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REPRESSÃO
Argentina reúne os arquivos da ditadura
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
O governo argentino criou um
arquivo nacional com o objetivo
de reunir toda a documentação
sobre as vítimas da última ditadura militar no país (1976-83).
"É um passo a mais na luta que
estamos levando adiante, mas temos que saber o que aconteceu, o
que sucedeu em cada casa, em cada lugar, em cada centro de detenção", disse o presidente Néstor
Kirchner na cerimônia de apresentação do Arquivo Nacional da
Memória, na semana passada.
O decreto de criação do arquivo
obriga todos os órgãos do Poder
Executivo, assim como as Forças
Armadas e os serviços de segurança, a entregar, "de ofício e em
forma global, as informações, testemunhos e documentos" relacionados com violações de direitos humanos "em que esteja comprometida a responsabilidade do
Estado argentino" no período.
"Temos que acabar com a noção de que há lugares que são intocáveis. Nós argentinos queremos saber a verdade. As instituições onde aconteceram essas coisas são instituições da República
argentina e do Estado argentino e
a obrigação é saber o que aconteceu durante todo esse trágico
tempo", disse Kirchner.
Segundo ele, a criação do arquivo é uma resposta aos organismos
de direitos humanos, que haviam
"lutado fervorosamente durante
muitíssimo tempo" por uma entidade com esse objetivo.
A criação do arquivo, no entanto, não foi bem recebida por alguns desses organismos.
"Um arquivo sobre as vítimas
[da ditadura]? Sobre as vítimas já
sabemos tudo, estão feitas as denúncias. Bom seria um arquivo
sobre os repressores", criticou
Mercedes Meroño, vice-presidente da Associação das Mães da Praça de Maio.
"O que aconteceu com elas já
sabemos. Foram jogadas ao mar,
torturadas, violentadas. O que
queremos saber, se foram mortas
com um tiro na nuca ou no coração? O mais importante é que
quem matou esteja preso, não saber a forma como matou." Questionada se a reunião dos arquivos
ajudaria na investigação e na punição dos culpados, foi cética:
"Até aí vão estar todos mortos. Já
se passaram mais de 20 anos".
Militantes de direitos humanos
ouvidos pela Folha vêem também
com ceticismo o dispositivo do
decreto que obriga órgãos de segurança a disponibilizar os documentos que possuem.
"Nunca vão fazer isso", disse
uma militante. "É mais um anúncio do governo Kirchner para
apaziguar a esquerda", criticou.
O decreto não estipula prazos
nem condições para a entrega dos
documentos. Ademais, militantes
dizem que a capacidade do arquivo de reunir documentação é reduzida porque muitos dos papéis
foram destruídos quando os militares deixaram o poder, em 1983.
O problema é reconhecido dentro do governo. "Vai depender
muito da vontade e da consciência política de cada um que tenha
registro dos dados", admitiu uma
assessora da Presidência.
Não há previsão de quando o
arquivo estará funcionando com
pleno acesso público.
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