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Iraque se beneficiará com a queda de Saddam, diz Doran
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
"A ação militar no Iraque é justificada, pois Saddam Hussein representa uma ameaça direta que
precisa ser detida de modo firme e
efetivo. Porém, o maior objetivo
dos EUA é assegurar a sua posição
estratégica no golfo Pérsico", diz
Michael Doran, professor de estudos sobre o Oriente Médio na
Universidade Princeton (EUA).
Essa posição, mesclando os argumentos que defendem a ação
como um imperativo de segurança e os argumentos geoestratégicos mais frios, tem levado Doran a
ser atacado pelos pacifistas e cortejado pelos falcões nos EUA.
O professor defende, em entrevista à Folha por telefone, que o
Iraque acabará se beneficiando
com a queda do ditador e se tornará um aliado americano. Leia a
seguir trechos da entrevista.
Folha - Os EUA estão caminhando
bem para alcançar os seus objetivos no Iraque? E que objetivos são
esses?
Michael Doran - Acho que os
EUA vão vencer a guerra e vão colocar no Iraque um governo que
pode ser democrático ou não,
mas que certamente estará mais
preocupado com o bem-estar do
povo iraquiano do que o atual.
Quanto ao objetivo, creio que o
do governo Bush, além de derrubar um inimigo político, é mudar
a balança de poder entre os EUA e
os seus inimigos na região.
Folha - Quais inimigos?
Doran - Além do Iraque, a Síria e
o Irã, o Hizbollah e a Al Qaeda. O
objetivo é ainda mudar as relações com a Arábia Saudita. Não
digo que haverá um divórcio em
relação aos sauditas, mas Washington deve ganhar uma certa
distância em relação a eles, para
poder pressioná-los depois.
O que o governo Bush pretende,
acima disso tudo, é dar uma chacoalhada na ordem internacional.
A grande questão será, depois disso, como os EUA conduzirão essa
nova ordem mundial. A posição
americana no golfo estava extremamente minada por causa da
tentativa de conter o Irã e o Iraque
simultaneamente.
Folha - Washington tenta moldar
que tipo de ordem mundial?
Doran - Acho que esse governo
não tem uma visão clara de como
essa nova ordem será formatada,
mas tem uma clara insatisfação
quanto a como ela se apresenta. E
trabalha para melhorar a sua posição estratégica.
Folha - Por outro lado, os EUA não
estariam criando uma onda tão
grande de antiamericanismo que
acabaria por comprometer a sua
posição?
Doran - Não há dúvidas de que
ocorre uma onda assim pelo
mundo. A questão a definir será o
quanto esse antiamericanismo
impediria o governo Bush de fazer o que pretende.
Folha - Como o sr. explica essa
erupção de antiamericanismo?
Doran - Há duas escolas de pensamento hoje predominantes.
Uma diz que o antiamericanismo
é resultado das políticas de Washington na região. Destacam-se aí
o apoio a Israel e o suporte dado a
alguns regimes corruptos.
Mesmo reconhecendo que há
um pouco de verdade nisso, eu
me coloco num segundo grupo: o
que vê o antiamericanismo apenas como o reflexo de um sentimento hostil em relação ao status
quo, aos regimes vigentes.
O caso da Arábia Saudita é característico desse fenômeno. Como os EUA são vistos como garantidores do regime, todos os
que são contra a manutenção do
status quo se apresentam também
como antiamericanos.
Isso repete o que aconteceu no
Irã há mais de 20 anos, quando
uma revolução derrubou o regime do xá.
Folha - Não é exatamente isso
que impediria a ação diplomática
americana no Iraque num cenário
pós-guerra?
Doran - No mundo árabe, acho
que o caso é mais complexo. O
povo do Iraque, creio, está, em
sua maioria, a favor de derrubar
Saddam. Isso não significa que os
iraquianos se tornarão pró-EUA
no longo prazo, mas creio que haverá significativos elementos na
população iraquiana apoiando a
política americana.
Mesmo no Irã também há um
significativo sentimento de que a
queda de Saddam seria positiva.
Os Estados da região, na verdade,
gostariam que Saddam evaporasse. Prefeririam, claro, que isso
acontecesse sem o uso militar
americano.
Entretanto esses Estados reconhecem que, se os EUA se retirassem agora, sem derrubar Saddam, o Iraque se tornaria muito
mais perigoso.
Folha - O que o sr. diz das críticas
de que o governo dos EUA só estaria atacando o Iraque para dominar
o petróleo do golfo Pérsico?
Doran - Creio que a campanha
militar atual é mais uma consequência da necessidade de manter o predomínio nas relações
geopolíticas. Ou seja, Washington
não pode permitir que nenhuma
das potências regionais tentem,
por conta própria, reorganizar a
área, como o Iraque tentou fazer
ao invadir o Kuait, há cerca de 12
anos. Creio que essa é uma política prudente da administração republicana.
É importante lembrar, porém,
que nada disso adiantará se não
forem apresentados um plano de
paz e um plano de desenvolvimento para a região, incluindo
também a questão palestina.
Folha - Por que a Palestina é tão
fundamental nessa reordenação
da região?
Doran - Porque os palestinos se
tornaram um símbolo, indo para
além da Palestina em si. Podemos
ver isso nas mais diversas manifestações em volta do mundo.
Não importa se organizada pelo
movimento contra a globalização
ou se pelos defensores dos direitos humanos: a bandeira palestina
está sempre presente. É um fenômeno simbólico.
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