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CONFRONTO
Para Negri, autor de "Império", guerra foi golpe de Estado contra outros países dominantes
"EUA fogem da lógica do império"
A guerra não só
não é legítima;
ela também não
é suficiente para
erguer uma nova
ordem mundial.
Não há consenso
sobre o conflito.
Os EUA se
movem fora da legitimidade imperial
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Ao atacar o Iraque, os EUA escaparam à lógica que deve nortear
o império, diz o filósofo italiano
Toni Negri, o mais debatido pensador da esquerda européia.
Em entrevista à Folha, ele define
como "golpe de Estado" a decisão
de ir à guerra mesmo sem o aval
da ONU. "O Iraque é um pretexto
para confrontar a Europa", afirma Negri, 70, em entrevista por
telefone de sua casa, em Roma.
Sua teoria foi exposta no livro
"Império", escrito em parceira
com Michael Hardt. A obra se tornou uma espécie de "bíblia" para
contestar a ordem mundial.
Para Negri, que foi ligado ao
grupo terrorista Brigadas Vermelhas nos anos 70, a idéia de império abarca, evidentemente, os
EUA, mas é mais ampla que isso.
"O conceito de império se caracteriza principalmente pela falta
de fronteiras", diz
no livro. Daí seu
estranhamento
pela posição americana, como explica a seguir.
Folha - Em "Império", o sr. diz que
a legitimação da
ordem imperial
não se baseia apenas na força militar, mas também
na produção de
normas jurídicas
internacionais duradouras. Com o
que ocorreu na
ONU, o que será
dessa legitimação?
Toni Negri - Este foi evidentemente um golpe de Estado contra
as outras forças que fazem parte,
de forma multilateral, deste império. O poder monárquico dos
EUA se opôs às posições dos outros países do mundo.
Folha - Seu livro é de 2000, e creio
que o sr. já fez reflexões sobre como os atentados terroristas, a doutrina Bush e esta guerra no Iraque
se encaixam em sua teoria. Como
seria essa continuação?
Negri - O problema fundamental hoje é considerar que a guerra,
como está estabelecida pela potência americana, não só não é legítima, mas também não é suficiente para erguer uma ordem
mundial.
Os EUA não podem pagar a
guerra. Não há consenso internacional para ela. Os EUA estão se
movendo fora da legitimidade
imperial. E, com toda a probabilidade, movem-se também fora de
sua Constituição.
Folha - O sr. também fala da importância da razão para o império.
Os EUA a perderam?
Negri - Não creio que se possa
dizer se os EUA têm ou não razão,
porque não são um animal. O que
se tem hoje é um grupo que não
representa os Estados Unidos.
Representa, sobretudo, os interesses de alguns setores poderosos. A questão fundamental não
creio que seja americanismo ou
antiamericanismo.
O problema é que há um grupo
nos EUA que talvez nem seja legal, por causa do que aconteceu
nas eleições. Pode-se chamar esse
grupo de usurpador.
Folha - Para o império, Bush está
mais próximo de ser um Nero ou
um Augusto?
Negri - Não sei dizer.
Folha - Mas qual será o posto de
Bush na história americana, em
que patamar ele estará em relação
aos outros presidentes?
Negri - Há uma veia que o vê como um jacksoniano [a teoria jacksoniana diz que o objetivo principal da política externa de Washington deve ser a
segurança dos
americanos".
Não creio que se
trate disso. Penso
que ele não está
na linha de Jackson. Acho que ele
será apenas uma
exceção negativa.
Folha - Se a concepção imperial
necessita de espaço, como o sr. diz, o
que devemos esperar agora? Depois de Bagdá, viria Pyongyang?
Negri - Será o
Irã, creio eu. Quer
dizer, isso é o que
vem dos Estados Unidos, eu vivo
na província.
Folha - E a Coréia do Norte estaria
a seguir?
Negri - Acho que será a China,
mas daqui a algum tempo. Na
verdade, a Coréia do Norte é um
pretexto para a China, assim como o Iraque é um pretexto para
confrontar a Europa. E o Irã será
um pretexto para a Rússia. Esse é
o jogo que está se fazendo agora.
Folha - Immanuel Wallerstein diz
que o império americano é decadente, que a economia está fraca e
que Washington está isolado. O
que o sr. pensa?
Negri - Sou prudente em relação
a isso. Talvez haja a decadência
desse império de Bush, mas, para
os EUA, acho que ainda é uma
primavera.
Folha - O que será dos EUA e do
Império daqui a dois anos?
Negri - Acho que será importante que a Europa e a América Latina sigam fortes contra a vontade
de Bush. Espero que os EUA possam se livrar de Bush. É a esperança que eles podem dar ao mundo
agora.
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