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IRAQUE SOB TUTELA
Familiares processam governo britânico; maioria da população quer que país anuncie data para sair do Iraque
Parentes de militares mortos culpam Blair
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Em março passado, o aposentado inglês Tony Hamilton-Jewell,
57, tomou um avião com destino
ao Iraque. Não ia a negócios, muito menos tivera a idéia de fazer turismo no país assolado pela violência. O seu objetivo era investigar a morte de seu irmão Simon,
sargento que foi assassinado depois do fim da guerra no país.
Hamilton-Jewell decidiu ir até o
Iraque porque não confiava nas
investigações do Exército britânico sobre as circunstâncias pouco
claras da morte do irmão.
"Eu não tenho nenhuma fé no
governo britânico. O Exército é
tão arrogante em suas atitudes
que eu também não tenho nenhuma confiança nele", disse à Folha
o aposentado.
O irmão de Hamilton-Jewell e o
grupo de cinco soldados que comandava estavam no Iraque para
treinar a polícia local. Eles entraram na cidade de Majar el-Kabir,
ao norte de Basra (sul do país),
aparentemente para defender um
posto policial de um ataque de
400 membros de uma milícia local e terminaram mortos a tiros,
no dia 24 de junho de 2003, seis
semanas depois de declarado o
fim da guerra.
Segundo o aposentado, no entanto, o grupo de militares não
deveria ter entrado na cidade.
"Havia sido assinado um acordo que determinava que militares
britânicos não entrariam na cidade, que tem sua própria milícia.
Mas eles não sabiam disso", disse.
A fim de tentar entender o que
aconteceu, Hamilton-Jewell viajou até Majar el-Kabir, acompanhado pelo Exército, conversou
com militares, com o médico da
cidade, com policiais e com líderes políticos. "Eu queria descobrir
a verdade sobre a morte do meu
irmão."
Sua conclusão foi a de que houve falha do comando superior,
que não deveria ter enviado o grupo para a cidade.
O Exército também faz uma investigação sobre o assunto. Mas
Hamilton-Jewell diz que não confia mais nos militares e que vai
processar o governo britânico pelo que ocorreu. A Folha entrou
em contato com a assessoria de
imprensa do Ministério da Defesa
do Reino Unido, mas não obteve
resposta.
"Eu acho que o governo e o
Exército são responsáveis pelas
mortes do meu irmão", afirmou.
Boa causa
Hamilton-Jewell não conhece
pessoalmente Rose Gentle, cujo
filho Gordon, 19, também morreu
no Iraque há cerca de três meses,
vítima de uma bomba que explodiu numa estrada. O fato de ambos terem perdido parentes no
Iraque não é o único ponto em comum entre eles.
Assim como o aposentado, Rose, que trabalha como faxineira e
vive na Escócia, está revoltada
com o governo, o qual culpa pela
morte do filho. Há cerca de um
mês, Rose virou notícia quando
foi recebida por John Prescott, vice-premiê britânico, ao vir a Londres com sua filha Maxine, 14, entregar uma carta para o primeiro-ministro, Tony Blair.
As duas saíram revoltadas do
encontro, dizendo que Prescott só
dissera "besteira". Mais tarde, segundo Rose, Maxine recebeu correspondência de Blair em resposta à sua carta, dizendo que seu irmão morrera por uma boa causa.
"Não foi uma boa causa para
nós. Foi uma boa causa para ele",
afirmou Rose à Folha.
Como Hamilton-Jewell, Rose
pensa em processar o governo.
"Tony Blair foi culpado pela morte desses garotos todos. Meu Gordon só teve seis meses de treinamento antes de ser mandado à
guerra por uma mentira, uma
guerra por petróleo."
Hamilton-Jewell também diz
que a guerra no Iraque foi motivada por petróleo. Ele, Rose e muitas das 66 famílias que perderam
parentes no Iraque e deram declarações à imprensa defendem que
os militares britânicos que estão
no Iraque voltem para casa.
Esse sentimento não se limita
aos familiares de soldados mortos. Segundo pesquisa divulgada
na última semana pelo jornal
"The Guardian", 71% dos eleitores no Reino Unido querem que o
governo anuncie uma data para a
retirada das tropas britânicas do
Iraque. Em maio passado, 45%
dos entrevistados haviam respondido que as tropas deveriam permanecer no Iraque pelo tempo
que fosse necessário.
A mudança ocorre como conseqüência de notícias de que não foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque, das
mortes crescentes de soldados e
da onda de seqüestros, como o do
engenheiro Kenneth Bigley.
O engenheiro Bigley, 62, e os
americanos Eugene Armstrong e
Jack Hensley foram seqüestrados
na semana retrasada por um grupo terrorista liderado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi. Os
americanos foram decapitados.
Ontem, comunicado atribuído
ao grupo anunciou a morte de Bigley. O Ministério do Exterior britânico disse que o texto não deveria ser levado a sério.
"Sem dúvida a opinião pública
tem crescentemente se movido
contra a ocupação do Iraque", diz
o cientista político Eric Herring,
da Universidade de Bristol.
No entanto, para ele as conseqüências políticas negativas desse
sentimento antiocupação entre os
britânicos não tendem a ser grandes. Os riscos de revezes políticos
no Iraque estariam mais ligados à
possibilidade de que haja uma revolta geral da população local
contra as forças de ocupação na
região do sudeste do país.
"Se isso ocorrer, as tropas britânicas não terão como agir. Isso seria um acontecimento político catastrófico. E o pior é que é bastante provável", diz Herring.
De acordo com o professor de
Bristol, essa situação só pode ser
evitada se a forma como tem sido
conduzida a ocupação mudar totalmente, com convocação de
eleições gerais o quanto antes, o
fim das operações ofensivas e das
prisões sem julgamento.
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