São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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ANÁLISE

EUA pressionam o relutante Paquistão


Alguns paquistaneses não veem Taleban e Al Qaeda como inimigos


Por JANE PERLEZ

ISLAMABAD, Paquistão - A estratégia do presidente Barack Obama de oferecer ao Paquistão uma parceria para derrotar a insurgência local exige uma virtual reconstrução das instituições paquistanesas e até da psique nacional, uma agenda ambiciosa para a qual os políticos e a população do Paquistão parecem despreparados.
Oficialmente, o governo do Paquistão apontou uma "mudança positiva" na estratégia de Obama, com suas vultosas infusões de dinheiro. Mas, enquanto o governo Obama tenta atrair os paquistaneses para o seu lado, grande parte da opinião pública, da classe política e dos militares rejeitou o plano, discordando da ideia de que a ameaça da Al Qaeda e do Taliban, que Washington chama de inimigos comuns, seja tão urgente.
Alguns, como o comandante do Exército, general Ashfaq Pervez Kayani, e o presidente Asif Ali Zardari, podem estar aderindo. Mas, para os militares, a Índia continua sendo a prioridade, como tem sido nos 61 anos de existência do Paquistão. Como mudar esse foco a tempo de que o Paquistão derrote uma insurgência islâmica que se expande rapidamente e ameaça devorar o país - eis o desafio do almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, e de Richard Holbrooke, enviado especial de Obama para a região.
Fortalecer as frágeis instituições civis paquistanesas, modernizar partidos arraigados em lealdades feudais e remodelar uma força militar que vive obcecada com o inimigo de ontem e aferrada às tradições da guerra convencional são desafios geracionais. Mas o Paquistão não pode se dar ao luxo do longo prazo para enfrentá-los.
Alguns analistas já apresentam cronogramas apocalípticos. "Está se esgotando o tempo para ajudarmos o Paquistão a mudar seu atual rumo em direção a um aumento da instabilidade econômica e política, e até a falência definitiva", disse em fevereiro um relatório de uma força-tarefa do Conselho Atlântico, comandada pelo ex-senador Chuck Hagel e pelo senador John Kerry. O texto dava ao governo paquistanês 6 a 12 meses para que as coisas passassem de ruins para perigosas.
O especialista em guerrilhas David Kilcullen, que prestou assessoria ao general David Petraeus na época em que este comandava as forças dos EUA no Iraque, ofereceu uma avaliação ainda mais sombria. O Paquistão pode enfrentar um colapso interno em seis meses, disse ele.
Em recente depoimento ao Congresso, Petraeus disse que a insurgência poderia "derrubar" o Paquistão, onde há presença de militantes da Al Qaeda e de armas nucleares. Muitos paquistaneses, porém, chegaram à conclusão de que é preferível uma acomodação com os militantes ao confronto. Alguns, inclusive militares de média patente, preferem ver os militantes não como inimigos, mas como irmãos muçulmanos que merecem solidariedade.
É questionável se o apoio de Zardari ou a promessa de ajuda de US$ 1,5 bilhão por ano do governo Obama ao longo de cinco anos pode mudar o clima no país, disse o ex-ministro do Interior Aftab Ahmad Sherpao. A luta contra a insurgência em geral é vista no Paquistão como uma causa americana, e não paquistanesa, disse ele. Há dúvidas também sobre se a oferta de Obama de quase US$ 3 bilhões em ajuda contra a insurgência poderá dar rapidamente aos militares paquistaneses, treinados para enfrentar a Índia nas planícies do Punjab, capacidade de conquistar as montanhas das áreas tribais onde os militantes operam.
"Após tanto tempo com os americanos, o país passou por tanto estresse e pressão, e nada de bom resultou disso", afirmou Sherpao. "Parte das pessoas está firmemente contra os americanos. Outra parte não está feliz, mas não se manifesta. Cerca de 1% a 2% diriam que esta política dos EUA deveria continuar."
A desconfiança foi agravada pelas acusações de autoridades americanas, inclusive Petraeus e Holbrooke, de que a agência paquistanesa de inteligência estaria apoiando militantes islâmicos que se infiltram pela fronteira para combater as tropas norte-americanas no Afeganistão. "Não se pode começar uma operação bem sucedida com um déficit de confiança", disse o ex-diretor-geral da agência Inteligência Interserviços Javed Ashraf. "O Paquistão é um aliado. Mas aí se diz que estamos ligados ao Taleban. As pessoas que servem ao Exército dirão: 'Vão para o inferno, se é isso que recebemos depois de lançar por terra mais de 1.500 vidas"."
Esse é o número de soldados que o Exército paquistanês diz que já morreram na luta contra militantes em áreas tribais. E há também a Índia. Sua crescente presença no Afeganistão faz o Paquistão acreditar que está sendo cercado, diz o ex-senador Ishaq Khan Khakwani . "Os EUA precisam fazer a Índia recuar no Afeganistão", disse Khakwani.


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