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AMÉRICA LATINA
Para economista, grande parte da população não é afetada pelos resultados econômicos e sente falta de um líder
Peruano não sente crescimento, diz De Soto
DA REDAÇÃO
A população peruana, em grande parte alijada da economia formal, não sente os efeitos positivos
do crescimento e não identifica
no presidente Alejandro Toledo
um líder capaz de traçar um rumo
para o país. É o que diz o economista peruano Hernando De Soto, 61, diretor do Instituto da Liberdade e Democracia, em Lima.
"Para que as pessoas tenham
otimismo, precisam sentir que o
governo está abrindo uma estrada. Toledo não tem um plano",
afirmou à Folha.
De Soto é um dos economistas
mais respeitados do momento no
mundo, principalmente devido às
teses defendidas no livro "O Mistério do Capital" (edit. Record,
308 páginas, 2001), no qual ele
sustenta que o caminho para melhorar a vida dos mais pobres nos
países em desenvolvimento é a legalização de suas propriedades.
Segundo De Soto, o patrimônio
imobiliário dos pobres é um "capital morto" porque não tem documentação formal e não pode
ser usado em transações legais,
como, por exemplo, como garantia em empréstimos bancários.
De Soto foi assessor do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), mas pediu demissão na
época do autogolpe (1992). Por
meio de seu instituto, assessora
governos de diversos países, entre
eles o do presidente Vicente Fox,
no México.
(OD)
Folha - A economia peruana está
crescendo cerca de 5% desde o ano
passado. Por que o presidente Toledo não está sendo capaz de capitalizar essa boa notícia?
Hernando De Soto - Em primeiro
lugar, não há um sentimento de
que ele seja o pai do crescimento.
Ninguém realmente atribui a ele o
crescimento, mas à manutenção
de políticas macroeconômicas
que já haviam sido implementadas no começo dos anos 90. Em
segundo lugar, os bons números
macroeconômicos não são sentidos pelos cidadãos nas ruas. O setor informal é muito grande. Para
as pessoas que estão fora do sistema formal, muitas das medidas
do governo, boas ou más, não têm
efeito direto. Só sentirão se o governo asfaltar uma rua, oferecer
água tratada. Finalmente, os peruanos sentem a necessidade de
um líder que tenha um rumo claro. Toledo não sabe o que quer,
não consegue se comunicar, e
mesmo que tente fazer isso, quase
90% dos peruanos dizem que não
acreditam nele.
Folha - Não é muito simplista dizer que as pessoas comuns não sentem o crescimento? Se não houvesse crescimento, seria muito pior.
De Soto - Para que as pessoas tenham otimismo, precisam sentir
que o governo está abrindo uma
nova estrada. Toledo não tem um
plano. Além disso, do ponto de
vista das pessoas mais pobres, a
situação não está melhor, mas
pior. Até mesmo nos EUA, 75%
de todos os novos negócios começam a partir da obtenção de algum tipo de crédito tendo como
garantia uma propriedade: imóveis, terras ou máquinas. A liquidez começa por aí. No Peru, o custo de obter um papel para comprovar uma propriedade dobrou
desde que Toledo chegou ao poder. Em média, uma pessoa leva
145 dias para colocar seus papéis
em ordem. O governo Toledo não
deu atenção a um aspecto importante do subdesenvolvimento,
que é o custo da legalidade ou da
legalização. E isso aconteceu como resultado de uma série de medidas cujo objetivo era a descentralização. Mas não se calculou o
custo-benefício dessas medidas. É
muito fácil dizer "prefeitos devem
ter mais poder, comunidades indígenas devem ter mais autonomia". Autonomia significa que o
cidadão não receberá mais água
tratada da autoridade central. Reduzir o tamanho do Exército pode ser bom, mas, se isso acontece
numa região de selva onde há presença do Sendero Luminoso, os
terroristas ocupam mais espaço.
Toledo não tem experiência em
administração, não compreende
as consequências de suas ações. O
resultado de suas medidas, grosso
modo, foi trazer mais inconveniências à vida das pessoas comuns.
Folha - Um problema dos países
latino-americanos é a dificuldade
de os governantes entregarem à
população, no prazo de seus mandatos, ao menos parte das promessas que fizeram quando candidatos. Como resolver esse dilema?
De Soto - O problema de qualquer político em qualquer lugar
do mundo é administrar as expectativas. Muitas das coisas só são
possíveis a médio ou a longo prazo. O chefe de Estado precisa ter
capacidade de dizer: "Prometi
quatro coisas básicas. Informarei
vocês sobre como elas estão progredindo e como mudarão a vida
de vocês no futuro". No Peru, não
há nenhuma informação sobre o
que está acontecendo a longo prazo. Com exceção do ajuste fiscal,
da estabilidade da moeda, do
crescimento econômico, não há
mais nada. Toledo inaugura parte
de uma estrada aqui, parte de um
hospital lá, mas não há uma tendência de longo prazo. Não há um
rumo. Nos anos 80, o Peru não
cresceu. Nos anos 90, cresceu em
média 4,5%, apesar do terrorismo
e dos descalabros do governo Fujimori. Havia uma tendência clara
na direção de uma economia de
mercado, de mais investimento
privado, o país caminhava por
uma estrada específica. Hoje, a
sensação é de que não há governo.
Folha - O sr. diz que as pessoas
sentem falta de uma liderança forte, como a de Fujimori?
De Soto - As pessoas fazem uma
distinção. Elas não sentem falta de
Fujimori, cujo governo terminou
em frangalhos, mas sentem falta
de liderança. Num país como o
Peru, com instituições deficientes,
é importante um presidente que
leve as coisas adiante, que conduza uma boa equipe, que determine rumos. Qualquer país em desenvolvimento precisa de uma
pessoa que saiba o que quer. Isso
não significa autoritarismo.
Folha - O sr. vê, portanto, um problema na personalidade de Toledo
como origem da crise no Peru?
De Soto - Sim. Algumas pessoas
chegam ao poder para mudar o
país. Toledo passa a impressão de
que, depois que chegou à Presidência, já conseguiu o que queria.
Ele chegou ao poder para ser presidente e quer desfrutar. Transmite uma sensação de frivolidade.
Perde muito tempo no círculo dos
coquetéis, da badalação. Tira férias muito longas, é conhecido
por chegar duas horas atrasado
em seus compromissos. E mente,
mente abertamente. Disse que havia sido empregado do Banco
Mundial. Não havia. Que era professor da Universidade Harvard.
Não era. Mentiu sobre a paternidade de sua filha. Pequenas coisas. Na política, a mentira é mais
letal do que qualquer outra coisa.
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