São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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ANÁLISE

Bush insultou palestino e enfureceu árabes

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"

Podem vestir seus coletes à prova de balas. O presidente George W. Bush se pronunciou. Ele quer uma "mudança de regime" na Palestina, assim como quer uma "mudança de regime" no Iraque. Ele lê os relatórios preparados pelo governo israelense para a imprensa e os reproduz fielmente nas declarações que faz ao povo americano. O premiê israelense, Ariel Sharon, quer a destruição e a demissão de Iasser Arafat. Bush quer o mesmo. "A paz requer uma liderança palestina nova e diferente para que um Estado palestino possa nascer", disse Bush ao povo americano, cada vez mais assustado enquanto espera pelo próximo apocalipse.
Bush não impôs condição nenhuma a Israel. Não exigiu o fim da construção contínua de assentamentos judaicos em terras árabes. Depois de aceitar que a Cisjordânia ocupada é apenas "disputada", ele não pediu o fim das "incursões" militares israelenses. Não prometeu impor penalidades se os israelenses deixarem de cumprir alguma condição.
Em seu chamado por "transparência" palestina, Ariel Sharon exigiu que a reforma seja mais do que cosmética ou uma tentativa de preservar Arafat. E o que Bush diz? Ora, que a reforma palestina "deve ser mais do que mudanças cosméticas ou uma tentativa velada de manter o status quo". A única coisa que ele oferece aos palestinos é uma reprodução do que os israelenses mandam os palestinos fazer. A impressão que passa para estes é de um escárnio cruel.
Nunca houve um Estado "interino", muito menos um Estado "provisório". Essas são fantasias dos israelenses -e de Bush. "Representantes" da Casa Branca -poderíamos nos aventurar a adivinhar quem são- acham que um "Estado" palestino poderá ser "alcançado" no prazo de 18 meses. Deixemos de lado o fato de que o direito internacional não prevê nenhuma entidade assim.
Repassemos mais uma vez a parte mais crucial -e mais desonesta- das declarações de Bush feitas anteontem.
"Quando o povo palestino tiver novos líderes, novas instituições e novos arranjos de segurança com seus vizinhos", ele nos disse, "os EUA vão apoiar a criação de um Estado palestino cujas fronteiras e determinados aspectos de sua soberania serão provisórios até serem decididos como parte de um acordo final no Oriente Médio."
Vejamos o que isso quer dizer: quando os palestinos tiverem eleito um líder que Israel quer -condição essa que pode levar até o final dos tempos para ser satisfeita-, os EUA vão apoiar um Estado palestino cuja própria existência não vai significar nada, a não ser que Israel aprove o que esse Estado quer fazer. Em outras palavras, os EUA serão o porta-voz de Israel em qualquer negociação. Um número crescente de americanos sabe que está sendo feito de otário por seu próprio governo e sua própria imprensa, que a política externa de seu país está sendo manipulada de modo a dar apoio máximo a um país, e um apenas, no Oriente Médio.
Nunca antes uma população ocupada foi liderada por uma pessoa tão patética quanto Iasser Arafat. Está ficando cada vez mais evidente que ele não fracassou em seu dever como líder palestino. Ele fracassou em seu dever como agente colonial atuando com procuração de Israel -logo, dos EUA- na Cisjordânia e na faixa de Gaza. Ele teve tempo de sobra para provar sua lealdade ao Ocidente, aos EUA, a Israel. Tinha sido incumbido de garantir a segurança à toda prova dos assentamentos de Israel. Não consegue mais controlar o povo que deveria controlar e terá que abandonar a cena, para ser substituído pelo líder de nossa escolha.
Bush insultou os palestinos e enfureceu os líderes do mundo árabe. Quem se importa com estes últimos? A maioria foi indicada por nós mesmos. Mas tenho a impressão de que os palestinos não vão aceitar essa bobagem. E é por isso que, mais do que nunca, serão condenados e tachados de "terroristas".


Tradução de Clara Allain


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