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GUERRA SEM LIMITES
Segundo analistas, há duas categorias principais de terrorismo muçulmano: a apocalíptica e a tradicional
Radicalismo islâmico domina terror global
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
"A dolorosa verdade: todos os
terroristas do mundo são muçulmanos", assim foi denominado o
artigo escrito por Abdulrahman
al Rashed, diretor-geral da rede de
TV Al Arabiya, publicado pelo
jornal pan-árabe "Asharq al Awsat", após o trágico desfecho do
seqüestro na escola de Beslan, na
Rússia. Este deixou mais de 300
mortos, incluindo várias crianças.
Em termos estritos, o título do
texto não corresponde à verdade.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o 17 de Novembro grego também cometem
atentados terroristas, muitas vezes com vítimas. O mesmo vale
para os tigres tâmeis do Sri Lanka,
ainda mais sanguinários. Ademais, estes fazem ações suicidas
como as que, freqüentemente, foram protagonizadas por muçulmanos nos últimos anos. No entanto nenhum deles é islâmico.
Tudo indica, porém, que Al
Rashed quis dizer que, há algum
tempo, os ataques mais sangrentos e freqüentes vêm sendo realizados por muçulmanos e que a
barbárie dos "combatentes da
guerra santa" cresce em ritmo
acelerado no Iraque, na Tchetchênia, no Afeganistão etc.
Com efeito, o terrorismo islâmico é, de longe, o mais ativo e feroz
existente no planeta atualmente.
Todavia é incorreto colocar todos
os movimentos terroristas muçulmanos na mesma categoria,
como se eles tivessem os mesmos
objetivos, de acordo com analistas consultados pela Folha.
"Há dois tipos de grupos principais. Primeiro, há um grande número, embora desconhecido, de
membros da Al Qaeda e de simpatizantes de seus objetivos globais, como aqueles que compõem
o Jemaah Islamiah indonésio",
explicou Jonathan Stevenson, do
Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (Washington).
"Segundo, há diversos grupos
terroristas islâmicos que não são
ligados à Al Qaeda e têm metas
mais limitadas geográfica e politicamente. Deve-se ressaltar, contudo, que eles também aplicam
métodos radicais de terrorismo
islâmico, embora não sejam tão
espetaculares quanto à Al Qaeda."
Magnus Ranstorp, diretor do
Centro de Estudos sobre Terrorismo e Violência Política da Universidade de St. Andrews (Reino
Unido), define as duas formas como "apocalíptica" ou "jihadista" e
"tradicional" ou "política".
"A Al Qaeda e todos os grupos
diretamente ligados a ela constituem a ala apocalíptica do terrorismo islâmico, com seu discurso
"jihadista" repleto de referências à
guerra santa, pois busca desencadear um choque de civilizações
por meio de ações gigantescas e
cinematográficas. Já organizações
palestinas, como o Hamas e o Jihad Islâmico, por exemplo, se inserem no contexto do terror tradicional. Com freqüência, este tem
origem no que é visto como uma
"ocupação'", avaliou Ranstorp.
Vale lembrar que a rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden (nascido na Arábia Saudita),
orquestrou e realizou o maior ataque da história ao território americano, o 11 de Setembro, provocando cerca de 3.000 mortes.
Também fazem parte de sua categoria o Tawhid e Jihad, liderado
pelo jordaniano Abu Musab al
Zarqawi, o homem mais procurado pelos EUA no Iraque, o Jemaah Islamiah indonésio, que cometeu o atentado a uma boate em
Bali, em 2002, assassinando 202
pessoas, e o grupo responsável
pelas explosões ocorridas em Madri, em 11 de março último, que
mataram 191 inocentes.
Olivier Roy, do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais
(Paris), concorda com Ranstorp e
afirma que "o terrorismo da Al
Qaeda é apocalíptico, não niilista". "Provocando um choque de
civilizações, Bin Laden quer pôr
fim à atual ordem global para erigir estruturas sociais condizentes
com sua interpretação radical do
islã. Ele não preconiza a morte
por si só, sem outras metas."
Para Rohan Gunaratna, do Instituto de Defesa e de Estudos Estratégicos de Cingapura, "a doutrina apocalíptica é difundida nas
madrassas paquistanesas [escolas
de religião] ou nos centros wahabistas sauditas, e seus métodos
começam a ser exportados para
regiões antes mais interessadas
em secessão do que em terror".
Entre as organizações islâmicas
adeptas do terrorismo tradicional
ou político, que, geralmente, envolve causas étnicas ou nacionalistas, também estão, entre outros
grupos, o Abu Sayyaf filipino, que
combate o controle de Manila sobre a ilha de Mindanao, e o Grupo
Islâmico Armado argelino, que
busca criar um Estado muçulmano no país magrebino.
É vital, contudo, salientar que
tem ocorrido uma perigosa infiltração do terror apocalíptico, cujas redes são transnacionais, em
movimentos islâmicos regionais,
como o tchetcheno. "Além de
abrir caminho para novas fontes
de financiamento, a radicalização
existe porque inúmeros muçulmanos crêem que o Ocidente seja
injusto com outros seguidores do
islã nos territórios palestinos ou
no Iraque", apontou Gunaratna.
De acordo com os especialistas,
a comunidade internacional deve,
por conseguinte, buscar a via do
diálogo com organizações cujas
aspirações são concretas e limitadas geograficamente, tentando
evitar que sua "jihadização" torne
os conflitos regionais ainda mais
complexos. O exemplo do IRA
[Exército Republicano Irlandês] é
emblemático e demonstra que a
solução política precisa ser priorizada sempre que possível.
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