São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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Com transformação no Egito, Turquia vê novo eixo de poder

Apesar do histórico otomano, afinidade com os árabes

Por ANTHONY SHADID

ANCARA, Turquia - Uma Turquia novamente assertiva ofereceu há pouco tempo uma visão de um Oriente Médio totalmente realinhado, onde os antigos aliados do país na Síria e Israel caem em um isolamento mais profundo, e uma aliança florescente com o Egito sustenta uma nova ordem.
O retrato foi descrito pelo ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, em uma entrevista antes de partir para a reunião anual da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nos Estados Unidos.
Visto por muitos como o arquiteto de uma política externa que fez da Turquia um dos mais relevantes atores do mundo muçulmano, Davutoglu sinalizou para uma região em plena transformação. A Turquia, ele disse, está "bem no centro de tudo isso".
Ele declarou que Israel foi o único responsável pelo quase colapso das relações com a Turquia, que já foi sua aliada, e acusou o presidente sírio de mentir para ele depois que autoridades turcas ofereceram ao governo de Damasco uma "última chance" de salvar o poder contendo sua brutal repressão.
De maneira notável, ele previu uma parceria entre a Turquia e o Egito, dois dos países mais populosos, influentes e militarmente fortes da região, que ele disse que poderão criar novo eixo de poder.
"É isso que queremos", disse Davutoglu. "Não será um eixo contra qualquer outro país -nem Israel, nem Irã, nem qualquer país, mas será um eixo de democracia, verdadeira democracia", ele acrescentou.
"Será um eixo de democracia dos dois maiores países de nossa região, de norte a sul, do mar Negro até o vale do Nilo no Sudão."
Seus comentários vieram depois de um giro no início de setembro de líderes turcos -o primeiro-ministro Erdogan e Davutoglu entre eles- pela Tunísia, Egito e Líbia. Suas críticas a antigos aliados e a adoção de novos salientaram a nova confiança da Turquia.
Ao contrário de um Israel ansioso, um Irã cético e uns Estados Unidos cuja política regional foi criticada como aparentemente atolada e até mesmo contraditória, a Turquia se recuperou dos primeiros enganos para se oferecer como um modelo de transição democrática e crescimento econômico. A recepção notavelmente cálida à Turquia no mundo árabe - uma região que os turcos já viram com desdém - é um desenvolvimento quase tão sísmico quanto as próprias revoltas árabes.
Davutoglu, 52, leva crédito por uma "afinidade psicológica" entre a Turquia e grande parte do mundo árabe, que foi governado pelo império otomano durante cerca de quatro séculos, com a cidade de Istambul como sede.
Esse senso de afinidade cultural facilitou a entrada da Turquia na região, assim como o modelo bem-sucedido do Partido Justiça e Desenvolvimento, de Davutoglu, cujos líderes profundamente religiosos ganharam três eleições consecutivas, presidiram e apoiaram uma economia pujante e lançaram reformas que fizeram da Turquia um país mais liberal, moderno e confiante.
A defesa por Erdogan dos direitos dos palestinos e suas críticas a Israel -relações que entraram em colapso após tropas israelenses matarem nove a bordo de uma flotilha turca que tentava romper o bloqueio de Gaza em 2010- reforçaram sua popularidade.
Erdogan teve uma recepção calorosa em uma recente visita ao Egito. Davutoglu disse que o Egito se tornará o foco dos esforços turcos, enquanto uma ordem mais antiga apoiada pelos EUA, Israel, Arábia Saudita e em menor grau o Egito pré-revolucionário começa a desmoronar. Outros países -Irã, Arábia Saudita e Israel- sem dúvida olharão para o eixo Egito-Turquia com alarme. Mas na visão de Davutoglu essa aliança é uma força de estabilidade.
A Turquia não está livre de problemas. Restam dificuldades entre a Turquia e a Armênia, e a Turquia não conseguiu resolver o conflito em Chipre, ainda dividida em zonas grega e turca.
O acordo da Turquia para abrigar uma instalação de radar como parte do sistema de defesa de mísseis da Otan irritou o vizinho Irã.
Mais espetacularmente, suas relações com Israel desmoronaram depois que o governo israelense recusou uma série de pedidos turcos que se seguiram ao ataque à flotilha.
Apanhada de surpresa pelas revoltas árabes, a Turquia vacilou. Pelo menos US$ 15 bilhões em investimentos foram perdidos na guerra civil na Líbia, e diplomatas turcos inicialmente foram contra a intervenção da Otan.
Durante anos a Turquia também cultivou laços com o presidente da Síria, Bashar al Assad. Erdogan e Assad se consideravam amigos.
No mês passado, Davutoglu disse que Assad concordou com um mapa do caminho turco - incluindo o anúncio de uma data para eleições parlamentares e a rejeição de um dispositivo constitucional que fixava no poder o Partido Baath.
Mas apesar das garantias dadas Assad não as cumpriu. A Turquia abriga hoje vários grupos de oposição sírios.
"Essa é a ilusão dos regimes autocráticos", disse Davutoglu. "Eles pensam que em poucos dias vão controlar a situação. Não hoje, mas amanhã, na semana que vem, no mês que vem. Eles não enxergam. É um círculo vicioso."


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