia é, de fato, preocupante, de acordo com
analistas ouvidos pela Folha.
"A perspectiva atual é a de que
haja um conflito limitado. Como
vem bradando que não admitirá
mais ataques extremistas, o governo indiano terá de agir se algo
acontecer. Contudo, devido às
condições meteorológicas atuais,
não deverá ocorrer a deflagração
de um conflito mais sério antes de
setembro", analisou Christiane
Hurtig, do Centro de Estudos e de
Pesquisas Internacionais (Paris).
"Vive-se uma época de calor
terrível na região. A temperatura
já ultrapassa os 50oC no Rajastão
[vizinho da Caxemira". Em breve,
começará o período das monções,
no qual a intensidade das chuvas
impedirá um grande movimento
de tropas. Assim, até setembro, a
meteorologia deverá ajudar a diplomacia", acrescentou.
Desde 1998, quando ambos realizaram testes nucleares, o espectro de uma guerra entre os dois
países ganhou uma agravante
aterradora: a possibilidade da utilização de armas atômicas. Estimativas do grupo Jane's, responsável por publicações militares e
estratégicas, dão conta da existência de ao menos cem ogivas nucleares do lado indiano e de no
mínimo 25 no Paquistão.
Se houvesse uma nova guerra
entre os dois Estados, ela seria totalmente diferente das três anteriores. "As guerras precedentes
foram bem menos sofisticadas do
que seria um conflito armado hoje. Afinal, além das armas nucleares, ambos contam com bastante
material bélico de alto nível",
apontou S.N. Sridhar, da Universidade Estadual de Nova York.
Com tudo isso, a ameaça feita
anteontem pelo general paquistanês Mohammad Yusaf Khan pode não ser um blefe. "Não queremos guerra, mas, se o inimigo arriscar uma agressão, responderemos [a ela" com toda a nossa força." Com efeito, nenhum dos dois
países tem interesse na deflagração de um conflito armado. Todavia, dependendo do que ocorrer
nos próximos meses, isso poderá
ser inevitável em setembro.
"O governo indiano fez tantas
ameaças que será obrigado a tomar uma atitude se a administração paquistanesa não fizer nada
para conter os atentados que têm
ocorrido na Caxemira indiana.
Senão Vajpayee correrá o risco de
perder credibilidade internamente, sobretudo porque a crise econômica já irrita boa parte da população", explicou Hurtig.
"Se existir, qualquer ação indiana deverá limitar-se a ataques aéreos a campos de treinamento na
Caxemira paquistanesa ou no território paquistanês próximo à
fronteira. O perigo é que inúmeros estrategistas indianos são contrários a essa posição, pois não
crêem que isso dê resultado."
Efeitos catastróficos
Por enquanto, não há um risco
real de ocorrência de uma guerra
ampla. Em tese, também está descartado, segundo os analistas, o
uso de armamentos nucleares.
"Uma guerra nuclear seria catastrófica para a região. Ademais, ela
abriria um precedente aterrador.
As grandes potências farão tudo
para evitá-la", indicou Sridhar.
Outro fator de preocupação é a
aparente liberdade de que gozam
os militares paquistaneses em relação ao presidente Pervez Musharraf. "O Exército não é totalmente controlado por ele. Há até
divisões, como a dos chefes tribais, que não mais respeitam suas
ordens", declarou Hurtig.
Em 1999, os dois países atravessaram uma crise relativamente
grave. Para recuperar um território que havia sido tomado pelo
inimigo, as forças indianas bombardearam bases paquistanesas
na região de Kargil (norte da Caxemira). "Há uma grande diferença agora: não se trata de recuperar terreno, mas de punir o inimigo", afirmou Sridhar.
O clima geopolítico vem-se deteriorando desde dezembro,
quando um atentado ao Parlamento indiano, supostamente
realizado pelos grupos extremistas Lashkar-e-Taiba e Jaish-e-Mohammad -apoiados pelo governo paquistanês, de acordo com a
Índia-, deixou um saldo de 14
mortos (cinco terroristas).
Em seguida, Nova Déli e Islamabad enviaram tropas e armamentos à sua fronteira comum -de
cerca de 1.800 km. Crê-se que haja
centenas de milhares de soldados
na região. Em meio à "guerra ao
terrorismo" liderada pelos EUA,
Musharraf tentou, então, mostrar
que não apoiava terroristas e deteve líderes dos dois grupos, além
de mais de 50 de seus militantes.
Todavia, após seguidos ataques
a postos indianos na Caxemira, a
situação voltou a agravar-se. Embora Islamabad sustente que só
dá apoio moral e político à "luta
legítima pela autodeterminação
da Caxemira", Nova Déli diz não
mais aturar "a anuência do governo paquistanês" aos ataques.
A administração indiana acusa
a paquistanesa de incitar e de armar separatistas na parte da Caxemira controlada por Nova Déli.
Cerca de 45% da Caxemira é controlada pela Índia, 35%, pelo Paquistão, e o restante, pela China. A
Caxemira foi a causa de duas das
três guerras indo-paquistanesas.
Nesse quadro, a atitude de Washington é vital. Mas os EUA estão
numa posição delicada. Segundo
Hurtig, o único modo de pôr fim à
ameaça de guerra é "apoiar Nova
Déli contra os terroristas". Contudo, com o esforço militar ainda
inacabado no Afeganistão, o Paquistão é um aliado inevitável.
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