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FORÇAS DE PAZ
Missões são "ilhas da fantasia" em meio à violência e à pobreza e despertam inveja e ódio nos países hospedeiros
Burocracia e privilégios minam ação da ONU
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
As Nações Unidas têm oscilado
há meio século entre as noções de
"manutenção da paz" ("peacekeeping", em inglês) e "imposição
da paz" ("peace enforcement").
Mas seja qual for a missão da
ONU em determinado país, um
problema permanece: as forças
multinacionais, civis e militares,
são verdadeiros quistos estranhos
no país hospedeiro, encraves
muitas vezes invejados, amados e
detestados ao mesmo tempo.
E isso vale tanto para o Iraque,
quanto para Ruanda, Bósnia ou
mesmo para Timor Leste -nesse
último caso, uma das raras histórias recentes de sucesso de imposição de paz (mas que deve o resultado feliz muito mais à intervenção australiana do que às Nações Unidas).
Ilhas da fantasia
Os "UN compounds", as instalações da ONU, são verdadeiras
ilhas da fantasia em meio ao inferno em volta, separados da "barbárie" por cercas de arame farpado e
guardas armados.
De um lado da cerca existem
fax, e-mail e lojas exclusivas com
água mineral francesa, queijos dinamarqueses e uísque escocês.
Do outro, gente passando fome e
correndo risco de levar tiros ou de
pisar em minas.
"Hoje os putos vão se dar bem."
A frase foi dita por um ex-militar
português, veterano da guerra colonial em Angola, que serviu depois ali trabalhando para a ONU.
Os "putos", em português de Portugal, eram as crianças angolanas
que se aglomeravam em volta das
bases pedindo restos de comida.
O militar luso estava em uma
base de uma unidade latino-americana com péssima culinária -o
cozinheiro simplesmente jogava
os ingredientes num caldeirão parecido com o das bruxas e cozinhava praticamente sem nenhum
tempero.
O português simplesmente colocou sua marmita fora do arame
farpado ao alcance das crianças.
Em frações de segundo não restava um grão de arroz no prato. Os
"putos" se deram bem.
Manter a paz significa agir com
a concordância dos beligerantes,
criando por exemplo uma fronteira vigiada ou uma zona-tampão entre os inimigos -algo
muitas vezes definido como "o algodão entre os cristais". Essa é a
missão mais tradicional dos "capacetes azuis" da ONU.
Impor a paz significa usar algum grau de força militar para
atingir a pacificação, incluindo o
risco de combate. As experiências
da ONU com imposição de paz
foram sempre mais polêmicas
-como o caso do Congo na década de 60, em que as tropas da
ONU participaram de combates
às vezes ferozes.
Mas, mesmo ao gerir a mais
simples manutenção da paz, a organização tem falhas graves, pois
é altamente burocratizada, gerando comissões, comitês, relatórios
e papeladas genéricas a uma velocidade surpreendente.
Um dos motivos é compreensível. A ONU representa a quase totalidade dos Estados do planeta,
mas não pode impor regras a eles,
pois não é um governo mundial, e
sim uma associação de países tidos como iguais.
As qualidades da ONU também
acabam elas próprias prejudicando a associação. Quanto mais países integrarem uma missão de
paz, maior a sua representatividade política. Mas diminui proporcionalmente a capacidade de ação
rápida e de logística mais flexível.
Os custos das missões também
têm aumentado. Um estudo revelou que nos últimos 40 anos do século 20 eram gastos em média
US$ 75 milhões por ano em missões de paz. Mas na década de 90
os custos foram ao espaço.
Só em 1994 a ONU gastou mais
com várias missões de paz do que
tudo o que fora gasto de 1948 a
1990 (em 16 missões). A missão
pouco frutífera na Somália (1992-93) consumiu mais de US$ 1 bilhão.
Em sua defesa, as Nações Unidas argumentam que esses custos
ainda são uma fração pequena do
gasto mundial anual com forças
armadas -mesmo em um ano
movimentado como 1996, as missões de paz usaram o equivalente
a 0,2% do gasto total mundial
com os militares.
A ONU tornou-se um ideal de
emprego tanto para profissionais
competentes como para carreiristas interessados em um cabide de
emprego internacional.
"A ONU é uma burocracia incompetente gerida por gente do
Terceiro Mundo que deseja apenas fugir de seus países com passaporte diplomático", desabafou
um conhecedor da organização,
que preferiu não ser identificado.
Esse cabidaço de empregos significa ganhar bem em dólares, o
que aumenta o fosso entre o pessoal da organização e a população
dos países em que atuam. Um resultado é a criação de mercados
negros e de prostituição, paradoxalmente dificultando a manutenção ou imposição da ordem. E
deixando os locais muito putos
-em português do Brasil.
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