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Mexicanos marcham contra violência
Manifestação hoje tenta reagir a surto de assassinatos ligados ao narcotráfico, que dobraram no último ano
Governo atribuiu aumento dos crimes a ação contra máfias; especialistas vêem crescimento do consumo de drogas no país como indutor
DOUGLAS DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DA CIDADE DO MÉXICO
A idéia é que palavras e gestos possam conter a onda de assassinatos e seqüestros que tomou conta do México nos últimos dois anos.
Ontem, o país acordou com a
notícia de que o crime organizado havia decapitado 12 pessoas em Mérida, capital do Estado de Yucatán. Hoje, milhares de mexicanos em todo o
país e em cerca de 30 cidades ao
redor do mundo sairão às ruas
de branco e velas na mão com o
objetivo de pedir um basta na
violência. Céticos apontam que
mobilizações anteriores do tipo
não tiveram resultado.
O catalisador da marcha foi o
assassinato brutal de Fernando
Martí, de 14 anos, encontrado
morto na mala de um carro no
último dia 1º, dois meses depois
de seu seqüestro. O caso provocou comoção nacional como há
muito não se via, especialmente pelo fato de que os seqüestradores não o devolveram vivo
nem sequer depois do pagamento de um segundo resgate.
"Martí foi a gota d'água. Pensei imediatamente em minha
filha de 16 anos", disse o empresário Elias Kuri numa coletiva
de imprensa no lançamento da
marcha, há 20 dias. Inicialmente dominada por entidades patronais e acusada de elitismo
por certos setores da sociedade
mexicana, a iniciativa foi ganhando o apoio de entidades civis, sindicatos e, apesar do pedido expresso de que partidos
se afastassem, de políticos.
Na tentativa de responder à
mobilização popular, o presidente Felipe Calderón primeiro propôs a pena de prisão perpétua para casos de seqüestro
seguido de assassinato, o que
deve ter parecido pouco para os
75% de mexicanos que querem
a volta de pena de morte, segundo uma pesquisa recente.
Seu próximo passo foi convocar uma "assembléia nacional"
para elaborar um pacto contra
a insegurança. A reunião logo
se converteu numa briga pelos
holofotes entre autoridades federais, estaduais e municipais e
deixou como resultado um documento de 75 itens, todos com
prazos detalhados de implementação e enunciados vagos
ou impraticáveis.
Impunidade
"Perdemos uma ótima oportunidade de atacar o problema.
Agora teremos que consertar o
barco em alto-mar", diz o cientista político Guillermo Zepeda, do Centro de Investigação
para o Desenvolvimento, uma
entidade independente.
Ele afirma que a grande
questão, longe de ser abordada,
é a impunidade.
"De que adianta propor a pena de morte, se apenas 15% dos
delitos são denunciados, 26%
desses esclarecidos, e 55% dos
culpados, presos?", pergunta.
No atual governo, a taxa de
homicídios ligados ao crime organizado quase dobrou em relação aos números do presidente anterior, Vicente Fox. Desde
que Calderón, também do conservador PAN (Partido de Ação
Nacional) assumiu, em dezembro de 2006, mais de 4.800 pessoas morreram em confrontos
entre traficantes rivais e entre
eles e a polícia.
O presidente atribui esse aumento a sua estratégia de enfrentamento do narcotráfico,
que inclui o envio de militares
às regiões de fronteira com os
Estados Unidos, ainda que especialistas afirmem que a mudança se deve ao fato de o México, inicialmente um corredor
de transporte de drogas, ter se
transformado também em forte mercado consumidor.
Por tudo isso, não é à toa que
muitos lembram o escassos resultados de uma primeira marcha realizada em 1997 e de uma
segunda, colossal, em 2004.
"É como uma terapia coletiva. A sociedade quer sentir que
participa. A idéia é que esse tipo
de iniciativa leve a uma sociedade mais vigilante, coisa de
que sem dúvida precisamos",
diz Alberto Aziz, do Centro de
Investigações e Estudos Superiores em Antropologia Social.
"Mas, olhando para trás, tenho
dúvidas de que vá mudar algo."
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