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AMÉRICA LATINA
Com imagem de "pouco sincero" e "gastador", analistas responsabilizam presidente por incerteza política
Fraqueza de Toledo agudiza crise no Peru
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
A economia do Peru cresceu
5,2% no ano passado, o melhor
resultado da América Latina, e deve crescer mais de 4% este ano.
Mas, segundo pesquisa do Instituto Apoyo do último dia 16, 85%
dos peruanos reprovam a gestão
do presidente Alejandro Toledo,
57. Apenas 11% a aprovam.
Como se explica um descompasso tão grande entre o bom desempenho econômico do país e a
baixíssima popularidade do governo? Para decifrar essa contradição, a Folha ouviu três respeitados profissionais peruanos.
A resposta foi unânime: o motivo central é o desgaste da imagem
do próprio Toledo, visto como
pouco sincero, gastador, desconectado das necessidades do cidadão e incapaz de liderar o país.
"Não há uma crise estrutural, o
que há é uma crise da pessoa do
presidente", afirmou Rossana
Echeandía, 41, editora de política
do jornal "El Comercio", um dos
mais importantes do país.
No início da semana, todo o ministério pediu demissão. O país
vive um momento de incerteza
política e de fortes rumores devido à dificuldade do presidente encontrar nomes para recompor o
governo.
Até o fechamento desta edição,
Toledo ainda não havia nomeado
os novos ministros.
A crise é tão aguda que já se discute a possibilidade do mandato
de Toledo, que termina em 2006,
não chegar ao fim. Outros sugerem que o presidente indique um
superministro para conduzir o
governo e passe a cumprir apenas
funções protocolares.
"Toledo perdeu a confiança da
população. Para a maioria, ele não
está à altura do cargo e não tem
autoridade", disse Guillermo Loli,
40, responsável pelas pesquisas
do Instituto Apoyo.
Diante da questão "O que o presidente Toledo deveria fazer para
gerar confiança e levantar sua popularidade?", 59% dos entrevistados escolheram, em primeiro lugar, a resposta "ser sincero, dizer a
verdade". Em segundo lugar, com
51%, veio a opção "diminuir seu
salário, ser austero". Em terceiro
lugar, com 48%, aparece a resposta "reconhecer seus erros, deixar
de culpar os outros". A pergunta
permitia que o entrevistado escolhesse mais de uma resposta.
"Algumas pessoas chegam ao
poder para mudar o país. Toledo
passa a impressão de que, depois
que chegou à Presidência, já conseguiu o que queria", diz o economista Hernando De Soto, 61.
O desgaste da imagem de Toledo tem origem na campanha eleitoral, quando o então candidato fez promessas que não tinha condições de cumprir, como, por
exemplo, a de dobrar o salário dos
professores do sistema público.
Quase dois anos passaram desde sua posse e, diante do não
cumprimento da promessa, os
professores peruanos desencadearam há algumas semanas uma
ampla greve que, aliada a protestos de rua de outros setores, levaram o governo a decretar Estado
de emergência por 30 dias.
"Toledo fala mais do que deveria. A cada dia que sai às ruas, promete algo novo", diz Echeandía.
Paternidade negada
Outro episódio que contribuiu
para construir a imagem de um
presidente pouco sincero foi a relutância de Toledo em reconhecer
a paternidade de Zaraí, sua filha
nascida de um relacionamento
fora do casamento, nos anos 80.
Ele só reconheceu a paternidade
diante da ameaça da Justiça de
forçá-lo a realizar um exame de
DNA, e após Zaraí realizar uma
campanha em defesa de seus direitos. Apesar de Toledo ter negado diversas vezes ser pai da menina de 14 anos, as pesquisas mostravam que 80% dos peruanos
achavam ele estava mentindo.
No último dia 10, Toledo protagonizou mais um episódio que arranhou sua imagem.
O presidente anunciou, com
alarde, a libertação de 60 trabalhadores da empreiteira argentina
Techint que haviam sido sequestrados dois dias antes na selva peruana, possivelmente por membros do Sendero Luminoso (um
dos mais violentos grupos rebeldes da América Latina nos anos
80, mas com sua força reduzida
desde 1992).
Entretanto, informações posteriores colocaram em dúvida a versão oficial e, embora não haja
confirmação, acredita-se que os
reféns tenham sido libertados
após pagamento de resgate.
Gastador
Já a fama de gastador começou a
se construir logo após a posse,
quando Toledo aumentou seu
próprio salário para US$ 18 mil
mensais (cerca de R$ 52 mil),
num país onde cerca de 50% da
população vive abaixo da linha de
pobreza.
Diante da repercussão negativa,
Toledo já foi forçado a reduzir seu
salário em duas oportunidades.
No Brasil, o salário do presidente
é de R$ 8.883,45.
Toledo também é criticado por
emendar feriados e viajar para o
litoral norte do Peru, conhecido
pelas praias paradisíacas frequentadas pela elite do país. "Esse tipo
de atitude pode não ter importância em termos reais, mas não é o
que as pessoas querem ver", diz a
editora do "El Comercio".
Há poucos dias, envolveu-se em
nova polêmica ao decidir viajar
aos EUA para discursar, como ex-aluno, na cerimônia de encerramento do ano letivo da Universidade Stanford, na Califórnia.
A viagem não agradou por ter
um caráter estritamente pessoal
num momento em que o país vive
uma crise política. Para piorar as
coisas, Toledo insistiu em usar o
avião presidencial apesar de o
Congresso ter determinado que
ele deveria viajar em avião comum, pagando as despesas.
"Toledo perdeu a conexão com
a população", diz Loli, do Instituto Apoyo. "Se o presidente Lula
[Luiz Inácio Lula da Silva] for a
um estádio de futebol, será aplaudido. Toledo não pode fazer isso."
Mas o "calvário" de Toledo não
termina aí. Sua falta de pontualidade é motivo de piada em Lima.
Quando alguém atrasa para um
compromisso, diz-se que funciona de acordo com a "hora Cabana", em referência ao local onde
nasceu o presidente.
Outro lado
A Folha telefonou para a Embaixada do Peru em Brasília na última quinta-feira e pediu uma entrevista com o embaixador sobre
a crise política no Peru e o presidente Toledo. A resposta foi que o
representante do Peru não responderia às perguntas do jornal.
A reportagem também entrou
em contato com o escritório de
imprensa do Palácio do Governo,
em Lima, solicitando uma conversa com o porta-voz do presidente. Segundo o chefe de informação da Presidência, Sergio
Carrasco, não havia ninguém para comentar questões relativas à
imagem presidencial.
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