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O GENERAL
Tommy Franks, comandante da coalizão, lutou no Vietnã, na Guerra do Golfo, mas fracassou ao deixar Bin Laden escapar do Afeganistão
O senhor da guerra
PETER SPIEGEL
DO "FINANCIAL TIMES"
Quando raiou o dia em 10 de janeiro de 1968, um pelotão de reconhecimento dos EUA saiu de sua
base em Bin Phuoc, uma aldeia no
delta do rio Mekong, no Vietnã,
em missão de "busca e destruição". Horas depois, os soldados
acharam uma série de casamatas,
construídas há no máximo um ou
dois dias, e placas alertando os
moradores de que havia minas ali.
O pelotão destruiu oito das casamatas e pediu ao soldado Gary
Parker, o observador avançado de
artilharia que os acompanhava,
que ordenasse disparos de canhões para destruir eventuais restos de explosivos. O oficial encarregado da direção de tiro era o segundo-tenente Tommy R.
Franks, um texano alto que fora
enviado a Binh Phuoc apenas alguns meses antes, depois de se
formar na escola de oficiais de artilharia em Fort Sill, Oklahoma.
"Ele tinha 22 anos, era um rapagão do campo, sempre mascando
tabaco", relembra Charlie Taylor.
O tenente Franks ordenou que o
primeiro canhão disparasse. O
projétil atravessou o telhado de
um casebre de camponeses vietnamitas e matou Le Thi Dep, 27, e
seus dois filhos, Bui Van Chay, 4, e
Bui Van Chan, 12. Mais três crianças saíram feridas.
Uma investigação revelou que
não houve erro de Franks. O engano foi do observador avançado.
Hoje, Franks é o general da
guerra contra o Iraque. Mas, como muitos oficiais de sua geração,
parece ter levado a sério as lições
do Vietnã. A principal dentre elas
é o impacto que as baixas civis, especialmente as transmitidas para
as salas de estar no país de origem,
podem ter sobre o apoio interno e
internacional a uma guerra.
Country, motos e caçadas
Foi uma ascensão longa e ocasionalmente difícil para o general
Franks, dos pântanos do Mekong
ao comando de todas as Forças
norte-americanas em 25 países do
Oriente Médio e da Ásia Central
que fazem parte do território coberto pelo Comando Central norte-americano. O general não se
formou em uma das poucas academias militares de prestígio, o
pináculo das quais é West Point.
Em vez disso, fez o
curso de treinamento
para oficiais, em 1967.
Franks abandonou a
Universidade do Texas aos 20 anos para se
alistar no Exército como soldado raso. O
pai, um mecânico,
transferira sua família
de Wynnewood, Oklahoma, para Midland,
Texas, quando ele era
bebê. Sua carreira acadêmica não resultou
em grandes distinções,
exceto se formar na escola de 2º grau de Midland um ano antes de
Laura Welch, que mais
tarde se casaria com
George W. Bush.
Mais ou menos como o presidente, o general cultiva a imagem
de um sujeito simples do Texas,
que gosta de música country, caçadas e motocicletas, em lugar
dos passatempos intelectuais
adotados pelos líderes militares
mais novos, como o general John
Keane, o favorito para o posto de
chefe do Estado-Maior do Exército na próxima promoção. "Keane
gosta de ir à ópera", diz um antigo
funcionário do Pentágono que
trabalhou com os dois. "Tommy
Franks não sabe soletrar ópera."
Mas, sob essa aparente falta de
pretensão, dizem antigos colegas,
residem uma mente aguçada e
uma ambição que contradizem o
aspecto humilde. "Essa história
de "eu sou só um caipira do Texas"
não cola", diz o general reformado David Ohle, que trabalhou em
estreito contato com Franks.
Quando Saddam Hussein invadiu o Kuait, em 1990, ele fora promovido a general de brigada e estava servindo com a 1ª Divisão de
Cavalaria, a insígnia que continua
a usar em seu uniforme.
Como subcomandante da 1ª Divisão de Cavalaria, a responsabilidade principal do general eram as
manobras da unidade, uma missão fortuita, porque a 1ª Divisão
de Cavalaria manobrou muito
durante a Guerra do Golfo de
1991, mas se limitou a isso.
As manobras culminaram com
o famoso "gancho de esquerda"
do general Norman Schwarzkopf,
no qual quatro divisões blindadas
tomaram o Exército iraquiano de
surpresa. "Sun Tzu disse 2.500
anos atrás que um general deveria
avançar por rotas inesperadas e
atacar os pontos desprotegidos",
escreveu mais tarde o general
Franks. "Foi o que fizemos. O plano era uma obra-prima."
Mas o feito mais impressionante de Franks veio depois. O general Gordan Sullivan, chefe do Estado-Maior do Exército depois da
Guerra do Golfo, escolheu-o para
uma missão que considerava crucial para o futuro do Exército:
adaptá-lo ao mundo digital. Sullivan compreendeu que a Guerra
do Golfo demonstrara que o Exército dos EUA, que se preparara
durante 50 anos para uma nova
guerra terrestre na Europa, era
grande e lento demais para chegar
rapidamente aos pontos problemáticos do mundo. Ele queria
empregar tecnologias emergentes
para tornar o Exército mais rápido, e selecionou um general jovem para a tarefa.
