São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

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ANÁLISE

O arriscado jogo norte-coreano


Para obter concessões dos rivais, Pyongyang aumenta tensões


Chung Sung-Jun/Getty Images
Protesto na Coreia do Sul antes do recente lançamento de um foguete da Coreia do Norte, que piorou ainda mais a situação entre os dois países

Por CHOE SANG-HUN

Antes que a Coreia do Norte lançasse, no último dia 5, o que disse ser um foguete transportando um satélite -mas que Washington considerou um míssil balístico intercontinental-, o presidente Barack Obama e seu homólogo sul-coreano, Lee Myung-bak, concordaram sobre a necessidade de uma reação internacional "firme e unida".
Mas, considerando que há duas jornalistas norte-americanas detidas em Pyongyang, os EUA assistiram ao lançamento com especial interesse.
Especialistas civis e militares ocidentais concluíram que o míssil e sua carga caíram no mar. Já a Coreia do Norte apresentou o lançamento como um sucesso, e esse esforço do governo foi a mais recente em uma série de tentativas de negociar pela provocação.
"Certamente venceremos", disse o líder norte-coreano, Kim Jong-il, durante sua recente festa de aniversário, segundo a edição de 28 de março do "Rodong Sinmun", principal jornal estatal de Pyongyang. O "Rodong" então explicou a tática de Kim: "Se nossos inimigos jurados vierem para cima de nós com uma adaga, ele brande uma espada. Se eles apontam um rifle contra nós, ele responde com um canhão".
Entre os observadores da Coreia do Norte, a tática de Kim é conhecida pela palavra inglesa "brinkmanship", que carrega a ideia de uma política praticada à beira do abismo. O termo costuma ser usado para explicar a motivação de Pyongyang ao lançar o foguete, ou o iminente processo contra Laura Ling e Euna Lee, jornalistas da Current TV, de San Francisco, presas na fronteira com a China em 17 de março.
O colapso do bloco comunista, no começo da década de 1990, deixou a Coreia do Norte com poucos amigos. Desde então, essa ditadura bem armada, mas incapaz de alimentar sua população sem ajuda externa, se especializou em provocar a comunidade internacional para sobreviver.
Sempre que não conseguiu obter concessões nas negociações ou que houve mudanças em governos no exterior, o Norte elevou as tensões, aproveitando um convite para o diálogo e obtendo novas ajudas, mas sem jamais abrir mão do seu programa de armas nucleares. Foi assim quando abandonou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1993, e começou a estocar plutônio; quando testou seu primeiro míssil balístico sobre o Japão, em 1998; quando seus navios de guerra confrontaram a Marinha sul-coreana, em 1999 e 2002; e quando testou seu primeiro dispositivo nuclear, em 2006.
Esses movimentos forçaram relutantes governos em Washington e Seul a negociações que normalmente resultaram em mais ajuda à Coreia do Norte. Em troca, Pyongyang aceitou trabalhar pelo fim do seu programa nuclear -promessa que rapidamente paralisou ou reverteu. Isso porque, dizem especialistas, o programa é sua única peça importante para barganhar.
A Coreia do Norte foi forçada a recalibrar sua estratégia depois que o conservador Lee se tornou presidente, há um ano, encerrando uma década de ajuda incondicional por parte do Sul. A posse de Obama, em janeiro, deu a Kim uma razão para chamar novamente a atenção de Washington.
Desde o ano passado, o Norte chamou Lee de "traidor" e seus assessores de "maníacos maliciosos e confrontadores". Rompeu o diálogo com Seul e paralisou as negociações a seis partes para o seu desarmamento nuclear. Há um mês, começou a preparar o foguete.
Então, uma inesperada bonança para o governo de Pyongyang apareceu nas pessoas de Ling e Lee. O regime atualmente se prepara para levá-las a julgamento por acusações de "atos hostis", puníveis com até dez anos de trabalhos forçados.
"As jornalistas enfraqueceram consideravelmente a influência do seu governo contra o Norte", disse Kim Tae-woo, especialista do Instituto da Coreia para a Análise da Defesa, em Seul.
Washington disse que o lançamento foi um provocativo teste de míssil balístico com potencial de levar uma ogiva até os EUA, e que isso viola uma resolução da ONU. Mas um esforço norte-americano para punir Pyongyang no Conselho de Segurança foi barrado por Rússia e China -principais aliadas da Coreia do Norte- numa reunião no dia 5. Os debates continuam sobre se os norte-coreanos têm o direito de lançar um satélite.
Tal movimento por parte dos EUA, alerta a Coreia do Norte, também irá levá-la a abandonar as negociações multinacionais de desarmamento nuclear -principal objetivo de Washington.
Seul também tem poucas maneiras de pressionar o Norte, exceto, talvez, pela redução do comércio, que atinge US$ 1,8 bilhão por ano. Para Tóquio, a prioridade é o destino de 12 japoneses seqüestrados na Coreia do Norte. Embora popular, tal política tem restringido seriamente a flexibilidade do Japão para se envolver com Pyongyang.
"A Coreia do Norte tem pouco a perder nesse jogo", disse Kim Yong-hyun, da Universidade Dongguk, em Seul. "É um padrão que se repete: mais uma vez, a política do abismo de Pyongyang está funcionando."


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