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Blair "carrega a bolsa" dos EUA, diz Glenda Jackson
MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES
Atriz de talento reconhecido
-ganhou dois Oscars por sua
atuação em "Mulheres Apaixonadas", em 1970, e "Um Toque de
Classe", em 1973-, Glenda Jackson abandonou a carreira e se dedica ativamente à política pelo
menos desde 1992. Naquele ano
conquistou o primeiro mandato
para a Câmara dos Comuns pelo
PartidoTrabalhista.
Aos 66 anos e em seu terceiro
mandato -sempre eleita por
Hampstead e Highgate, bairros de
classe média alta de Londres-,
Jackson foi uma das vozes mais
fortes contra a guerra no Iraque
dentro do Partido Trabalhista, legenda do premiê Tony Blair.
Em entrevista à Folha, faz duras
críticas ao seu governo e ao governo dos EUA e diz que lamenta ver
seu país no papel de "carregador
da bolsa do valentão".
Folha - A guerra acabou e parece
ter sido um sucesso...
Glenda Jackson - Isso não é verdade. A derrota das forças iraquianas aconteceu, mas Bagdá
ainda permanece insegura, e a
questão agora é saber quão rapidamente se pode fazer com que
ajuda humanitária chegue lá e
precisamente quem vai decidir
sobre quem vai governar o Iraque. A idéia de que se pode transformar um país que esteve sob o
domínio de um ditador por 30
anos em uma democracia em seis
meses é ridícula.
Folha - O mundo ficou mais seguro sem Saddam Hussein?
Jackson - É claro que não. O
mundo se tornou mais perigoso
por causa do governo republicano nos EUA. Eles e o nosso governo nos disseram que o Iraque era
provavelmente um dos países
mais perigosos do mundo. Mas o
que se viu foi um país que, longe
de ser capaz de atacar qualquer
outro país, foi incapaz de se defender. Agora, é claro, dizem que
a razão pela qual tínhamos de ir
ao Iraque era liberar o povo iraquiano, libertá-los do que era sem
dúvida um regime venenoso e ditatorial. Mas receio que essa seja a
desculpa e não a razão.
Folha - Encontrar as armas de
destruição em massa é essencial
para dar credibilidade à guerra?
Jackson - Nunca acreditei que
houvesse essas armas. E, se havia,
claramente Saddam não tinha
meios de usá-las. O irônico é que
esses inspetores que estão lá agora
tentando encontrar essas armas,
não os da ONU, mas os americanos, agora estão dizendo que precisam de longo tempo para encontrar essas armas. Isso foi exatamente o que pediram os inspetores da ONU. Tempo. Mas, é claro, o plano era ir à guerra e nada
iria afastar os EUA ou o Reino
Unido dessa alternativa.
Folha - A sra. não acha que o Reino Unido se fortaleceu com essa ligação com os EUA?
Jackson - Não. Nosso país foi reduzido ao papel de carregador da
bolsa para o grande valentão. E
essa não é uma posição em que eu
gostaria de ver o meu país. Quem
pode confiar em nós? Decidimos
ir com essa superpotência, passando por cima da Justiça internacional, das leis internacionais e
da opinião internacional. Nós tomamos parte em uma ação preventiva contra um país soberano.
Embora o regime possa ser horroroso, esse é um ato ilegal.
Folha - As pesquisas mostram
que aumentou a aprovação do Partido Trabalhista e de Tony Blair. Do
ponto de vista político, a guerra foi
a decisão certa?
Jackson - Não. Ainda assim a decisão foi errada. Mas temos de esperar. Somos uma democracia, e
o resultado das urnas é o que conta.
Folha - As pessoas ainda podem
mudar de idéia?
Jackson - É claro. Se o Iraque não
se dividir em entidades religiosas
ou tribais, se houver um movimento verdadeiro de envolver a
ONU não só na questão humanitária, mas verdadeiramente ajudando na reconstrução do país e
criando algum tipo de estrutura
democrática, o mundo ficará encantado. Mas não acredito que o
governo americano ou o meu estejam preparados para investir o
tempo, o dinheiro e o pessoal que
serão necessários para isso. O
Afeganistão é sempre citado.
Bem, o Afeganistão, com exceção
de Cabul, está voltando a ser o tipo de país que era antes. O Taleban está se reorganizando, os senhores da guerra ainda estão no
poder, a heroína ainda está sendo
cultivada, colhida e vendida, está
sendo negado o direito das mulheres à educação e ao emprego.
Folha - A sra. acha que, se os democratas estivessem no poder, os
EUA tomariam rumo diferente?
Jackson - O plano para esta guerra foi apresentado ao então presidente Bill Clinton por, acredito,
Donald Rumsfeld [atual secretário da Defesa], Dick Cheney [atual
vice-presidente] e Richard Pearle
[ex-assessor do presidente George W. Bush], em 98, e ele recusou.
Folha - Qual o caminho a seguir
para parlamentares do Partido Trabalhista que se opuseram à guerra?
Jackson - Vamos continuar. Em
todas as oportunidades que surgirem temos de perguntar ao governo onde estão as armas de destruição em massa, onde estão as
ligações com Osama bin Laden
que nos disseram que havia e
quem vai definir o que é democracia no Iraque. Vai ser o povo
iraquiano ou o governo norte-americano?
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