|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TRANSIÇÃO
Deputados aprovam texto que prevê, pela primeira vez desde 1917, a comercialização fundiária; texto requer duas votações
Após 85 anos, lei russa permite vender terras
STEVEN LEE MYERS
DO "THE NEW YORK TIMES"
Uma década depois de iniciar
sua transição para o capitalismo,
o governo russo está agindo para
desmantelar um dos mais duradouros legados da era stalinista: a
coletivização das terras do país.
A Câmara Baixa do Parlamento
russo, a Duma, aprovou um projeto de lei na sexta-feira que cria
um sistema para a compra e a
venda de terras pela primeira vez
desde a Revolução Bolchevique
de 1917. Mas a medida só foi aprovada após o governo aceitar uma
emenda que proíbe estrangeiros
de comprarem terras agrícolas.
Enquanto manifestantes contrários à venda de terras a quem
quer que seja protestavam do lado
de fora da Duma, o debate do lado
de dentro ilustrava a profundidade das paixões que ainda pode
despertar o lento movimento da
Rússia em direção a uma economia de mercado, especialmente
no que diz respeito às terras.
O líder comunista, Gennady
Zyuganov, chamou o projeto de
"um espetáculo vergonhoso". Já o
vice-presidente do Partido Yabloko (liberal), Serguei Ivanenko,
disse que a proibição da venda de
terras a estrangeiros passaria ao
mundo a mensagem de que a
Rússia não está pronta para reformas econômicas.
Mas até mesmo o líder do partido governista Unidade, Vyacheslav Volodin, afirmou: "Estamos
defendendo nossos conterrâneos.
Achamos que nossos agricultores
não conseguem competir hoje
com cidadãos estrangeiros".
Apenas seis deputados votaram
contra a emenda, mas a Câmara
se dividiu ao votar sobre o sistema
de comercialização das terras.
Os deputados aprovaram o projeto de lei por 245 votos a 150, no
último estágio em que mudanças
significativas no texto da legislação poderiam ser feitas.
O projeto tem de ser aprovado
de novo pela Duma antes de passar para a Câmara Alta, ou Conselho da Federação, e ser assinado
pelo presidente Vladimir Putin.
Na sexta-feira, os deputados
aprovaram também uma emenda
reduzindo de 35% para 10% a
quantidade de terras que um indivíduo ou empresa pode ter em
um distrito administrativo.
Putin descreveu as reformas nas
leis de propriedade da Rússia como essenciais para o desenvolvimento econômico do país. Mas
aqui, nos campos ao redor de
Kursk, assim como na maior parte da região central do país, o legado de décadas de coletivização está profundamente enraizado.
A possibilidade de mudança
apavorou agricultores e outros
que permanecem leais ao sonho
das "kokhozi", ou fazendas coletivas, que ainda operam mais de
90% das fazendas do país.
Eles temem sobretudo uma repetição da privatização corrupta
das estatais russas nos anos 90.
Serguei Ivannikov, administrador do distrito de Kurchatovski,
perto de Kursk, disse que a reforma agrária proposta será "silenciosa e lenta, mas representará,
mais uma vez, a repressão da população". Ele lembrou que seu
próprio avô teve sua fazenda confiscada em Voronej durante as
brutais campanhas de coletivização de Josef Stálin (1879-1953) na
década de 30 e afirmou que as
consequências da "lei de Putin"
não seriam diferentes.
Defensores da privatização afirmam que ela criará um verdadeiro mercado de terras e garantirá
os direitos dos proprietários.
Mas muitos que conhecem de
perto a situação no campo se
queixam de que a legislação de fato prejudicará empreendimentos
agrícolas de estilo ocidental que,
com investimentos estrangeiros,
começam lentamente a revitalizar
a agricultura russa apesar do fato
de que não têm direitos claros sobre a terra que cultivam.
"As coisas ficarão piores do que
quando não havia nenhuma lei",
disse o deputado Alexander
Tchetvrikov, dono da Agroholding, empresa que opera 120 mil
hectares de terra perto de Kursk.
Apesar de todo o progresso da
Rússia na construção de uma economia quase capitalista, a reforma agrária se arrasta desde o colapso do comunismo, em 1991.
Em uma série de decretos no
início dos anos 90, Boris Ieltsin
dissolveu o controle estatal das fazendas coletivas, dando a seus trabalhadores ações das empresas.
Hoje, 12,8 milhões de russos
têm essas ações, e a Constituição
de 1993 lhes dá o direito de comprá-las e vendê-las. Mas, na verdade, elas não o podem fazer porque a maior parte das fazendas
coletivas nunca chegou a dividir
suas terras em lotes.
Uma das cláusulas mais polêmicas da lei proposta por Putin eliminaria o sistema que permite
que acionistas arrendem suas
propriedades a grandes empresas
agrícolas em troca de uma taxa
anual, geralmente paga em espécie. As empresas teriam de operar
as terras em um sistema de truste,
devolvendo todos os lucros aos
proprietários. Economistas dizem que a cláusula aniquilaria a
indústria nascente.
O rendimento médio das lavouras de grãos na Rússia em 2001 foi
de 1,93 toneladas por hectare. Na
Alemanha, a média foi de 7 toneladas por hectare.
Texto Anterior: Iugoslávia: EUA pedem saída de general exonerado Próximo Texto: Pós-Apartheid: Nova legislação "estatiza" a mineração na África do Sul Índice
|