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"MI CASA ES SU CASA"
Cientista político americano, que critica a imigração hispânica, diz que a cultura deles despreza a educação
Hispânicos são atrasados, diz Huntington
SOLEDAD GALLEGO-DÍAZ
FIONA FORDE
DO "EL PAÍS"
Samuel Huntington, 77, conquistou fama com seu livro "Choque de Civilizações", no qual opõe
o Ocidente ao islamismo militante. Agora, o cientista político e
professor da Universidade Harvard volta a provocar grande polêmica com "Who Are We? The
Challenges to America's National
Identity" (quem somos? Os desafios à identidade nacional americana), ao expressar seu receio
diante da integração hispânica
nos EUA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista em que
Huntington reitera sua tese de
que a imigração mexicana é menos assimilável do que as anteriores por não esquecer seu idioma e
sua cultura.
Pergunta - Em "Who Are We?" o
sr. fala do "credo americano" como
uma senha de identidade dos EUA.
De que maneira o definiria?
Samuel Huntington - O "credo
americano" é uma expressão criada pelo sociólogo sueco Gunnar
Myrdal nos anos 40 para descrever o que ele considerava como as
crenças políticas básicas dos norte-americanos. Para Myrdal, essas
crenças incluíam a dignidade essencial do indivíduo, a igualdade
fundamental entre todos os homens e o direito inalienável à liberdade, à justiça e a oportunidades justas. As mesmas idéias que
foram expressas de maneira eloqüente por Thomas Jefferson em
nossa Declaração de Independência e vêm sendo reiteradas constantemente por nossos líderes. É
importante ressaltar que essas
crenças foram produto da sociedade anglo-protestante que se
forjou nos séculos 17 e 18.
Pergunta - Se até agora foi possível aos imigrantes da Europa e Ásia
compartilhar esses princípios, por
que o sr. acredita que os hispânicos
não sejam capazes de assimilá-los?
Huntington - Não digo que não
seja possível compartilhá-los.
Creio que os hispânicos em larga
medida compartilhem deles, em
especial os que optaram por emigrar para os EUA, os quais, em
certa medida, sentem atração pelos valores desse credo. Mas acredito que haja distinções culturais
fundamentais entre os mexicanos
e os americanos.
Pergunta - Quais são?
Huntington - Citarei diversos
mexicanos importantes para esclarecer essas distinções. Carlos
Fuentes, o mais importante romancista mexicano, diz que seu
país tem herança mista espanhola
e indígena, combinada com uma
cultura católica, enquanto os EUA
têm uma cultura protestante cujas origens derivam presumivelmente do trabalho de Martinho
Lutero. O filósofo Armando Cítoro diz que a atitude mexicana e,
acrescenta, a dos mexicanos que
vivem nos EUA pode ser expressa
com frases como "quem liga?",
"não adianta trabalhar muito" e
"nada vale muito a pena". E isso
serviria também como resumo da
cultura mexicana.
Pergunta - Por que é mais difícil
aos hispânicos compartilhar do
credo americano do que foi para os
judeus poloneses, por exemplo?
Huntington - Os imigrantes que
chegaram aos EUA vinham em
certa medida atraídos pelo credo,
e confiavam nele. Converteram-se ao ponto de vista norte-americano. Creio que isso indubitavelmente também esteja ocorrendo
com os imigrantes mexicanos nos
EUA, mas penso que existe uma
série de fatores que fará dessa
conversão aos valores americanos
um processo muito mais lento e
difícil. Os mexicanos mantêm laços muito estreitos com o seu país
de origem, vão e voltam ao México continuamente. A imigração
mexicana é muito diferente das
ondas migratórias anteriores, nas
quais os imigrantes cruzavam milhares de quilômetros de oceano.
Pergunta - E isso implica uma diferença importante?
Huntington - Certamente que
sim. Até a Primeira Guerra, os
imigrantes cruzavam o oceano e
lhes era muito difícil manter contato com as suas sociedades de
origem. Mas os mexicanos não
precisam tomar essa decisão, podem manter residência e laços
pessoais no país de origem e no
país de destino ao mesmo tempo,
e dupla nacionalidade, e cada vez
mais freqüentemente dupla cidadania. Além disso, é preciso acrescentar o fato de que pela primeira
vez em nossa história temos uma
onda maciça de imigração ilegal.
Agora, temos um fluxo contínuo de imigrantes, e não só isso
como também um crescimento
da população hispânica, devido a
uma maior taxa de fertilidade.
