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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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Blair "carrega a bolsa" dos EUA, diz Glenda Jackson

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Atriz de talento reconhecido -ganhou dois Oscars por sua atuação em "Mulheres Apaixonadas", em 1970, e "Um Toque de Classe", em 1973-, Glenda Jackson abandonou a carreira e se dedica ativamente à política pelo menos desde 1992. Naquele ano conquistou o primeiro mandato para a Câmara dos Comuns pelo PartidoTrabalhista.
Aos 66 anos e em seu terceiro mandato -sempre eleita por Hampstead e Highgate, bairros de classe média alta de Londres-, Jackson foi uma das vozes mais fortes contra a guerra no Iraque dentro do Partido Trabalhista, legenda do premiê Tony Blair.
Em entrevista à Folha, faz duras críticas ao seu governo e ao governo dos EUA e diz que lamenta ver seu país no papel de "carregador da bolsa do valentão".
 

Folha - A guerra acabou e parece ter sido um sucesso...
Glenda Jackson -
Isso não é verdade. A derrota das forças iraquianas aconteceu, mas Bagdá ainda permanece insegura, e a questão agora é saber quão rapidamente se pode fazer com que ajuda humanitária chegue lá e precisamente quem vai decidir sobre quem vai governar o Iraque. A idéia de que se pode transformar um país que esteve sob o domínio de um ditador por 30 anos em uma democracia em seis meses é ridícula.

Folha - O mundo ficou mais seguro sem Saddam Hussein?
Jackson -
É claro que não. O mundo se tornou mais perigoso por causa do governo republicano nos EUA. Eles e o nosso governo nos disseram que o Iraque era provavelmente um dos países mais perigosos do mundo. Mas o que se viu foi um país que, longe de ser capaz de atacar qualquer outro país, foi incapaz de se defender. Agora, é claro, dizem que a razão pela qual tínhamos de ir ao Iraque era liberar o povo iraquiano, libertá-los do que era sem dúvida um regime venenoso e ditatorial. Mas receio que essa seja a desculpa e não a razão.

Folha - Encontrar as armas de destruição em massa é essencial para dar credibilidade à guerra?
Jackson -
Nunca acreditei que houvesse essas armas. E, se havia, claramente Saddam não tinha meios de usá-las. O irônico é que esses inspetores que estão lá agora tentando encontrar essas armas, não os da ONU, mas os americanos, agora estão dizendo que precisam de longo tempo para encontrar essas armas. Isso foi exatamente o que pediram os inspetores da ONU. Tempo. Mas, é claro, o plano era ir à guerra e nada iria afastar os EUA ou o Reino Unido dessa alternativa.

Folha - A sra. não acha que o Reino Unido se fortaleceu com essa ligação com os EUA?
Jackson -
Não. Nosso país foi reduzido ao papel de carregador da bolsa para o grande valentão. E essa não é uma posição em que eu gostaria de ver o meu país. Quem pode confiar em nós? Decidimos ir com essa superpotência, passando por cima da Justiça internacional, das leis internacionais e da opinião internacional. Nós tomamos parte em uma ação preventiva contra um país soberano. Embora o regime possa ser horroroso, esse é um ato ilegal.

Folha - As pesquisas mostram que aumentou a aprovação do Partido Trabalhista e de Tony Blair. Do ponto de vista político, a guerra foi a decisão certa?
Jackson -
Não. Ainda assim a decisão foi errada. Mas temos de esperar. Somos uma democracia, e o resultado das urnas é o que conta.

Folha - As pessoas ainda podem mudar de idéia?
Jackson -
É claro. Se o Iraque não se dividir em entidades religiosas ou tribais, se houver um movimento verdadeiro de envolver a ONU não só na questão humanitária, mas verdadeiramente ajudando na reconstrução do país e criando algum tipo de estrutura democrática, o mundo ficará encantado. Mas não acredito que o governo americano ou o meu estejam preparados para investir o tempo, o dinheiro e o pessoal que serão necessários para isso. O Afeganistão é sempre citado. Bem, o Afeganistão, com exceção de Cabul, está voltando a ser o tipo de país que era antes. O Taleban está se reorganizando, os senhores da guerra ainda estão no poder, a heroína ainda está sendo cultivada, colhida e vendida, está sendo negado o direito das mulheres à educação e ao emprego.

Folha - A sra. acha que, se os democratas estivessem no poder, os EUA tomariam rumo diferente?
Jackson -
O plano para esta guerra foi apresentado ao então presidente Bill Clinton por, acredito, Donald Rumsfeld [atual secretário da Defesa], Dick Cheney [atual vice-presidente] e Richard Pearle [ex-assessor do presidente George W. Bush], em 98, e ele recusou.

Folha - Qual o caminho a seguir para parlamentares do Partido Trabalhista que se opuseram à guerra?
Jackson -
Vamos continuar. Em todas as oportunidades que surgirem temos de perguntar ao governo onde estão as armas de destruição em massa, onde estão as ligações com Osama bin Laden que nos disseram que havia e quem vai definir o que é democracia no Iraque. Vai ser o povo iraquiano ou o governo norte-americano?


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