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REINO UNIDO
Mulheres-bombas, submissão feminina e islamismo fazem o repertório da humorista britânica Shazia Mirza
Muçulmana faz humor do terror em Londres
LEONARDO CRUZ
DA REDAÇÃO
Típica muçulmana, a britânica
Shazia Mirza, 27, ora todos os dias
em direção a Meca, não bebe, não
fuma e usa o hijab, véu tradicional
que cobre os cabelos, parte do
rosto e os ombros. Outro hábito,
no entanto, a diferencia das demais muçulmanas: quase todas as
noites, ela sobe ao palco de alguma casa de espetáculos e diz: "Boa
noite. Meu nome é Shazia Mirza.
Ao menos, é isso o que está escrito
na minha licença de piloto de
avião".
Shazia é um caso singular no
circuito humorístico britânico,
majoritariamente masculino. É a
única comediante muçulmana
em cena em seu país e provavelmente a única no mundo a se
apresentar com o hijab. Seu sucesso no Reino Unido começou
alguns meses após o 11 de Setembro, quando transformou o terrorismo em um dos temas de seus
shows, arrancando risos da platéia com frases como: "Não se
preocupe, senhor. Não vou explodi-lo". "Percebi que as pessoas
viam graça em ouvir uma muçulmana fazendo piadas sobre terrorismo. Atraí pelo inusitado", afirmou Shazia, em entrevista por telefone à Folha.
Além do "humor suicida", a comediante aborda aspectos da cultura muçulmana dos quais discorda e faz troça sobre as restrições às mulheres. "Estou muito
feliz de estar aqui, porque meu pai
deixou que eu saísse de casa à noite. Mas não vou demorar. Ele acha
que isto aqui é uma biblioteca",
costuma dizer também no começo de seus espetáculos.
Esse estilo chamou a atenção da
mídia britânica, especialmente
após Shazia ser escolhida, em
2001, a revelação do Festival de
Comédia de Londres, o principal
do gênero no país. Após uma turnê pelo Reino Unido, já em 2002,
ela foi convidada para uma apresentação especial de "Os Monólogos da Vagina", de Christie Tiller,
no Royal Albert Hall. "Precisavam de um depoimento de uma
vagina muçulmana", Shazia justifica.
No fim do ano passado, escreveu e apresentou na rede britânica BBC o show "Dez Coisas Que
Você Sempre Quis Saber sobre o
Islã (Mas Tinha Medo de Perguntar)". Neste ano, levou seu espetáculo a Alemanha, França, Holanda, Bélgica e Dinamarca. E, no
mês passado, apresentou-se no
Comic Strip, um dos principais
palcos de Nova York para comediantes, por onde já passaram Eddie Murphy e Jerry Seinfeld.
Origens
Filha de paquistaneses radicados em Birmingham, Shazia cresceu em uma família muçulmana
de crenças rigorosas. Não podia
sair de casa à noite, usar saias curtas ou namorar. Durante a adolescência, tomou gosto pelo teatro
em peças na escola. Descobriu
que tinha talento para provocar
risos, mas foi proibida de continuar a atuar.
Seu pai, um vendedor de carros,
queria que ela tivesse uma "profissão decente" para arrumar um
marido. Para atender esses desejos, Shazia graduou-se em bioquímica pela Universidade de Manchester e tornou-se professora de
ciências em uma escola londrina.
Com o salário de professora, a
jovem voltou a estudar interpretação, sem contar nada à família.
"Tive de estudar teatro em segredo, para evitar problemas em casa", relembra a humorista, que
começou a se apresentar profissionalmente em meados de 2000.
Shazia relata que hoje em dia
sua família aceita sua profissão,
mas ainda há membros da comunidade muçulmana que reprovam seu trabalho. "Já recebi algumas ameaças. São fundamentalistas que acreditam que eu não devia fazer o que faço por ser mulher", diz.
Ela conta que, durante um espetáculo em Londres, teve o palco
invadido por três homens que a
acusavam de ser "desgraça para o
Islã". Em uma apresentação na
Dinamarca, ganhou a companhia
de dois guarda-costas, depois de
ter recebido mensagens de que seria morta se pusesse os pés no palco.
Ela afirma que tais reações são
descabidas e que nunca desrespeitou o islamismo. "É a minha
religião, jamais iria negá-la ou
transgredi-la", sustenta Shazia,
acrescentando que nunca faz piadas sobre o Alcorão. Mas ela não
vê problemas em relatar às suas
platéias o resultado de sua peregrinação à Meca:
"Estava fazendo minhas orações, quando senti uma mão no
meu traseiro. Disse a mim mesma: "Shazia, este é um lugar sagrado. Deve ser a mão de Deus".
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