São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2008

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Em decisão inédita, papa deixa Lugo voltar a ser leigo

Pedido de ex-bispo, que assume poder no Paraguai no dia 15, havia sido negado

Vitória de esquerdista em abril forçou revisão, saída política da Santa Sé; Lugo agradeceu a Bento 16 por mostrar "amor ao Paraguai"

DA REDAÇÃO

Em decisão inédita, o papa Bento 16 concedeu ao presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, a "perda do estado clerical", o que permitirá ao ex-bispo assumir o poder, dia 15, sem violar as leis do Vaticano.
Segundo comunicado lido pelo núncio apostólico no Paraguai, Orlando Antonini, a medida foi tomada "pelo bem do país". "É a primeira vez que isso é concedido [a um bispo]. Foi aceito porque o povo o escolheu e sua condição clerical é incompatível com a de presidente", disse Antonini, cuja função corresponde à de embaixador do Vaticano.
Lugo, que ganhou notoriedade como "bispo dos pobres" no departamento de San Pedro, comemorou: "Que amor tem Bento 16 por nosso país! Queria agradecer sinceramente sua Santidade por uma decisão que não foi fácil para o Vaticano porque não tem precedentes".
A cúpula da igreja já havia negado o pedido de Lugo e se opôs à candidatura do esquerdista -as regras católicas proíbem sacerdotes de ter funções políticas e a Constituição paraguaia veta que sejam candidatos a presidente e vice "ministros de qualquer religião e culto".
O comunicado do Vaticano, de 30 de junho, afirma que a vitória do ex-bispo exigiu "voltar a considerar" a dispensa. Lugo foi eleito em abril apoiado por uma ampla coalizão, encerrando 61 anos de domínio do conservador Partido Colorado.
A nota da Santa Sé foi a fórmula encontrada para não violar o direito canônico nem criar dificuldades políticas para o futuro presidente, já que o comunicado da "perda do estado clerical" não tem o caráter de punição. Lugo não precisará respeitar o celibato e "as demais obrigações", diz o texto.
O status já havia sido concedido a padres, mas nunca a bispos. Lugo segue membro da igreja, à diferença do ex-arcebispo da Zâmbia Emmanuel Milingo, excomungado em 2006 após ordenar homens casados e de ele próprio se casar.

Histórico e aborto
Em 2005, Lugo renunciou à diocese de San Pedro, uma das regiões mais pobres do país, quando sua atuação já desagradava os setores mais conservadores da igreja. Tornou-se bispo emérito. Em dezembro do ano seguinte, pediu ao papa a dispensa clerical, em nome das transformações de que o Paraguai precisava.
A resposta do Vaticano, negativa, só foi divulgada em fevereiro último, já em plena campanha. A Santa Sé cobrava que ele desistisse da disputa à Presidência. "Algumas de suas declarações já criaram grave desconcerto nos pastores e fiéis do Paraguai", dizia o comunicado, que trazia a suspensão de Lugo como "primeira admoestação".
Lugo não poderia ministrar sacramentos, mas mantinha suas obrigações de sacerdote ante o direito canônico. Já a condição de bispo, afirmava o texto, era um "serviço aceito livremente para sempre".
A suspensão já havia sido aplicada ao então padre Jean-Bertrand Aristide, que se elegeu presidente no Haiti em 1991. Em 1994, Aristide deixou a batina, em um situação pouco amistosa com a cúpula católica.
No texto, o papa instou o presidente eleito do Paraguai a viver em coerência com o Evangelho. Lugo visitava a Argentina ontem, onde foi recebido pela presidente Cristina Kirchner. Enquanto isso, uma de suas futuras ministras, Glória Rubín, da pasta da Mulher, envolvia-se numa polêmica com grupos religiosos por defender o aborto.


Com agências internacionais


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