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Em livro a ser lançado, professor de Harvard adverte que a droga
contra a impotência pode piorar os problemas sexuais e amorosos dos pacientes que vivem crises mais complexas de relacionamento
O Mito Viagra
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
O Viagra, a pílula contra a impotência que, lançada há cinco
anos, erigiu-se em mito da eterna
juventude sexual masculina, pode
causar mais problemas do que
trazer soluções para os relacionamentos entre homens e mulheres.
O alerta é feito pelo urologista
Abraham Morgentaler, professor
da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) e autor do
livro "The Viagra Myth: The Surprising Impact On Love And Relationships" (o mito Viagra: o impacto surpreendente no amor e
nos relacionamentos), que chegará às livrarias dos EUA em setembro (edit. Jossey-Bass, 256 págs.).
"Com frequência, quando um
casal tem problemas, o homem
tende a buscar o que chamamos
de "quick fix", ou seja, uma solução rápida e fácil", disse Morgentaler, 47, em entrevista à Folha
por telefone, de Boston.
"O Viagra funciona bem em algumas circunstâncias, mas em
outras não. E, portanto, pode decepcionar, dificultando ainda
mais as coisas", afirma.
Segundo ele, muitos homens
apelam para a pílula com a expectativa de que ela resolverá todos
os seus problemas sexuais/amorosos, quando, na realidade, precisariam olhar para dentro de si
próprios e para suas parceiras.
Desde que chegou ao mercado,
em 1998, o Viagra se tornou um
dos medicamentos mais vendidos
no mundo. Foi a primeira droga
contra a impotência disponível
em forma de comprimido e com
resultado quase instantâneo.
A droga age aumentando o fluxo de sangue para o pênis, possibilitando assim uma melhor ereção. Nove comprimidos são vendidos a cada segundo no mundo,
e mais de 20 milhões de homens já
experimentaram Viagra.
Apesar de alertar para a construção de uma lenda em torno do
Viagra que vai muito além de suas
propriedades e capacidades farmacológicas, o prof. Morgentaler
acredita que a droga "abriu uma
janela" para melhor compreender
a sexualidade masculina.
"Antes, apenas 5% dos homens
com problemas sexuais admitiam
isso e buscavam um médico. Agora, fala-se sobre o tema como
nunca se falou anteriormente."
Folha - Qual é a idéia central do livro "O Mito Viagra"?
Abraham Morgentaler - A idéia
principal é mostrar que há implicações sociais e emocionais nas
relações amorosas e sexuais para
as quais prestamos pouca atenção
desde que surgiu o Viagra há cerca de cinco anos. O homem e a
mulher têm visões muito diferentes do que é importante numa relação e no sexo. Com frequência,
quando um casal tem problemas,
o homem, especialmente aqui nos
EUA, tende a buscar o que chamamos de "quick fix", ou seja,
uma solução rápida e fácil. O Viagra funciona bem em algumas circunstâncias, mas em outras não.
E, portanto, pode decepcionar,
dificultando ainda mais as coisas.
Folha - Dê um exemplo.
Morgentaler - O Viagra não resolve problemas complexos de relacionamento. Um homem e uma
mulher jovens estão sempre brigando, e o sexo não é bom. Ele
vem me consultar e pede Viagra.
Volta para casa, toma a pílula e
tenta fazer sexo. Mas a mulher
continua chateada com ele, acha
que ele está muito ocupado com o
trabalho, que não presta atenção a
ela. O sexo não vai fazer com que a
mágoa dela desapareça, mas ele
acha que sim. O resultado provavelmente será decepcionante porque o casal não está enfrentando
exatamente seus problemas.
Folha - Sim, esse exemplo faz todo o sentido, mas o sr. diz que o
Viagra não só não soluciona todos
as dificuldades como às vezes cria
novos problemas ou os agrava. Como assim?
Morgentaler - O Viagra certamente pode causar problemas.
Muitos homens, especialmente
mais jovens, tomam a pílula porque querem ser verdadeiros garanhões, acham que o Viagra lhes
dará uma vantagem. Mas estão
enganando a si próprios. É como
se ser como eles realmente são
não fosse suficiente.
Conheço um homem que tomava Viagra toda vez que fazia sexo.
Transou com muitas mulheres,
fez muito sucesso. Mas, um dia, se
apaixonou por uma mulher, os
dois se envolveram, mas ele não
havia contado que tomava Viagra
e manteve o segredo. Quando ela
descobriu, ficou furiosa. "Pensei
que você se sentisse atraído por
mim. Como posso saber que não
é apenas o Viagra?", disse.
Quando a mulher descobre que
o homem usa Viagra sem ela saber, pode ser um desastre. Sexo é
algo muito íntimo, e, numa situação dessas, elas dizem algo como:
"No momento em que estou mais
perto de você, você não está sendo
honesto comigo. Por que devo
confiar em você? Quem é você?".
