São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAS

INTELIGÊNCIA/NADIM SHEHADI

Trazendo um conflito para o século 21

Aurora de nova era árabe traz esperança para os palestinos

LONDRES
Vivenciar a primavera árabe vem sendo algo avassalador. É difícil absorver o fato de que a ordem que dominou nossas vidas nos últimos 60 anos está finalmente caindo por terra.
É por isso que o conflito árabe-israelense acabou -é uma coisa do passado. Foi superado pelos acontecimentos e deixou de chamar atenção. O que acontece agora é muito mais instigante.
Imagine os vibrantes anos 1920 ("Roaring Twenties"): a era do jazz, quando se dançava o charleston e as mulheres começaram a fumar. O mundo mudou, os mortos estavam mortos e você tinha sorte por estar vivo. Você não acreditava em nada; a guerra tinha acabado, e você se revoltava contra as ideias e os valores da velha ordem que a havia causado. Coco Chanel era mais relevante que Otto von Bismarck: ela captava o espírito da época.
Estamos passando por uma transformação semelhante no mundo árabe, e este é apenas o começo. É uma situação que ainda está em mudanças.
Para os jovens que movem as mudanças na região, o conflito deve parecer algo tão próprio do século passado. É o que a Guerra Franco-Prussiana foi para pessoas como eles nos anos 1920. É algo com que seus pais e avós foram obcecados e do qual os ditadores contra os quais eles estão se revoltando derivaram sua legitimidade. Três gerações de árabes tiveram suas vidas confiscadas e suas liberdades restritas. Foi dito a eles que voz alguma se elevava acima da batalha pela Palestina.
Quaisquer reivindicações de reforma ou oposição aos regimes equivaliam à colaboração com o inimigo em uma guerra perpétua. Constituições foram suspensas, leis de emergência duraram 40 anos, e o conflito sempre era a desculpa para tudo. Os regimes utilizaram a "questão da Palestina" para consolidar seu próprio poder, reprimir qualquer oposição e instalar uma estrutura autoritária que parecia impossível de ser tirada do lugar, enquanto houvesse um inimigo com quem lutar ou fazer as pazes.
A Primavera Árabe busca liberdade, justiça e dignidade em todo lugar, incluindo a Palestina, mas a diferença importante é que os manifestantes também querem deixar para trás uma situação em que perpetuar o conflito era uma finalidade em si mesma. Os truques antigos não funcionam mais. Quando ditadores como os Mubaraks ou Assads deste mundo tentaram reconquistar terreno perdido ou desviar a atenção de suas revoltas, apegando-se ao conflito israelo-palestino, simplesmente não funcionou. Durante esses protestos não foram queimadas bandeiras americanas ou israelenses. Isso foi proposital, porque os manifestantes quiseram mostrar que as regras mudaram. A Palestina não é mais a batata quente -é a liberdade que o é. Mesmo o recente ataque à embaixada de Israel no Cairo foi visto por muitos como algo que desviou as atenções dos protestos na praça Tahrir.
Agora, porém, o conflito está pronto para encontrar uma solução, e a resposta está na tentativa palestina de obter o reconhecimento como Estado na ONU. Esse apelo à comunidade internacional romperia a estagnação em 20 anos de negociações e seria algo que mudaria o jogo -seria um novo início, equivalente a fazer da criação do Estado palestino, que era para ser a finalidade última, um ponto de partida.
As negociações chegaram a um estágio em que não podem avançar mais dentro dos parâmetros atuais. A OLP (Organização para a Libertação da Palestina) perdeu toda credibilidade, graças aos fracassos constantes e às concessões intermináveis sem resultado positivo em troca. Israel está igualmente em um limbo, incapaz de sequer oferecer fórmula para evitar sua humilhação, aceitando um congelamento temporário das construções nos assentamentos, apesar da pressão americana. Não é claro quem tem mais problemas com a ocupação, israelenses ou palestinos.
A despeito da estagnação, houve muitos anúncios de que grandes distâncias tinham sido percorridas e que estávamos a apenas um passo de uma solução. Aquele passo adicional precisa ser um passo para trás, para que possamos enxergar o quadro amplo e mudar nossa perspectiva.
Nas últimas semanas, a possibilidade de a ONU reconhecer o Estado da Palestina mudou o estado de ânimo reinante nos círculos palestinos e elevou a moral. Pela primeira vez, a liderança palestina estava liderando a agenda, e o resto do mundo estava se esforçando para acompanhar. Em lugar de se curvarem, humilhados, diante de cada exigência, os palestinos vêm buscando um objetivo claro, desafiando Israel, os Estados Unidos e a Europa, que permanecem divididos sobre a questão. O reconhecimento do Estado por países da América Latina e Ásia foi positivo, e o esforço palestino tem o apoio da Liga Árabe e de boa parte do resto do mundo.
Um Estado palestino com as fronteiras de 1967 foi visto no passado como uma concessão enorme -é o equivalente a aceitar um território de 22% da Palestina histórica, perdida em 1948. Mas a tentativa de reconhecimento da ONU muda a cena. Rompe o impasse em torno das negociações e empodera os palestinos. É uma situação em que só há a ganhar.

Nadim Shehadi é membro da Chatham House, do Instituto Real de Assuntos Internacionais, em Londres.

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