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VENEZUELA
Governo quer alfabetizar 1 milhão em 3 meses com método de Cuba; para oposição, plano serve à doutrinação política
Chávez importa projeto educacional cubano
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Em um país no qual a oposição
vem há meses pedindo a cabeça
do presidente, a quem acusa de
tentar implementar um regime
comunista de estilo cubano, uma
campanha de alfabetização de
adultos lançada neste mês por
Hugo Chávez na Venezuela promete agravar ainda mais a já forte
tensão política. Trata-se de um
programa de alfabetização acelerada cujo modelo foi desenvolvido em Cuba. Todo o material da
campanha, que inclui fitas e equipamentos de vídeo, cartilhas e folhetos, foi doado à Venezuela pelo
governo do ditador Fidel Castro.
A oposição acusa o governo de
utilizar a campanha como forma
de doutrinação política. O método também é alvo de críticas de
especialistas ouvidos pela Folha
(leia texto nesta página).
"O governo quer utilizar os sistemas de educação e de saúde para controlar as áreas mais marginalizadas do país", reclama Jaime
Manzo, presidente da Federação
Venezuelana de Professores.
"Querem colocar em prática aqui
uma cópia do sistema político de
Cuba", afirma.
Segundo Omar Calzadilla, diretor nacional de Educação de
Adultos do Ministério da Educação da Venezuela e um dos responsáveis pela campanha, "o plano foi desenhado por cubanos,
mas adaptado ao ambiente venezuelano". "Podia ser um método
chileno, eslovaco ou japonês. O
que importa é sua eficiência", diz.
O auxílio cubano para a alfabetização na Venezuela é apenas o
último de uma série de convênios
entre os dois países adotados desde a chegada de Chávez ao poder,
em 1999, e que prevêem ajuda em
setores como saúde, esportes e
agricultura. Em troca, a Venezuela fornece a Cuba petróleo a preços abaixo dos de mercado.
O governo venezuelano argumenta que as trocas são vantajosas para o país e que a importação
de experiências cubanas em setores em que o regime de Fidel supostamente teve êxito, como educação e saúde, seriam positivas.
"O povo venezuelano reconhece e agradece o esforço de Cuba
neste modelo de integração para
combater um monstro como esse
do analfabetismo", afirmou Chávez em seu programa dominical
de rádio, "Alô Presidente". As
acusações também o levaram a
negar a intenção de "cubanizar" o
país. "Não sou comunista. Se fosse, seguramente diria, porque não
tenho papas na língua", afirmou.
Meta
De acordo com o governo, a meta da campanha é alfabetizar em
apenas três meses 1 milhão de
adultos, o equivalente a 70% dos
analfabetos do país. A promessa é
de que, após esse período, os alunos sejam capazes de ler com certa fluidez e de redigir frases simples ou pequenas cartas.
Segundo dados do Banco Mundial, a taxa de analfabetismo da
Venezuela era, em 2001, de 7,5%
entre os maiores de 15 anos. Para
efeito de comparação, o Brasil
tem 12,7% de analfabetos. A taxa
de analfabetismo em Cuba (3,3%,
segundo o Banco Mundial) é
maior do que as da Argentina
(3,2%) e do Uruguai (2,4%).
Para Jaime Manzo, da federação
de professores, a evolução dessas
taxas desde 1958 -quando terminou a última ditadura venezuelana e um ano antes de Fidel chegar ao poder em Cuba- mostram que a Venezuela teve um desempenho melhor que o cubano
na questão. "A Venezuela tinha
53% de analfabetos e conseguiu
baixar para 7,5%. Cuba tinha só
23% e baixou para 3,3%", diz.
"Temos na Venezuela técnicas de
alfabetização muito mais avançadas que em Cuba", afirma.
Ele questiona ainda o fato de a
campanha utilizar técnicos cubanos e voluntários leigos, "enquanto 20% dos professores venezuelanos estão desempregados". "Esses professores poderiam assumir
um programa de alfabetização,
mas o governo Chávez prefere
chamar técnicos estrangeiros, formados em um país comunista,
para doutrinar as pessoas", diz.
Calzadilla rebate as acusações.
"Não há nenhum componente
político no programa", afirma.
Segundo ele, uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Educação mostra que "78% dos venezuelanos confiam no sucesso do
programa e só 14% acham que ele
se presta à doutrinação".
Um mês depois do início da
campanha, ainda é cedo para verificar seus resultados. Em um
discurso na última quarta-feira,
Chávez agradeceu a Fidel pelo
programa "maravilhoso" e disse
que um projeto piloto do plano
teve uma taxa de 82% de sucesso.
Ele anunciou ainda a distribuição
de créditos e de terras para os
analfabetos como incentivo para
que participem do programa.
Apesar disso, a polêmica em
torno do programa é um dos motivos apontados pelos analistas
para uma nova queda na popularidade do presidente.
Segundo uma pesquisa do instituto Datanálisis divulgada na última semana, 67,5% dos venezuelanos desaprovam a administração
Chávez, o maior nível desde o início de seu governo. De acordo
com o analista Luis Vicente León,
diretor do Datanálisis, "76% dos
venezuelanos rechaçam que o
país use Cuba como referência", o
que explicaria em parte a queda.
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