São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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INTELIGÊNCIA

ROGER COHEN

Respeito por uma grande religião mundial

Istambul
Foi esclarecedor viajar da Holanda, onde um político de direita vem ganhando popularidade por declarar que o islã não é uma religião, mas uma ideologia totalitária, para Istambul, onde um político americano acaba de expressar sua "apreciação profunda pela fé islâmica".
O americano é o presidente Barack Obama, homem de antepassados muçulmanos e livre da islamofobia que aflige alguns no Ocidente. Istambul, cidade muçulmana que exala tolerância, é provavelmente o melhor antídoto do mundo a tais temores irracionais.
Obama aproveitou sua visita para destacar a mudança estratégica fundamental de sua Presidência: em lugar da retórica "ou você está conosco ou está contra nós" da guerra ao terror, uma aproximação com o mundo muçulmano, como elemento para isolar terroristas.
Uma mera sentença -"os EUA não estão e nunca estarão em guerra com o islã"- ajudou a desfazer os danos causados nos últimos anos. Perguntei ao presidente turco Abdullah Gul se, durante a era Bush, o mundo islâmico sentia que os EUA estavam em guerra contra ele. "Infelizmente, a percepção era essa", respondeu.
Obama foi apresentado no Parlamento turco como Barack Hussein Obama, permitindo como decorrência natural sua observação de que muitos americanos "têm muçulmanos em suas famílias ou já viveram em um país de maioria muçulmana -sei disso porque sou um deles".
Obama ainda possui a capacidade de espantar com afirmações tiradas de sua própria vida: isso é tão verdade em relação à questão da raça nos EUA quanto é verdade sobre as relações entre o islã e o Ocidente.
Na Holanda, o político Geert Wilders disse: "O islã é uma ideologia totalitária, que rege todos os aspectos da vida: a economia, o direito de família, tudo. Possui símbolos religiosos, um Deu -mas não é uma religião."
Wilders fez um filme intitulado "Fitna", que alimenta o medo e situa a violência muçulmana contra o pano de fundo de textos do Alcorão. Sua campanha vem atraindo cada vez mais apoio. Segundo pesquisas de opinião, ele já tem mais de 20% de intenção de votos.
Wilders está errado. O islã é uma grande religião mundial. É também a religião dos muitos imigrantes marroquinos e turcos e de seus filhos, que hoje respondem por mais de 10% da população holandesa. Muitos vivem em subúrbios de conjuntos habitacionais subsidiados, onde um número cada vez maior de antenas parabólicas lhes dão acesso à televisão de seus países de origem.
Como sugerem essas "cidades-parabólicas", a integração fracassou. As incompreensões, o mal-estar e as queixas se multiplicam. O assassinato brutal em 2004 do cineasta Theo van Gogh, que criticava o islã, por Muhammad Bouyeri, filho de imigrantes marroquinos, ilustrou quão explosiva pode ser essa divisão. Bouyeri afirmou que a lei islâmica o instruiu a "cortar as cabeças de todos os que insultam Alá".
O islã pode ser usado por pessoas mentalmente perturbadas como ideologia assassina. Não é a única religião que pode ter esse uso, embora seja a mais ativamente evocada para tal entre as principais religiões do mundo. Wilders é cínico e desavergonhado ao sugerir que Bouyeri é uma figura representativa do islã.
Mas ele deve ter o direito de dizer o que pensa. Na tradição ocidental pós-iluminista, os indivíduos têm direitos, não religiões. Tentar censurar os que criticam o islã -como o Reino Unido fez, ao proibir Wilders de entrar no país- é reforçar as correntes do islã que são hostis às sociedades livres e pluralistas.
A Turquia muçulmana é livre e pluralista. É precisamente por isso que deve, como disse Obama, ter seu ingresso na União Europeia autorizado o mais rapidamente possível. Isso, por sua vez, desmentiria as afirmações de Wilders e ajudaria a construir as pontes entre o Ocidente e o islã das quais depende a paz mundial.


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