Foi uma escolha estranha. O general Franks é até hoje encarado
como membro da velha-guarda
do Exército, preso às tradições e
às doutrinas da Guerra Fria. Mas
aqueles que serviram com ele no
período dizem que foi uma escolha perfeita para o posto. "Eles
eram pensadores avançados, mas
não intelectuais", diz o general
Stroup. "Continuavam a ser soldados com lama nas botas."
Franks se tornou bastante conhecido entre os líderes de primeiro escalão da força, ao mantê-los informados sobre o progresso
do programa, do qual se saiu muito bem. Depois, a carreira do general disparou.
Quando ele chegou ao Comando Central, o comandante-em-chefe era o general Anthony Zinni, um conhecedor da história islâmica e leitor de poesia.
A despeito dos contrastes, os
dois se deram bem, de acordo
com a maioria dos relatos. O general Franks aprendeu muito sobre a região e sobre o fato de que o
"Cincdom", o apelido dado aos 25
países que estavam na área de interesse do Comando Central, requer tanto um diplomata quanto
um guerreiro. Quando o período
de Zinni à frente do comando expirou, em 1999, ele recomendou
vigorosamente que Franks fosse
apontado como seu sucessor.
Quando os dois aviões explodiram o World Trade Center em 11
de setembro de 2001, o general
Franks estava dormindo em um
hotel em Creta, a caminho do Paquistão. Ao ver o colapso na TV, o
general pronunciou três iniciais,
UBL, a maneira pela qual o governo se refere a Osama bin Laden.
De lá para cá, o desempenho de
Franks à frente do Comando Central tem sido controverso. O general foi selecionado por sua capacidade como comandante de um
campo de batalha tradicional.
Mas, por insistência de Donald
Rumsfeld, o secretário da Defesa,
a guerra no Afeganistão e o conflito no Iraque se apóiam no poderio aéreo e uso de forças especiais.
O plano de guerra inicialmente
apresentado por Franks a Rumsfeld era parecido com a estratégia
da Guerra do Golfo, com quatro
ou cinco divisões pesadas do
Exército avançando até que Bagdá pudesse ser capturada. Rumsfeld devolveu o plano a Franks
duas ou três vezes para revisão.
No papel, as forças agora concentradas contra Saddam -250
mil soldados- se assemelham ao
plano original. Mas só há uma divisão pesada do Exército, a 3ª de
Infantaria, envolvida na invasão.
A única outra unidade blindada
pesada presente é a 7ª Brigada
Blindada britânica. Os demais
soldados são Fuzileiros Navais e
Infantaria leve, um grande volume de unidades aéreas e milhares
de efetivos das forças especiais.
"O que Rumsfeld e Franks não
apreciam um no outro é que eles
são uma imagem invertida", diz
Loren Thompson, analista militar
do Lexington Institute. "Rumsfeld provavelmente acredita que
Franks é pouco imaginativo, e
Franks provavelmente acredita
que Rumsfeld é pouco realista."
Além disso, Rumsfeld tem tratado o Exército liderado por
Franks com dureza. O único
grande sistema de armas cuja
produção o secretário da Defesa
cancelou é o Crusader, um veículo blindado de artilharia de 40 toneladas que ele encarava como a
epítome do velho e lento Exército.
Fracassos no Afeganistão
A despeito da reputação do general Franks como inovador, as
unidades das demais Forças Armadas que servem sob seu comando se queixam de que ele não
compreende as capacidades
transformadoras dos ataques aéreos de precisão. Pessoas próximas à Força Aérea dizem que não
é coincidência que os dois generais da Aeronáutica que ajudaram
Franks a dirigir a campanha aérea
no Afeganistão tenham sido afastados do Comando
Central.
"Muitos dos líderes
militares mais importantes no Pentágono,
especialmente os da
Força Aérea, não têm
grande confiança nele
[Franks"", disse um
oficial reformado. "Os
comandantes da Força
Aérea estavam muito
insatisfeitos no conflito do Afeganistão.
Muita gente na Aeronáutica diz que ele perdeu muitos alvos no
começo."
Acredita-se que Bin
Laden e outros líderes
da Al Qaeda tenham
escapado de Tora Bora
durante o ataque. A outra batalha
importante da guerra, a Operação
Anaconda, também não obteve
sucesso na captura de grandes números de combatentes do Taleban e da Al Qaeda. "Se você estudar Tora Bora e a Operação Anaconda, verá os mesmos líderes tomando decisões agora e naquele
fiasco", diz um oficial reformado.
A decisão, no mês passado, de
indicar o general John Abizaid,
arabista educado em Harvard e
visto como um astro em ascensão
no Exército, para o posto de subcomandante de Franks foi vista
como uma maneira de inserir um
oficial de pensamento menos
convencional no comando.
Há outras queixas contra
Franks. Ele é acusado de violar os
procedimentos de segurança ao
permitir que sua mulher assistisse
a reuniões altamente secretas.
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