|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POPULAÇÃO
Para sociólogo, grande fluxo de imigrantes é tanto uma "bomba-relógio" como um "tremendo patrimônio" para o país
Imigrante é problema e solução nos EUA
DE WASHINGTON
A explosão dos níveis de imigração pode originar tanto uma
"bomba-relógio" quanto um ""um
tremendo patrimônio" para os
EUA em um mundo que está envelhecendo rapidamente.
Para o sociólogo Stephen Klineberg, considerado um dos maiores especialistas em imigração nos
EUA, as transformações recentes
na economia americana e no fluxo de imigração colocarão os
EUA "em xeque" em breve.
"O problema é que a realidade
presente no século 21, de globalização econômica e de pessoas,
ainda convive com uma ideologia
do século passado no tratamento
dos problemas decorrentes disso", afirma. Leia entrevista telefônica que Klineberg concedeu à
Folha da Universidade Rice, no
Texas.
(FERNANDO CANZIAN)
Folha - A imigração para os EUA
ganhou um novo ritmo e vem batendo recordes. Quais as mudanças
causadas pelo fenômeno e quais
desafios ele impõe ao país?
Stephen Klineberg - No curto
prazo, os custos podem ser grandes, mas os benefícios vão aparecer. Há muita controvérsia a respeito do ritmo da imigração, mas
não há dúvidas de que o país vai
se beneficiar enormemente no futuro. Os EUA estão passando por
uma nova transformação.
Mais de 85% dos que chegaram
aos EUA entre 1492 e 1965 vieram
da Europa. Outros 12% dos habitantes eram africanos, trazidos
como escravos, e havia um punhado de chineses trabalhando
em áreas rurais na Califórnia.
A partir de 1965, 85% da imigração aos EUA passou a vir de todos
os outros países do mundo, menos da Europa. Os imigrantes
agora vêm da Ásia, da América
Latina, da África e do Caribe.
O Censo de 2000 encontrou 31,1
milhões de imigrantes no país, o
equivalente à metade da população da França. Nos últimos dez
anos, a população combinada de
afro-americanos, asiáticos e hispânicos cresceu 12 vezes mais rápido dos que a de europeus.
Essa nova onda de imigrantes
transformou os EUA em um
grande microcosmo do mundo,
ao mesmo tempo em que a economia americana está se integrando a uma economia global
cada vez mais rapidamente. Há
potencial enorme para o país se
soubermos aproveitar esses dois
elementos. Os imigrantes podem
ser uma grande fonte de força para os EUA no futuro.
O problema é que a realidade
presente no século 21, de globalização econômica e de pessoas,
ainda convive com uma ideologia
do século passado no tratamento
dos problemas decorrentes disso.
Folha - Quem são esses novos imigrantes? A imagem convencional é
de pessoas em desespero que chegam e se sujeitam a qualquer salário nos EUA, pois o país precisa dessa mão-de-obra.
Klineberg - Essa nova onda migratória traz pessoas com níveis
educacionais cada vez mais altos,
o que nunca havia ocorrido em
outras fases da imigração. Há três
ou quatro gerações, chegavam
aos EUA apenas trabalhadores
braçais sem educação. Hoje, temos um enorme fluxo de imigrantes com alto nível, muitas vezes maior do que o dos próprios
americanos, especialmente de
países africanos e asiáticos. Muitos também vêm do Brasil.
Por outro lado, ainda temos
uma forte imigração, do México,
do Caribe e da América Latina,
em geral de pessoas sem educação
que vêm em busca de salários e de
uma vida melhor. Por isso é impossível controlar a imigração.
Ela é uma questão de sobrevivência para essas pessoas.
O fato é que as transformações
recentes na economia americana
e no fluxo de imigração colocarão
os EUA em xeque em um futuro
próximo. Os EUA e a sua configuração econômica, com dois terços
da economia concentrada no setor de serviços, ficarão cada vez
mais dependentes de trabalhadores especializados e educados.
Por outro lado, é verdade que a
economia americana depende
muito desses imigrantes menos
educados, que trabalham muito
por pouco.
Isso gera um grande desafio. Temos milhões de imigrantes ilegais
ainda em situação terrível, explorados pelo fato de quererem trabalhar aqui de qualquer maneira.
Eles estão em toda parte: nas
construções, nos jardins das casas, nos supermercados. E todas
as cidades que os têm em grande
número estão sendo beneficiadas.
A grande questão, portanto, é: o
que vai acontecer com seus filhos
e com uma economia cada vez
mais dependente de mão-de-obra
educada?
Os filhos dos imigrantes hoje
frequentam escolas públicas superlotadas, ruins e carentes de recursos nas grandes cidades. Seus
pais trabalham de sol a sol, sem
educação, dinheiro ou qualquer
poupança. Quase ninguém tem
casa própria e a maioria divide,
entre quatro, cinco pessoas, cômodos em casas apertadas nas
periferias.
O que vai acontecer com essas
pessoas e com os EUA no futuro
se os imigrantes e seus filhos não
forem minimamente integrados?
Não é muito difícil prever.
É imperativo que o país reconheça a existência dessas pessoas
e abra possibilidades e fundos para que seus filhos possam ter um
futuro melhor, com mais educação e melhores possibilidades de
trabalho. Se não, problemas gigantescos virão por aí.
Folha - Quem está disposto a pagar por isso? Os EUA, em especial o
atual governo, ao contrário, vêm
estimulando cada vez mais políticas de corte de impostos.
Klineberg - É verdade. Ninguém
quer aumentar impostos nesse
país para financiar esse tipo de
coisa. As pessoas que pagam impostos e votam nos EUA são muito diferentes das que imigram para cá e têm filhos aqui. Os EUA
são hoje muito diferentes do que
eram há 40 anos, quando mais de
60% do eleitorado tinha filhos em
escolas públicas e não se importava em pagar mais impostos pela
educação em geral.
Mas, no século 21, a maior parte
da força de trabalho dos EUA será
de não-europeus e descendentes
desses novos imigrantes. Como
disse, isso pode tanto ser uma
bomba-relógio como também
um tremendo patrimônio.
No resto do mundo industrializado, onde a imigração não é tão
bem-vinda como nos EUA, toda a
população está ficando velha.
Quem vai trabalhar por lá no futuro? Quem serão os trabalhadores especializados e educados? Esse é um problema enorme que,
nos EUA, temos como enfrentar
melhorando a qualidade da população jovem que já está no país.
Esse é hoje o grande desafio que
temos pela frente.
Texto Anterior: Oportunidade de trabalho e laços de família atraem os imigrantes Próximo Texto: Frase Índice
|