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Apesar de sua ligação com o colapso do país, modelo neoliberal está presente em candidaturas favoritas
Crise econômica não reduz cacife da direita
DO ENVIADO A BUENOS AIRES
O modelo dito neoliberal ajudou a Argentina a mergulhar na
pior crise socioeconômica de sua
história ou, na hipótese mais
branda, foi incapaz de evitá-la.
Logo, na eleição de hoje, a direita será varrida do mapa e substituída pela esquerda, certo? Errado.
"O fortalecimento de Menem e
o crescimento de López Murphy
confirmam que o eleitorado está
girando mais para a direita do que
para a esquerda", diz Rosendo
Fraga (Centro de Estudos Nueva
Mayoria).
Confirma, ao negar uma eventual ascensão da esquerda, Javier
Lindeboim, diretor do Centro de
Estudos sobre População, Emprego e Desenvolvimento da UBA
(Universidade de Buenos Aires) e
pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e
Técnicas: "Existem poucas opções se o que se procura é atender
às necessidades socioeconômicas,
garantir o fortalecimento da democracia e impedir o isolamento
internacional num mundo cada
vez mais injusto".
Conforma-se Lindeboim: "O
caminho não é simples em uma
sociedade que foi muito maltratada em sua realidade cotidiana e
que, ao mesmo tempo, inculcou
os conceitos ideológicos contrários a seus próprios interesses".
O fato de que há uma possibilidade de que os dois candidatos
que passem para o turno final sejam justamente Menem e López
Murphy, adeptos do modelo neoliberal, não é o único elemento a
demonstrar que o fracasso da direita pode não afastá-la do poder.
Há pelo menos dois outros:
1) na recente eleição da UIA
(União Industrial Argentina), o
vencedor foi Alberto Alvarez
Gaiani, considerado menemista,
com 67% dos votos, contra apenas 33% de Guillermo Gotelli, da
Techint, principal grupo econômico do país, tido como "desenvolvimentista" (é óbvio que não
há esquerda no empresariado);
2) enquete feita em quatro universidades, entre elas a de Buenos
Aires, deu López Murphy em primeiro lugar. No caso da UBA,
Murphy teve 25,21% dos votos
contra 16,29% de Elisa Carrió, a
segunda colocada. A universidade foi historicamente a incubadora da esquerda, inclusive da mais
radical, que mergulhou na luta armada nos anos 60 e 70.
É provável, no entanto, que seja
imperfeita a percepção de que a
direita não perde (ou até ganha)
apesar da crise por ela gerada.
Nem o voto em Menem nem o
voto em López Murphy parecem
ter matriz ideológica muito bem
definida.
Menem tem, é verdade, o apoio
do que o analista Oscar Raúl Cardoso chama de "viúvas do câmbio
fixo", o modelo que barateou o
dólar de tal forma que viajar para
Miami era o esporte de uma fatia
importante dos argentinos.
Mas terá também o apoio dos
mais pobres entre os pobres. "Ele
se beneficiará de muitos votos dos
grupos marginalizados, os mais
machucados pela inflação renascida e que se lembram dos anos de
absoluta estabilidade de preços
assegurada por seu governo", diz
Carlos Regúnaga, diretor do escritório de Buenos Aires do Centro
para Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.
Afinal, os números são contundentes a respeito da devastação
social que a inflação provoca e jogam a favor de Menem: quando
ele lançou o cambio fixo, em 1991,
a pobreza machucava 28,9% dos
argentinos. Em outubro de 1994, a
última medição oficial antes da
crise mexicana que abalaria o modelo argentino, os pobres haviam
caído para 16,1%.
É verdade que a ilusão do câmbio fixo acabou sendo, no fundo, a
causa da crise que fez a pobreza
disparar (hoje, os pobres são
54,3%). Mas não é fácil convencer
os pobres de uma relação de causa
e efeito tão distante uma da outra.
Parecem preferir acreditar que,
"com Menem, se comia, não se
saqueava", como disse seu candidato a vice-presidente, Juan Carlos Romero, no comício de encerramento da campanha.
O que pode barrar o caminho de
Menem é a suspeita (ou, em alguns setores, a certeza) de que foi
um dos governos mais corruptos
da história argentina.
Aí é que entra López Murphy:
"Há uma percepção de que todos
são farinha do mesmo saco, só
que López Murphy não roubou",
avalia Atílio Borón, sociólogo que
dirige o Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e
não vota em López Murphy.
É de Borón, igualmente, a explicação mais acabada para o fato de
a esquerda nunca conseguir firmar-se eleitoralmente na Argentina: "O fenômeno do peronismo
provocou uma séria de mudanças
na consciência política, entre elas
a incapacidade de diferenciar um
argumento de direita de um de esquerda".
(CLÓVIS ROSSI)
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