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Justiça poupa governo islâmico na Turquia
Acusado de ferir princípios do laicismo no país, partido moderado AK escapa de dissolução, mas sofre sanções econômicas
Caso foi decidido por apenas um voto; UE reitera apoio
aos governistas, mas pede concertação com "todos os setores da sociedade turca"
Umit Bektas/Reuters
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Simpatizantes comemoram na sede do AK, em Ancara, decisão da Justiça que manteve no poder o partido de raízes islâmicas
DA REDAÇÃO
Após meses de tensão, o Tribunal Constitucional da Turquia decidiu ontem por apenas
um voto não dissolver o Partido
Justiça e Desenvolvimento
(AK), a agremiação islâmica
moderada hoje no poder. O
partido havia sido acusado de
minar os princípios do laicismo
e de querer instaurar uma regime teocrático no país.
Dos 11 juízes da junta, 6 optaram pela dissolução do AK.
Eram necessários pelo menos
sete votos para que o partido
fosse tornado ilegal.
A máxima instância jurídica
turca também rechaçou pedido
da Promotoria para que os 70
principais quadros da legenda,
entre eles o primeiro-ministro
Recep Tayyip Erdogan e o presidente Abdullah Gül, tivessem
os direitos políticos cassados
por cinco anos.
Embora tenha mantido o AK,
o tribunal adotou sanções financeiras contra a agremiação
governista. Os magistrados decidiram privar o partido de metade dos 25 milhões em financiamento público que lhe
seriam destinados este ano.
"A decisão foi uma advertência muito séria", afirmou o presidente do tribunal, Hasim Kilic, que recebeu na segunda um
requerimento do procurador-geral acusando o AK de violar o
secularismo imposto pela legislação desde 1928, após a fundação da República turca por
Mustafá Kemal Ataturk.
O partido, que se apresenta
como uma legenda de centro-direita de orientação islâmica,
chegou ao poder em 2002 e se
manteve desde então graças ao
apoio das camadas mais pobres
e rurais. O governo do AK alavancou a economia turca e fez
da adesão à União Européia
uma de suas prioridades.
Mas as elites laicas do país,
que controlam os meios militar, econômico e acadêmico,
enxergam por trás da imagem
de moderado do premiê um islamita radical, que busca eliminar as bases seculares da nação.
Para os defensores do laicismo, a decisão do governo de reverter a proibição contra o uso
do véu muçulmano por mulheres nas universidades, vigente
desde 1989, provaria que o AK
busca "islamizar o país". A mudança na lei foi aprovada pelo
Parlamento em fevereiro, mas
acabou rejeitada pelo Tribunal
Constitucional. Tensões entre
religiosos e secularistas persistiram ao longo deste ano.
Segunda chance
Analistas avaliam que o veredicto de ontem afasta o risco
imediato de crise política e econômica generalizada, mas não
altera a rejeição do AK pelas
elites. "[O partido] está recebendo uma segunda chance.
Percebeu-se que não havia condições de simplesmente bani-lo, mas isso não significa que isso não possa acontecer no futuro", disse a analista Tolga Ediz
ao "Financial Times".
A oposição secularista considerou que a decisão do Tribunal Constitucional deve forçar
uma mudança de rumo por
parte do governo. "O AK não
pode continuar com sua linha
política anterior. Eles ganharam uma chance. Para que a
aproveitem ao máximo, eles
precisam passar por uma autocrítica séria", disse Onur Oymen, vice-presidente do Partido Republicano Popular.
Em tom apaziguador, Erdogan assegurou que seu partido
"continuará comprometido
com os valores fundamentais
da República".
A decisão de poupar o partido governista é vista como uma
oportunidade de relançar a
candidatura da Turquia à
União Européia, que teria ficado comprometida em caso de
dissolução do AK.
O bloco qualificou como "positivo" o veredicto da Justiça
turca, e o chefe da UE para ampliação, Olli Rehn, disse que
ontem foi "um grande dia para
a Turquia e para a Europa".
Mas Rehn ressaltou que Ancara precisa agora redobrar os
esforços para levar adiante as
reformas sociais e econômicas
a serem cumpridas como condição para aderir à UE e cobrou
que Erdogan governe em concertação com "todos os setores
da sociedade".
Com agências internacionais
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