Também o homem, em alguns
casos, começa a duvidar se a mulher está se sentindo satisfeita pelo
sexo que ele faz ou se é por causa
do Viagra. Afinal, quando o homem se apaixona, ele quer que a
mulher goste dele como ele realmente é. As pessoas se enrolam
com esse tipo de problema. A melhor coisa é dizer para a parceira:
"Estou tomando Viagra e decidi
fazer isso por esse motivo". A reação, em geral, é boa.
Folha - Não é uma bobagem uma
mulher ficar brava porque o homem está tomando Viagra?
Morgentaler - Não importa se eu
ou você achamos uma bobagem,
o fato é que, em certas situações,
elas ficam. Homens e mulheres
têm muitos problemas em compreender um ao outro.
Os homens se sentem bem se
têm uma boa ereção, se ela dura
bastante, se ele dá prazer à mulher. Já as mulheres não entendem por que os homens se preocupam tanto com a performance.
Elas querem ter um sexo eficiente,
mas também se importam com a
afeição, o toque, a intimidade, as
emoções. Então, muitas vezes o
homem está pensando em uma
coisa, e a mulher está querendo
outra. Então, o homem toma Viagra, e o pênis pode até funcionar.
Mas, se não há um encontro entre
os desejos dos dois, só um pênis
ereto não resolverá.
Folha - Em que situações o Viagra
pode ser muito útil?
Morgentaler - Se temos um casal
que está casado há bastante tempo, com uma história de amor e
de bom sexo, mas, de forma gradual e progressiva, a ereção do
homem começa a piorar devido à
idade ou a algum problema de
saúde, é provável que o Viagra faça o casal muito feliz.
Mas também há exemplos de
casais mais velhos que já não fazem mais sexo e, quando o homem decide tomar Viagra, a mulher não gosta. Algumas mulheres, de mais idade, não querem
mais sexo. Conheço homens que
tomaram Viagra, decidiram que
eram jovens novamente e largaram seus casamentos.
Folha - Imaginemos um casal
que, por dificuldades de relacionamento, não está conseguindo ter
uma boa relação sexual, mas quer
melhorar. O Viagra pode servir como uma espécie de clique?
Morgentaler - Se o problema de
ereção é repentino ou recente, ou
vai e vem, é mais provável que a
origem seja algum problema
emocional ou de relação. Uma
boa conversa pode ajudar muito e
é absolutamente necessária. Mas,
às vezes, numa situação assim, receitamos Viagra temporariamente. Dizemos: "Use um pouco, sua
confiança vai voltar e tudo ficará
bem". O Viagra pode dar esse clique, uma espécie de impulso. O
homem fica menos preocupado,
relaxa e, quando as coisas melhoram, não precisa mais dele.
Folha - É grande o número de receitas de Viagra não renovadas?
Morgentaler - Menos da metade
dos homens que experimenta
Viagra continua a usá-lo. Alguns
percebem que não é a resposta
para seus problemas. Às vezes, o
homem toma a pílula para ficar
com o pênis ereto, mas percebe
que continua a não gostar de sua
mulher ou que ela é que não gosta
dele. Outros não gostam da idéia
de tomar uma pílula para fazer sexo, querem que seja algo natural e
espontâneo. O Viagra exige um
certo planejamento. Alguns homens ou casais não gostam disso.
Folha - Por que o sr. diz que o Viagra jogou uma luz sobre a sexualidade, em especial a masculina?
Morgentaler - Pela primeira vez,
temos uma pílula que o homem
pode tomar e que melhora significativamente sua ereção. Antes, os
homens se gabavam quando o pênis funcionava, mas, quando não
funcionava, porque eles estavam
velhos ou doentes, apenas percebíamos sua tristeza. Antes do Viagra, apenas 5% dos homens com
problemas sexuais admitiam isso
e buscavam um médico.
Agora, como existe uma pílula
que devolve a eles a possibilidade
de ter uma ereção em menos de
uma hora, fala-se sobre o tema como nunca se falou. Há uma quantidade enorme de homens discutindo abertamente seus problemas. Assim, podemos perceber o
que acontece dentro deles. O Viagra abriu uma janela para que
possamos olhar no cérebro de um
homem e descobrir exatamente o
que ele pensa sobre sexo, o que
acontece quando seu pênis funciona e quando não funciona e o
que isso significa para ele.
Folha - Mas ainda assim há muita
desinformação?
Morgentaler - Sim. O que tento
mostrar no livro é que os homens
sabem que existe uma pílula que
pode fazer o pênis deles mais ereto. Mas o que eles não analisam é
o que significa ter um pênis ereto
ou não tê-lo, quais são as razões
que podem levar isso a acontecer,
o que suas emoções e relações têm
a ver com isso ou são afetadas por
isso. O livro tenta mostrar quando
e de que maneira o Viagra pode
ajudar e quando não é a melhor
resposta.
O Viagra trouxe um grande
avanço. Qualquer homem que
tem problemas sexuais deveria ficar contente de viver no tempo do
Viagra ou dos medicamentos similares. Mas o problema é que
nós, como indivíduos e como sociedade, muitas vezes apelamos
para uma pílula com a expectativa
de que ela resolverá todos os nossos problemas, quando precisamos olhar para dentro de nós
mesmos e para nossas parceiras.
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