Os hispânicos representam entre 12% e 13% da população dos
EUA, mas, nos últimos anos, vêm
respondendo por 50% do crescimento populacional. Para o ano
2040, a projeção é que esse grupo
represente mais de 25% da população americana.
Pergunta - Há outras dificuldades
específicas?
Huntington - Insisto em que a
assimilação é possível, mas existem muitas dificuldades, devidas,
entre outras coisas, à atitude dos
mexicanos e dos hispânicos em
geral quanto à educação. Cerca de
36% dos hispânicos que iniciam o
segundo grau não chegam ao final
do curso. O índice se compara a
16% no caso dos norte-americanos negros e a 8% no caso dos
norte-americanos brancos. Isso
indica que existe um problema
real entre os hispânicos quanto ao
tema educação, e creio que, por
alguma razão, essa atitude seja
parte de sua cultura. Não colocam
muita ênfase na aprendizagem.
Pergunta - O sr. acredita que isso
possa mudar no futuro?
Huntington - As autoridades
educacionais fazem grandes esforços para reverter essas tendências. Mas isso significaria mudar
as atitudes existentes entre os imigrantes hispânicos, e isso não é fácil. Os mexicanos têm de estar dispostos a trabalhar pesado e a continuar na escola; neste país, não se
chega a lugar algum sem terminar
a escola secundária. E, se você realmente deseja
avançar, tem de ir
à universidade, e o
fato é que menos
de 4% dos imigrantes mexicanos freqüentam
universidades, ante 22% dos norte-americanos em
geral.
Pergunta - Parte
da responsabilidade pela situação
não cabe às políticas educacionais?
Huntington -
Provavelmente
existem coisas que
poderiam ser feitas para tentar
animar os estudantes a não deixar a escola. Talvez haja alguma
forma de ajuda econômica, já que
a necessidade econômica é sem
dúvida um dos motivos para
abandonar os estudos: a idéia de
que uma criança de 16 anos tenha
de ganhar dinheiro para ajudar a
família. Creio que algumas formas de ajuda econômica e de fomento ao emprego sejam úteis.
Mas, uma vez mais, acredito que
não se trate simplesmente de uma
questão econômica, mas de uma
questão cultural, e quanto a isso é
preciso que a mudança aconteça
de dentro da comunidade hispânica dos EUA.
Pergunta - Os problemas educacionais são comuns a todos os grupos subdesenvolvidos. Não me parece que os italianos que imigraram para os EUA há 70 ou 80 anos
pensassem em estudar; sua preocupação era trabalhar.
Huntington - Em primeiro lugar,
os italianos vieram em larga medida antes da Primeira Guerra
Mundial. A guerra deteve o fluxo
migratório, e o Congresso imediatamente aprovou leis que reduziam drasticamente a imigração, especialmente a imigração
italiana. Por isso, houve pouca
imigração italiana nos anos 20 e
30. E o fato de que a imigração tenha sido suspensa
desempenhou papel central na assimilação relativamente bem-sucedida dos imigrantes italianos. Esse
é outro aspecto da
imigração mexicana: ela é persistente. A comunidade hispânica está crescendo, e, à
medida que cresce, há menos incentivos para que
haja assimilação.
Uma prova dessa
tendência é que,
em 1990, havia 166
publicações jornalísticas em espanhol nos EUA;
hoje, o número de
títulos mais que
dobrou, para 344.
Pergunta - O sr.
acredita que o credo americano seja exclusivo da cultura anglo-protestante?
Huntington - Não. O credo se
apresenta como um conjunto de
princípios universais aos quais
qualquer pessoa, em qualquer lugar, poderia aderir. Mas não resta
dúvida de que foi criado pela cultura anglo-protestante.
Pergunta - Quais são seus elementos mais significativos?
Huntington - O idioma inglês, o
cristianismo e o sentimento religioso. Os norte-americanos são
um dos povos mais religiosos do
mundo, muito mais do que as
pessoas de outras democracias industrializadas.
Pergunta - O sr. diria que os mexicanos não são muito religiosos?
Huntington - Não sei. Há números sobre isso no meu livro. O México está entre os países mais religiosos do mundo. Em uma lista
de 42, está em décimo lugar, enquanto os EUA estão em quinto.
Pergunta - Ajudaria caso os mexicanos esquecessem o espanhol e
falassem inglês?
Huntington - Se o fizessem, se
tornariam mais parecidos com os
norte-americanos.
Pergunta - Seriam como os norte-americanos?
Huntington - Seriam mais parecidos com os norte-americanos.
Pergunta - Mas não seriam realmente norte-americanos...
