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ELEIÇÃO
Presidenciável mais votado no 1º turno, coronel esquerdista que liderou golpe em 2000 considera derrubada de governo legítima
Equatoriano rejeita comparação com Chávez
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Latino-americano, esquerdista,
coronel reformado do Exército,
preso por golpe de Estado contra
presidente acusado de corrupção,
tenta chegar à Presidência por
meio das urnas.
O "currículo" acima, que muitos poderiam relacionar de pronto ao presidente venezuelano,
Hugo Chávez, é de Lucio Gutiérrez, 45, candidato à Presidência
do Equador que surpreendeu no
domingo passado ao garantir sua
passagem para o segundo turno,
no dia 24 de novembro, com a
maior votação entre os 11 candidatos -teve 20,4% dos votos.
Gutiérrez tornou-se conhecido
ao encabeçar, com o líder indígena Alvaro Vargas (também candidato, teve 0,9% dos votos) e o advogado Carlos Solórzano, o golpe
que derrubou o presidente Jamil
Mahuad em janeiro de 2000.
Anistiado pouco tempo depois
pelo presidente Gustavo Noboa,
que assumiu o poder como vice
de Mahuad, Gutiérrez deixou a
prisão com status de herói.
Para a disputa do segundo turno -contra o milionário Álvaro
Noboa (sem parentesco com o
atual presidente), 52, que teve
17,4% dos votos-, Gutiérrez vem
adotando um discurso conciliador e moderado. Chamado de comunista pelo adversário, Gutiérrez rejeita o rótulo e diz que não
tem ideologia política, por ter formação militar.
Ao contrário de Noboa, que rejeita o apoio dos candidatos derrotados no segundo turno, Gutiérrez prometeu diálogo com todas as forças políticas do país para
um governo de união nacional.
Uma das marcas dessa "conversão" foi a troca, nesta semana, do
uniforme verde-oliva que utilizou
na campanha do primeiro turno
por um terno. Na segunda-feira à
tarde, poucas horas após a confirmação de sua ida ao segundo turno, Gutiérrez falou à Folha, por
telefone, de Quito.
Folha - O sr. é um novo Chávez?
Lucio Gutiérrez - Respeito o presidente Chávez, mas Lucio Gutiérrez será Lucio Gutiérrez no
Equador. Não digo o que Chávez
deve fazer, porque isso a população venezuelana é que deve fazer.
Assim como quando eu for presidente do Equador não gostaria
que outros presidentes começassem a me criticar.
Folha - Mas o sr. se considera próximo a Chávez, politicamente e
ideologicamente?
Gutiérrez - Não tenho a sorte de
conhecê-lo pessoalmente. Nem
sequer falamos por telefone. Espero que possa fazer alguma vez.
Em todo caso, nós faremos no
Equador nossa própria transformação. Não temos nenhuma proximidade prática ou ideológica de
nenhuma natureza com Chávez.
O que acontece é que o jornal
"The Miami Herald" publicou há
dois anos notícias falsas de que
Chávez estaria financiando nosso
movimento com US$ 500 mil. São
pessoas que defendem os interesses dos bancos corruptos do
Equador e tratam de dizer que alguns problemas que podem existir na Venezuela aconteceriam
também no Equador. Fazem isso
com a finalidade de criar temor
em alguns setores da população e
evitar que eu seja presidente.
Folha - O sr. participou do levante
que provocou a saída do presidente Jamil Mahuad, em 2000. O sr.
considera que um golpe possa ser
legítimo em algumas ocasiões?
Gutiérrez - Claro. Na Constituição equatoriana, no artigo 4, parágrafo 6º, está claramente definido que o Equador reconhece o direito que os povos têm de se rebelar contra governos opressivos. E
você sabe que a corrupção, a injustiça social e a impunidade são
formas de opressão. Além disso,
95% dos equatorianos pediam a
saída de Mahuad. O país estava
um caos. Os indígenas haviam se
rebelado e haviam tomado Quito.
Havia 1,6 milhão de equatorianos
prejudicados pelos bancos corruptos, porque tiveram seus depósitos congelados, que ameaçavam incendiar as sedes dessas instituições. Os trabalhadores estavam em greve. Falava-se em guerra civil. Então nós, um grupo de
militares, que tínhamos ordem de
reprimir as manifestações, nos rebelamos e decidimos nos unir ao
povo, em vez de disparar contra o
povo. Achávamos que o povo tinha razão em se rebelar contra
um governo corrupto. O que
aconteceu em 21 de janeiro de
2000 não foi um golpe de Estado.
Foi uma rebelião civil à qual se
uniu um grupo de militares.
Folha - O sr. pretende manter a
dolarização da economia, determinada por Mahuad antes de cair?
Gutiérrez - Vamos manter e fortalecer a dolarização.
Folha - Como é possível manter a
competitividade das exportações
equatorianas com a dolarização?
Gutiérrez - É um desafio. Para isso temos de melhorar os bens e
serviços, reduzir os trâmites burocráticos, baixar as taxas de juros
e eliminar alguns impostos, para
que os empresários também tenham um estímulo para melhorar
a competitividade. É uma tarefa
difícil, mas é o mal menos doloroso para o povo equatoriano.
De outra maneira, poderia haver maxidesvalorizações, que são
a pior desgraça para a população
pobre do país. A dolarização foi
uma medida dolorosa que recebemos, mas não queremos chorar
sobre o leite derramado nem maldizer a escuridão. Queremos
acender a luz e dizer ao Equador:
"Vamos em frente". Não queremos lamentar coisas herdadas do
governo anterior.
Folha - O sr. vai buscar agora o
apoio dos demais candidatos derrotados no primeiro turno?
Gutiérrez - Já fiz um convite público a todos os outros candidatos
e a toda a sociedade equatoriana
para um grande consenso nacional. Sem consensos e acordos, o
Equador não é viável. Sempre deixei claro que não tomarei decisões
unilaterais. Todas as minhas decisões serão discutidas e aprovadas
pela maioria da sociedade.
Folha - Qual sua expectativa sobre a eleição no Brasil?
Gutiérrez - Receberíamos com
muita satisfação a eleição de Lula
da Silva. Tive a sorte de conversar
com ele quando fui convidado a
participar de um fórum no Brasil.
Acho que é uma opção diferente
para o Brasil. Espero que possa
conseguir, por meio de consensos, o que a maioria dos brasileiros quer para seu país.
Folha - E, nessa eventualidade,
Brasil e Equador poderiam se unir
em uma frente antiglobalização e
anti-EUA?
Gutiérrez - Poderíamos nos unir,
mas não contra os EUA. Não pretendo me opor a nenhum país.
Por quê? Simplesmente defenderemos nossas posições, de acordo
com os interesses do Equador. Os
países devem buscar acordos e
fortalecer suas relações, não causar problemas uns aos outros. Por
meio do diálogo, respeitando os
EUA e os EUA respeitando os demais países, podemos viver muito
mais tranquilos e pacificamente.
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