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SUCESSÃO NOS EUA / MAR DE LAMA
Grupos sujam mãos por candidatos
Barack Obama e John Mccain tentam afastar seus nomes dos de produtores de anúncios negativos
Ainda assim, dois filmes publicitários prejudiciais tanto ao democrata quanto ao republicano já estão no ar nas televisões americanas
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Uma jovem mãe, com um bebezinho no colo, conversa com
a câmera. "Olá, John McCain.
Este é Alex, meu primeiro filho.
Até agora, seus talentos incluem colocar tudo o que vê na
boca e perseguir nosso cachorro. Isso e fazer meu coração disparar a cada vez que eu olho para ele. Então, John McCain,
quando você diz que poderia
deixar as tropas no Iraque por
cem anos, você estaria contando com o Alex? Porque, se estava, ele não está à disposição."
Corta.
Uma câmera mostra uma
parte pobre de Chicago. A locutora relembra casos de jovens
mortos em brigas de gangue em
2001 na cidade. "Naquele ano,
um jovem senador estadual
chamado Barack Obama votou
contra aplicar a pena de morte
contra membros de gangues.
Quando chegou a hora de ser
duro, Obama preferiu ser fraco.
A pergunta é: podemos acreditar que um homem tão fraco na
guerra contra gangues será forte na guerra ao terror?"
O primeiro anúncio está no
ar nacionalmente na TV aberta
e é bancado pelo grupo progressista MoveOn, que apóia o
democrata Barack Obama. O
segundo está no ar em algumas
emissoras de TV paga e foi feito
pelo grupo conservador ExposeObama, do produtor de comerciais políticos Floyd
Brown, que apóia o senador republicano John McCain.
Ambos os candidatos à sucessão de George W. Bush têm
dito que esta será uma campanha limpa, em que ataques pessoais e anúncios negativos não
terão lugar. "Nós estamos vivendo talvez a campanha presidencial mais positiva de nossa
geração", disse Obama em entrevista exibida pelo canal pago
Fox Business na quinta-feira,
ecoando seu oponente.
Pode ser verdade. Mas, se os
dois se dão ao luxo de não colocar os pés na lama, é por conta
de grupos como o MoveOn e o
ExposeObama, agremiações
que não são ligadas diretamente às campanhas, mas arrecadam, gastam dinheiro e trabalham em benefício dos candidatos com os quais se identificam. São os chamados PACs e
527 [leia glossário nesta página], que seguem regras diferentes, mas têm objetivo igual: fazer o trabalho sujo por eles.
Distorções
Ao sair em defesa de seus
candidatos na disputa pela eleição presidencial de 4 de novembro, essas pistolas de aluguel costumam tomar liberdade com os fatos. McCain não
disse que manteria os soldados
no Iraque por cem anos, como
afirma a mãe democrata. Mesmo que tivesse, ele só poderia
ficar no poder até 2016, quando
o pequeno Alex terá 9 anos.
Além disso, o serviço militar
não é obrigatório nos EUA.
Já o grupo de apoio ao republicano esquece de dizer que,
quando alguns dos crimes citados ocorreram, a lei já havia sido votada e políticos de ambos
os partidos a consideravam discriminatória, pois o Estado de
Illinois já previa a pena de morte para casos de assassinato, independentemente de seu autor
fazer parte de uma gangue.
O autor da última peça é justamente Floyd Brown, um dos
nomes mais conhecidos na publicidade negativa nos EUA,
que a Folha achou em trabalho
de campo no Havaí. O trabalho
é solitário e malvisto. Os candidatos tentam desvincular a
imagem pública dessas agremiações e da forma que agem.
"Soft money"
Ao anunciar na semana passada que recusaria os US$ 84
milhões do financiamento público -uma instância criada na
esteira do escândalo de Watergate, nos anos 70, pela qual o
governo repassa dinheiro até
aquele limite ao candidato que
abrir mão da arrecadação própria-, Obama citou os PACs e
os 527 como parte da razão.
Só com a verba pública, argumentou o democrata, ele não
conseguiria bater o oponente
republicano, pois o partido da
situação usaria o chamado "soft
money", dinheiro arrecadado
por esses grupos, que, por uma
brecha na legislação eleitoral
local, não precisam respeitar limite de doação. McCain respondeu que não disputava para
ser "árbitro" de ninguém.
Ambos falaram meias-verdades. Obama teme a ação dos
grupos, que conseguiram prejudicar pelo menos dois candidatos presidenciais democratas -o senador John Kerry, em
2004, e o então governador Michael Dukakis, em 1988. Mas
também não queria abrir mão
de sua incrível máquina arrecadadora, que deve bater o meio
bilhão de dólares até o pleito de
novembro.
Já McCain sabe que para sair
da lanterna nas pesquisas de intenção de voto nacionais, em
que hoje aparece entre 7 e 15
pontos percentuais atrás do
oponente, terá de contar com
tais grupos, tão eficientes que
até um verbo derivado da ação
de um deles foi criado: o neologismo "swiftboating", usar
anúncio negativo distorcido
para prejudicar candidatos.
Não foi por outro motivo que
a campanha de Obama montou
um esquadrão antiinfâmia, que
tenta responder em minutos a
alegações e acusações contra o
candidato. Na última semana, o
democrata ainda pediu que
grupos 527 ligados a seu partido se eximissem dessas eleições para mantê-las "limpas".
Um dos que disse que estava
desfazendo seu comitê a pedido
do candidato foi o MoveOn. O
mesmo que depois colocaria no
ar o comercial do bebê Alex.
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