São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SUCESSÃO NOS EUA / MAR DE LAMA

Grupos sujam mãos por candidatos

Barack Obama e John Mccain tentam afastar seus nomes dos de produtores de anúncios negativos

Ainda assim, dois filmes publicitários prejudiciais tanto ao democrata quanto ao republicano já estão no ar nas televisões americanas

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Uma jovem mãe, com um bebezinho no colo, conversa com a câmera. "Olá, John McCain. Este é Alex, meu primeiro filho.
Até agora, seus talentos incluem colocar tudo o que vê na boca e perseguir nosso cachorro. Isso e fazer meu coração disparar a cada vez que eu olho para ele. Então, John McCain, quando você diz que poderia deixar as tropas no Iraque por cem anos, você estaria contando com o Alex? Porque, se estava, ele não está à disposição."
Corta.
Uma câmera mostra uma parte pobre de Chicago. A locutora relembra casos de jovens mortos em brigas de gangue em 2001 na cidade. "Naquele ano, um jovem senador estadual chamado Barack Obama votou contra aplicar a pena de morte contra membros de gangues. Quando chegou a hora de ser duro, Obama preferiu ser fraco. A pergunta é: podemos acreditar que um homem tão fraco na guerra contra gangues será forte na guerra ao terror?"
O primeiro anúncio está no ar nacionalmente na TV aberta e é bancado pelo grupo progressista MoveOn, que apóia o democrata Barack Obama. O segundo está no ar em algumas emissoras de TV paga e foi feito pelo grupo conservador ExposeObama, do produtor de comerciais políticos Floyd Brown, que apóia o senador republicano John McCain.
Ambos os candidatos à sucessão de George W. Bush têm dito que esta será uma campanha limpa, em que ataques pessoais e anúncios negativos não terão lugar. "Nós estamos vivendo talvez a campanha presidencial mais positiva de nossa geração", disse Obama em entrevista exibida pelo canal pago Fox Business na quinta-feira, ecoando seu oponente.
Pode ser verdade. Mas, se os dois se dão ao luxo de não colocar os pés na lama, é por conta de grupos como o MoveOn e o ExposeObama, agremiações que não são ligadas diretamente às campanhas, mas arrecadam, gastam dinheiro e trabalham em benefício dos candidatos com os quais se identificam. São os chamados PACs e 527 [leia glossário nesta página], que seguem regras diferentes, mas têm objetivo igual: fazer o trabalho sujo por eles.

Distorções
Ao sair em defesa de seus candidatos na disputa pela eleição presidencial de 4 de novembro, essas pistolas de aluguel costumam tomar liberdade com os fatos. McCain não disse que manteria os soldados no Iraque por cem anos, como afirma a mãe democrata. Mesmo que tivesse, ele só poderia ficar no poder até 2016, quando o pequeno Alex terá 9 anos. Além disso, o serviço militar não é obrigatório nos EUA.
Já o grupo de apoio ao republicano esquece de dizer que, quando alguns dos crimes citados ocorreram, a lei já havia sido votada e políticos de ambos os partidos a consideravam discriminatória, pois o Estado de Illinois já previa a pena de morte para casos de assassinato, independentemente de seu autor fazer parte de uma gangue.
O autor da última peça é justamente Floyd Brown, um dos nomes mais conhecidos na publicidade negativa nos EUA, que a Folha achou em trabalho de campo no Havaí. O trabalho é solitário e malvisto. Os candidatos tentam desvincular a imagem pública dessas agremiações e da forma que agem.

"Soft money"
Ao anunciar na semana passada que recusaria os US$ 84 milhões do financiamento público -uma instância criada na esteira do escândalo de Watergate, nos anos 70, pela qual o governo repassa dinheiro até aquele limite ao candidato que abrir mão da arrecadação própria-, Obama citou os PACs e os 527 como parte da razão.
Só com a verba pública, argumentou o democrata, ele não conseguiria bater o oponente republicano, pois o partido da situação usaria o chamado "soft money", dinheiro arrecadado por esses grupos, que, por uma brecha na legislação eleitoral local, não precisam respeitar limite de doação. McCain respondeu que não disputava para ser "árbitro" de ninguém.
Ambos falaram meias-verdades. Obama teme a ação dos grupos, que conseguiram prejudicar pelo menos dois candidatos presidenciais democratas -o senador John Kerry, em 2004, e o então governador Michael Dukakis, em 1988. Mas também não queria abrir mão de sua incrível máquina arrecadadora, que deve bater o meio bilhão de dólares até o pleito de novembro.
Já McCain sabe que para sair da lanterna nas pesquisas de intenção de voto nacionais, em que hoje aparece entre 7 e 15 pontos percentuais atrás do oponente, terá de contar com tais grupos, tão eficientes que até um verbo derivado da ação de um deles foi criado: o neologismo "swiftboating", usar anúncio negativo distorcido para prejudicar candidatos.
Não foi por outro motivo que a campanha de Obama montou um esquadrão antiinfâmia, que tenta responder em minutos a alegações e acusações contra o candidato. Na última semana, o democrata ainda pediu que grupos 527 ligados a seu partido se eximissem dessas eleições para mantê-las "limpas".
Um dos que disse que estava desfazendo seu comitê a pedido do candidato foi o MoveOn. O mesmo que depois colocaria no ar o comercial do bebê Alex.


Texto Anterior: Paquistão: Exército ataca Taleban, e líder do grupo suspende diálogo
Próximo Texto: "Scorsese" dos ataques investiga Obama no Havaí
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.