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GEOPOLÍTICA
Para ex-assessor dos EUA, tentativa de democratizar Iraque deve incitar ataques de vizinhos árabes
Pós-guerra terá terror, prevê analista
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O governo de George W. Bush e
os americanos em geral estão sendo "otimistas" demais e "multilaterais" de menos na questão do
Iraque. Essa combinação deve
frustar rapidamente os planos de
uma estabilização rápida no Iraque pós-guerra e levar países vizinhos árabes a ""ações terroristas"
contra a ocupação americana, vista como ameaça a seus governos
autoritários.
A opinião é de Jon B. Alterman,
doutor em história pela Universidade Harvard, ex-assessor do Departamento de Estado dos EUA,
membro do Conselho de Relações
Internacionais de Washington e
autor de vários livros sobre o
Oriente Médio.
""Na maioria dos casos, nós
americanos achamos que temos a
resposta para tudo. O pior é que
acreditamos nisso", diz.
Leia a seguir entrevista que Alterman concedeu à Folha:
Folha - Como o sr. explica o fato
de os americanos acharem que estão fazendo a coisa certa quando
boa parte do mundo acha que estão errados?
Jon B. Alterman - Existe uma visão do mundo que é a de dentro
dos Estados Unidos e outra que é
de fora. As pessoas aqui percebem
que outros países não quiseram
entrar nesta guerra conosco, mas
elas não conseguem de maneira
nenhuma entender por que esses
países não o fizeram. Como é possível não terem entrado na nossa
""cavalaria" para salvar o Iraque?
Isso tem muito a ver com o tipo de
notícia que lêem, com como a televisão está orientando a cobertura da guerra. A CNN americana,
por exemplo, está complemente
diferente da CNN internacional.
E o mais impressionante é que
os americanos não se sentem isolados agindo dessa maneira. Eles
se acham no direito sagrado de
defender os seus interesses. Ponto
final.
Não somos multilaterais. Na
maioria das vezes, somos só americanos. Temos torta de maçã e a
resposta para tudo desde o século
19. É por isso que os europeus ficam tão irritados quando nós falamos a respeito da filosofia do
que chamamos de velha Europa.
Folha - Quais os riscos de uma
operação tão ambiciosa como a de
conquistar o Iraque e democratizar
o país?
Alterman -Os americanos estão
otimistas demais. O fato de a população do Iraque viver há quase
30 anos sob um regime brutal é
apenas um dos aspectos da dificuldade que vamos enfrentar. O
regime de Saddam Hussein não
apenas incentivou a formação de
grupos políticos muito diferentes
no Iraque como também jogou
uns contra os outros para se manter no poder ao longo dos anos.
As diferenças religiosas também
foram estimuladas e aprofundadas.
Creio que seja muito, muito difícil transformar isso em uma democracia na velocidade com que
estamos pretendendo. Uma das
razões pelas quais as democracias
funcionam é porque todas as
identidades múltiplas que elas
comportam têm uma longa história de convivência.
O que vimos no Afeganistão,
com suas divisões regionais, não é
nada perto do que nos espera no
Iraque. Haverá também uma
enorme luta pelo poder entre os
grupos que se desenvolveram no
exílio. Todos eles se sentirão no
direito de voltar e tentar comandar o país.
Folha - Os EUA acreditam que o
Iraque pode ser o ponto de partida
para que a democracia se espalhe
por toda a região.
Alterman - Os vizinhos iraquianos são outro problema não considerado. Quanto mais a administração Bush ressaltar a importância do Iraque como plataforma
para lançar a semente democrática na região, mais estaremos incitando e dando motivos para que
os vizinhos do Iraque se transformem em ameaças reais. Estamos
falando de regimes não-democráticos, que não têm o menor interesse em democracia.
Quanto mais avançarmos ou falarmos no efeito dominó democrático, mais eles terão interesse
em desestabilizar. Podem facilmente realizar ou financiar ações
terroristas usando os grupos descontentes que estarão sendo alijados do poder no Iraque. As possibilidades de boicote e entrave são
imensas.
Folha - Os árabes que vivem sob
regimes não-democráticos não
pensam diferente?
Alterman -Acabo de voltar de
um fim de semana em Omã, que,
comparado aos outros países da
região, é relativamente ponderado. Enquanto nós nos vemos como uma força benevolente para a
região, todos nos vêem como malignos, como algo ambicioso,
mesquinho e opressor que procura apenas novas bases para ampliar o nosso poder.
Tudo o que dizemos em relação
a parcerias com países da região,
em esforços para desenvolver a
qualidade de vida dessas pessoas,
não tem o menor eco entre a população desses países. Simplesmente não faz sentido. É apenas
idealismo e pretensão da nossa
parte.
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