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entrevista
"Voto mostra país cansado de golpes"
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
A decisão da Justiça turca de não banir o partido
AK, no poder, evita que a
Turquia mergulhe num
cenário catastrófico e revela um país cansado das
intervenções no Executivo
-houve golpes em 1960,
1971, 1980 e 1997. A avaliação é de Ian Lesser, especialista em Turquia no instituto German Marshall
Fund, em Washington.
À Folha, por telefone,
Lesser também disse que
o governo tem agora caminho livre para encarar os
problemas reais do país.
FOLHA - Como vê a decisão
do Tribunal Constitucional?
IAN LESSER - É um desfecho
muito positivo. Se o Tribunal banisse o AK, as conseqüências seriam muito
graves e certamente desestabilizariam a política e
a economia. As relações de
Ancara com a União Européia e até com os EUA
também seriam abaladas.
A decisão foi uma grande
surpresa, mas o recuo
mostrou que o país não
queria arcar com o risco de
um cenário-catástrofe.
FOLHA - A decisão pode ter
provado que as divisões entre
seculares e religiosos não são
tão claras como se pensava, já
que a Justiça era tida como claro domínio da elite laica...
LESSER - Havia de fato uma
tendência generalizada de
se retratar a sociedade turca sob o prisma da luta entre Estado e governo. Sob
essa ótica, a Justiça era
feudo secularista. O voto
do tribunal sugere que o
quadro é mais complexo.
FOLHA - Qual a dimensão real
das sanções financeiras ao AK?
LESSER - As sanções não
afetarão substancialmente o partido, que tem outras fontes de renda, mas
servem de aviso ao governo. No fundo, a decisão
afeta mais os secularistas
linha-dura, que podem ter
superestimado seu poder.
FOLHA - O voto afetará a forma de governar do AK?
LESSER - O AK já vinha governando bem, de forma
aberta e democrática. Não
vejo grandes mudanças no
curto prazo. Talvez a
maior lição seja que a Turquia se mostrou cansada
das intervenções no governo. Isso é um marco.
Agora o AK tem as mãos livres para encarar os reais
problemas do país.
FOLHA - Quais problemas?
LESSER - O maior é a questão curda, que envolve
fronteira e segurança interna, com a ameaça de
atentados do PKK (Partido dos Trabalhadores do
Curdistão). Além disso, o
governo tem que encarar a
desigualdade social. O país
prospera há anos, mas isso
não se reflete na vida dos
pobres. Por fim, o governo
deve aproveitar para revitalizar a relação com a UE.
Admito que a adesão ao
bloco esteja mais no campo europeu, mas os turcos
têm sua parte a cumprir,
sobretudo no que diz respeito às reformas e ao reconhecimento de Chipre.
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