Huntington - Bem, se abandonarem seu idioma, se mudarem para
os EUA e adotarem a cultura norte-americana e, especialmente, os
elementos da cultura anglo-protestante que destaco em meu livro, o individualismo e a ética do
trabalho, além da crença de que as
pessoas têm tanto a capacidade
quanto a responsabilidade de
conseguir reformas sociais.
Pergunta - Francis Fukuyama diz
que hoje, nos EUA, são coreanos e
latinos que mantêm a ética do trabalho.
Huntington - No meu livro, cito
imigrantes e observadores europeus do século 19 que dizem que
os EUA são uma terra de trabalho,
e que o indivíduo se define por
seu trabalho. Creio que isso continue a ser assim.
Pergunta - É possível que os anglo-protestantes não queiram
compartilhar o credo americano e
que por isso excluam os demais?
Huntington - É certo que, no passado, nos dedicamos a excluir outros povos. Agrada-nos pensar no
país como uma nação de imigrantes, mas, na verdade, fomos muitas vezes hostis para com os imigrantes. Houve muita segregação,
discriminação e hostilidade para
com os irlandeses que aqui chegaram na metade do século 19. Também havia muita hostilidade para
com os italianos e os poloneses e
judeus que chegaram antes da
Primeira Guerra.
Hoje em dia, os hispânicos não
enfrentam nada parecido com a
hostilidade que outros imigrantes
tiveram de encarar, porque a sociedade americana agora é muito
mais insistente quanto à tolerância, e existe uma grande ênfase no
multiculturalismo. Há um sentimento, muitas vezes expresso pelos intelectuais, de que tentar
americanizar os imigrantes é incorreto. Trata-se de um fenômeno muito novo.
Pergunta - O sr. crê que a expansão da religião evangélica entre as
comunidades hispânicas as ajude a
assimilar esses princípios?
Huntington - Sim, creio que a expansão do cristianismo evangélico entre os hispânicos seja um fenômeno fascinante. Também está
acontecendo na Américas Latina.
Isso poderia ser um fator importante para a sua assimilação. Gostaria de destacar, ainda assim, que
a maioria dos católicos americanos assimilou a cultura anglo-protestante. Não é preciso ser
cristão evangélico para isso.
Pergunta - Que opinião o sr. tem
sobre a idéia de que os EUA precisam de uma ameaça interna ou externa para que se sintam um país
unido, e que, quando ela não existe, tratam de inventá-la?
Huntington - Creio que as guerras e os inimigos externos desempenharam papel fundamental no
desenvolvimento das identidades
nacionais de todos os países. Portanto, certamente se aplica aos
EUA. A Guerra Civil (1861-65) foi
na verdade o conflito que fez de
nós uma nação; antes pensávamos no país como uma simples
união entre Estados diferentes.
A Guerra Civil trouxe consigo o
que eu classifico como "o século
do nacionalismo norte-americano", que durou até os anos 60. Então, por diversas razões, passou a
ser conferida maior importância
às identidades subnacionais, étnicas, raciais, culturais, sexuais, e a
identidade nacional perdeu seu
significado fundamental.
O final da Guerra Fria influenciou esse fenômeno, porque, nos
anos 50 e 60, nos definíamos como líderes do mundo livre diante
da URSS e do comunismo ateu.
Agora, depois do 11 de Setembro,
enfrentamos um novo inimigo,
representado pelo islamismo militante. Isso nos devolveu o sentimento de uma identidade nacional americana.
Pergunta - O sr. diria que a comunidade hispânica representa uma
ameaça interna e que o terrorismo
islâmico é uma ameaça externa?
Huntington - Os militantes islâmicos querem destruir os EUA.
Isso é completamente diferente
do processo pacífico de imigração
hispânica para os EUA.
Pergunta - Então, qual é a ameaça da imigração hispânica?
Huntington - Não considero que
a ameaça hispânica seja ameaça
em sentido real. O que digo é que,
caso as tendências atuais se mantenham, teremos cada vez mais
um país de dois idiomas e duas
culturas. A cada dia vemos mais
provas do aumento do uso de espanhol em nossa sociedade, e em
muitos casos ele se converteu em
idioma equiparado ao inglês.
Trata-se de uma mudança importante na identidade nacional
norte-americana. Uma mudança
para melhor ou para pior? Difícil
saber. Mas podemos pressupor
que a diferença será grande, e nos
tornaremos mais parecidos com
Canadá, Bélgica, ou Suíça, países
onde há dois ou mais idiomas e
duas ou mais culturas.
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