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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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VENEZUELA

Governo quer alfabetizar 1 milhão em 3 meses com método de Cuba; para oposição, plano serve à doutrinação política

Chávez importa projeto educacional cubano

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Em um país no qual a oposição vem há meses pedindo a cabeça do presidente, a quem acusa de tentar implementar um regime comunista de estilo cubano, uma campanha de alfabetização de adultos lançada neste mês por Hugo Chávez na Venezuela promete agravar ainda mais a já forte tensão política. Trata-se de um programa de alfabetização acelerada cujo modelo foi desenvolvido em Cuba. Todo o material da campanha, que inclui fitas e equipamentos de vídeo, cartilhas e folhetos, foi doado à Venezuela pelo governo do ditador Fidel Castro.
A oposição acusa o governo de utilizar a campanha como forma de doutrinação política. O método também é alvo de críticas de especialistas ouvidos pela Folha (leia texto nesta página).
"O governo quer utilizar os sistemas de educação e de saúde para controlar as áreas mais marginalizadas do país", reclama Jaime Manzo, presidente da Federação Venezuelana de Professores. "Querem colocar em prática aqui uma cópia do sistema político de Cuba", afirma.
Segundo Omar Calzadilla, diretor nacional de Educação de Adultos do Ministério da Educação da Venezuela e um dos responsáveis pela campanha, "o plano foi desenhado por cubanos, mas adaptado ao ambiente venezuelano". "Podia ser um método chileno, eslovaco ou japonês. O que importa é sua eficiência", diz.
O auxílio cubano para a alfabetização na Venezuela é apenas o último de uma série de convênios entre os dois países adotados desde a chegada de Chávez ao poder, em 1999, e que prevêem ajuda em setores como saúde, esportes e agricultura. Em troca, a Venezuela fornece a Cuba petróleo a preços abaixo dos de mercado.
O governo venezuelano argumenta que as trocas são vantajosas para o país e que a importação de experiências cubanas em setores em que o regime de Fidel supostamente teve êxito, como educação e saúde, seriam positivas.
"O povo venezuelano reconhece e agradece o esforço de Cuba neste modelo de integração para combater um monstro como esse do analfabetismo", afirmou Chávez em seu programa dominical de rádio, "Alô Presidente". As acusações também o levaram a negar a intenção de "cubanizar" o país. "Não sou comunista. Se fosse, seguramente diria, porque não tenho papas na língua", afirmou.

Meta
De acordo com o governo, a meta da campanha é alfabetizar em apenas três meses 1 milhão de adultos, o equivalente a 70% dos analfabetos do país. A promessa é de que, após esse período, os alunos sejam capazes de ler com certa fluidez e de redigir frases simples ou pequenas cartas.
Segundo dados do Banco Mundial, a taxa de analfabetismo da Venezuela era, em 2001, de 7,5% entre os maiores de 15 anos. Para efeito de comparação, o Brasil tem 12,7% de analfabetos. A taxa de analfabetismo em Cuba (3,3%, segundo o Banco Mundial) é maior do que as da Argentina (3,2%) e do Uruguai (2,4%).
Para Jaime Manzo, da federação de professores, a evolução dessas taxas desde 1958 -quando terminou a última ditadura venezuelana e um ano antes de Fidel chegar ao poder em Cuba- mostram que a Venezuela teve um desempenho melhor que o cubano na questão. "A Venezuela tinha 53% de analfabetos e conseguiu baixar para 7,5%. Cuba tinha só 23% e baixou para 3,3%", diz. "Temos na Venezuela técnicas de alfabetização muito mais avançadas que em Cuba", afirma.
Ele questiona ainda o fato de a campanha utilizar técnicos cubanos e voluntários leigos, "enquanto 20% dos professores venezuelanos estão desempregados". "Esses professores poderiam assumir um programa de alfabetização, mas o governo Chávez prefere chamar técnicos estrangeiros, formados em um país comunista, para doutrinar as pessoas", diz.
Calzadilla rebate as acusações. "Não há nenhum componente político no programa", afirma. Segundo ele, uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Educação mostra que "78% dos venezuelanos confiam no sucesso do programa e só 14% acham que ele se presta à doutrinação".
Um mês depois do início da campanha, ainda é cedo para verificar seus resultados. Em um discurso na última quarta-feira, Chávez agradeceu a Fidel pelo programa "maravilhoso" e disse que um projeto piloto do plano teve uma taxa de 82% de sucesso. Ele anunciou ainda a distribuição de créditos e de terras para os analfabetos como incentivo para que participem do programa.
Apesar disso, a polêmica em torno do programa é um dos motivos apontados pelos analistas para uma nova queda na popularidade do presidente.
Segundo uma pesquisa do instituto Datanálisis divulgada na última semana, 67,5% dos venezuelanos desaprovam a administração Chávez, o maior nível desde o início de seu governo. De acordo com o analista Luis Vicente León, diretor do Datanálisis, "76% dos venezuelanos rechaçam que o país use Cuba como referência", o que explicaria em parte a queda.


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